URUAÇU-HISTÓRIA

DA REDAÇÃO, COM COLABORADORES

Uruaçu e a sua história

7. O baile

À noite, seguiu-se um animadíssimo baile. O toldo ficou repleto de gente de todos os matizes: crianças, mães, moças, rapazes, adultos, casados, solteiros, velhos de bengala na mão, roceiros de calça de algodão, mulheres queijeiras com laço de fita no longