URUAÇU-HISTÓRIA

DA REDAÇÃO, COM COLABORADORES

3. José Fernandes de Carvalho e a criação do município de Uruaçu

Depois de cinco dias de fatigante marcha, a cavalo, José Fernandes e seus companheiros chegaram a Sant’Ana, a nossa Uruaçu, hospedando-se na residência do Coronel Gaspar, seu tio paterno. Sant’Ana já envergava o título de distrito, criado que fora por lei baixada pelo governo de Pilar, conforme anteriormente se registrou, lei publicada em o Correio do Estado de Goiás, na edição de 26 de fevereiro de 1924.

Aqui, o tio Zeco falhou por alguns dias, em visita aos primos e aos irmãos Samuel e Afonso, meu pai.

Em conversa com o velho Gaspar, o tio Zeco lhe relatou todos os pormenores da revolução que levara Getúlio Vargas ao poder central, a decorrente nomeação de Pedro Ludovico Teixeira, como interventor federal em Goiás e, por fim, a designação justamente do juiz do antigo São José do Tocantins, Dr. José de Carvalho dos Santos Azevedo, como secretário da interventoria, a convite do próprio Dr. Pedro Ludovico Teixeira. Em seguida, exibiu ao pai Gaspar a carta enviada pelo juiz de Niquelândia e lhe disse:

– Agora, tio Gaspar, podemos conseguir muitas coisas para a nossa Sant’Ana. Se o governo alegar falta de recursos, vamos pedir a extinção de muitos órgãos estaduais, sem maior importância, que estão funcionando em São José, inclusive algumas escolas, para que haja recursos para o que pretendemos.

– Boa idéia, Zeco, disse o pai Gaspar. Vou providenciar uma reunião de todos os filhos, amanhã, às 8 horas, aqui em casa, e você elabora aí um plano de reivindicações.

No dia seguinte, reunidos todos os filhos do Coronel e outros chefes de família, deliberou-se pleitear ao Dr. Pedro Ludovico Teixeira os seguintes benefícios: criação do município de Sant’Ana; criação de um grupo escolar a ser instalado na sede do futuro município; e constituição de uma comissão, presidida por um juiz de direito, a fim de se instalar o termo judiciário de Sant’Ana e dar posse às autoridades municipais.

Foi redigida a mensagem do povo de Sant’Ana, saudando o governo revolucionário que ora se implantava no país, com destaque para a brilhante vitória dos Ludovico contra os Caiado, quando não se pouparam os mais eloqüentes elogios. Por fim, registrou-se a relação das reivindicações, acrescida de um destacamento policial permanente, para garantir a ordem e a paz na já progressista comunidade.

José Fernandes de Carvalho, o tio Zeco, daqui seguiu para São José a fim de se encontrar com familiares. A saudade deles tanto o martirizava durante o longo período de esconderijo.

Após um justo descanso, ele seguiu para a antiga capital do Estado, aonde chegou, após cinco dias de cansativa viagem, a cavalo, com um cargueiro de mantimentos e um camarada. Lá hospedou-se em casa de seu tio Benedito Ribeiro de Freitas, ex-deputado estadual por São José do Tocantins, líder político de grande prestígio, chefe de numerosa família, os Ribeiro de Freitas.

Benedito não escondia o contentamento pela reviravolta da política e da administração. De grei dos Bulhões, intimamente, não via com bons olhos o domínio absoluto dos Caiado e os rigores de castigo que impingiram aos seus adversários. Dia e noite vivia preocupado com os filhos, todos já participantes da vida comunitária e política da velha capital, especialmente Jarbas e Moacyr, que não se afinavam com a política caiadista e poderiam, de uma hora para outra, cair nas malhas da repressão dos Caiado.

Sanado o perigo, o Sr. Dito se mostrava satisfeito, como que dono da situação. Como era bom presenciar a alegria com que recebera o tio Zeco, ansioso que estava por saber de detalhadas notícias de sua terra natal, o São José do Tocantins.

José Fernandes não poupou termos para expor-lhe todas as circunstâncias da vida pública da hoje Niquelândia, assim como os apuros por que passara para se escapar das garras dos Caiado e, por fim, desabafou:

– Graças a Deus, tudo passou. A tempestade foi dura, mas valeu a pena. Agora vamos gozar das emanações suaves e pacíficas dessa brisa que nos trouxe a bonança… e deu vivas a Getúlio Vargas, Pedro Ludovico e à revolução!!!

Nesse mesmo dia, acompanhado pelo Sr. Benedito Ribeiro, já à noite, visitou o seu amigo José de Carvalho dos Santos Azevedo, agora secretário do governo, sendo entusiasticamente recebido. Conversaram muito, rememorando as façanhas do governo anterior, sepultadas em definitivo pelo governo revolucionário de 1930. Por fim, indagou o Secretário:

Então, Sr. Zeco, o que tem planejado para São José?

– Ora, Dr. Azevedo, para a terra de meu berço eu não quero nada. Mas quero para a minha nova terra, Sant’Ana, fundada por meu tio Gaspar. Brevemente meu mano Antônio e eu estaremos morando lá. Pretendemos, nós os Fernandes, reunir todos lá e lutar pelo engrandecimento do lugar. E, para começar, fizemos aqui um apelo a Vossa Excelência e a Dr. Pedro.

Assim dizendo, ia entregando a mensagem, assinada em Sant’Ana, pelos membros da família, quando o Dr. José Azevedo aconselhou:

– Não, Sr. Zeco, eu espero você lá no Palácio Conde dos Arcos amanhã, às 9 horas. Quero apresentá-lo ao Dr. Pedro. É melhor você entregar essa mensagem pessoalmente a ele, e eu reforço o que nela vocês estão pedindo. Pode ficar tranqüilo que todas as reivindicações da família Fernandes serão atendidas.

No dia imediato, à hora marcada, estava José Fernandes na ante-sala do Palácio Conde dos Arcos, sede do governo de Goiás, o porteiro encaminhou-o à presença do Sr. Secretário, anunciando, ao abrir a porta:

– Sr. José Fernandes de Carvalho, de São José do Tocantins.

O secretário, Dr. José Azevedo, levantou-se da confortável poltrona em que se encontrava sentado examinando papéis, e veio até a porta:

– Oh! Sr. Zeco, vamos entrando! O dr. Pedro já está à sua espera.

– Então, vamos logo à sua presença, rematou o tio Zeco.

Ambos, o visitante e o Secretário, encaminharam-se para o gabinete de despacho do interventor Pedro Ludovico e, abrindo o Secretário a porta de entrada, virou-se para o tio Zeco e disse:

– Entre, Sr. José Fernandes!

E, um ao lado do outro, chegaram até a mesa de trabalho do Interventor.

– Dr. Pedro, esse é o Sr. José Fernandes de Carvalho, membro da grande família Fernandes, de São José do Tocantins, e que foi muito perseguido pelos Caiado. Ele foi um dos cabeças do movimento pela intervenção em Goiás vindo do Rio com o Marechal Sócrates. É nosso amigo íntimo!

Dr. Pedro ouviu atentamente a apresentação. Mostrou-se, de certo modo, comovido, por estar diante de um revolucionário. Abraçou-o calorosamente, dizendo:

– Muito bem, Sr. José Fernandes. Já tinha ouvido falar de sua atuação com o Marechal Sócrates e alimentava o desejo de conhecê-lo.

Ainda com o braço direito sobre os ombros do Tio Zeco, convidou-o a sentar-se no confortável e macio canapé, obra de arte que ornava o gabinete do interventor e servia como móvel de descanso.

O Secretário, Dr, Azevedo, interferiu:

– Dr. Pedro, o Sr. Zeco trouxe uma mensagem, muito amiga, da família Fernandes, congratulando com Vossa Excelência e com todo povo de Goiás pela vitória da revolução e deseja a criação do município de Sant’Ana, a nova comunidade fundada pelos Fernandes, no interior do município de Pilar. O povoado já foi elevado à categoria de distrito e, pelo que ele informa e consta desta mensagem, já tem condições de ser elevado a município.

Fez, então, sinal ao tio Zeco para que entregasse a mensagem. Dr. Pedro abriu o envelope e leu. Depois voltou a vista para o visitante e disse:

– Pois bem, Sr. José Fernandes. Um pedido de amigo é ordem para mim, desde que não seja contra a lei. O município de Sant’Ana será criado, assim como atenderemos, com muito prazer, as demais reivindicações dos Fernandes.

Passou a mensagem ao Dr. José de Carvalho dos Santos Azevedo, recomendando:

-Tome todas as providências. Vamos atender aos desejos do Coronel Gaspar e de seus filhos.

Tio Zeco agradeceu ardorosamente a atenção do interventor federal e acompanhou o senhor Secretário até o gabinete deste.

– Aí está, Sr. Zeco, disse o secretário. Quanto à criação do município, podemos providenciar já. As divisas devem ser as mesmas do distrito, com relação a Pilar; mas Amaro Leite e Descoberto ficarão pertencendo a Sant’Ana, separando-se igualmente, de Pilar.

– É, está muito bem, acrescentou o tio Zeco. As divisas poderão ser as mesmas dos distritos, tirou da pasta que conduzia o exemplar do Correio Oficial do Estado que publicou o decreto de criação do distrito e que estipulava as linhas limítrofes da nova unidade administrativa.

-Ah! Ótimo! Deixe isso aqui, junto com a mensagem, para elaborarmos o decreto.

Tio Zeco entregou-lhe o jornal e foi dizendo:

– O decreto, certamente, só entrará em vigor quando for publicado no Correio Oficial. Nesse caso irá demorar um pouco, porém conto certo com o município de Sant’Ana e a criação do grupo escolar!

– Ora, Sr. Zeco, já está tudo combinado. Pode voltar para São José descansado. O pedido dos Fernandes será atendido integralmente. A instalação do Município ocorrerá logo após ser criado e o respectivo decreto for publicado. Quanto ao grupo escolar, vamos antes ver as possibilidades de conseguir normalistas e providenciar verbas para a manutenção do estabelecimento. Aliás, você já poderá pesquisar por aí, com auxílio do Sr. Benedito Ribeiro, que conhece melhor a cidade, e ver se arranja uma ou mais normalistas que queiram ir pra Sant’Ana e mande deixar o resultado em meu gabinete. Você poderá ficar tranqüilo que tudo será arranjado.

Tio Zeco agradeceu demoradamente o acolhimento total dos pedidos da família Fernandes e, no dia seguinte, tomou rumo de São José do Tocantins, extremamente feliz pelo seu êxito na viagem.

Durante o caminho de aproximadamente 280 quilômetros, entre Goiás e São José, decidiu José Fernandes se transferir definitivamente para Sant’Ana, assim que o município fosse criado, e pleitear, para ele, o cargo de subpromotor de Justiça e, para o seu irmão Antônio, o de coletor estadual, já que este há muito tempo vinha exercendo essa função em São José, como sucessor, e dela fora forçado a se afastar por violência dos mandões do antigo São José.

Chegando à sua Fazenda Criminoso, no interior do município de Niquelândia, onde residia, igualmente, Antônio Fernandes de Carvalho, e um pouco mais distante, no Chupa ou Chupador, o seu tio Joaquim Ribeiro de Freitas Côrtes, chefe de numerosa família, Tio Zeco combinou com o seu irmão Antônio a mudança para Sant’Ana. Convidou também a aderir à mudança um outro irmão, Olívio, que por algum tempo já havia residido aqui. O tio Zeco propôs a nomeação da tia Lastênia, mulher do Olívio, para o cargo de professora do grupo escolar a ser criado. Ela já vinha exercendo o magistério primário em Trahiras (hoje Tupiraçaba), que era uma cidade naquele tempo. Assim seria um caso apenas de transferência.

Antônio Fernandes abraçou logo a idéia. Olívio, porém, que já havia estado em Sant’Ana, pediu prazo para pensar (texto transcrito fielmente do livro A família Fernandes e a fundação de Uruaçu: Reminiscências, páginas 151 a 153. Cristovam Francisco de Ávila. Editora Bandeirante Ltda. Goiânia. 2005). Postagem original no site do JORNAL CIDADE: setembro de 2005.

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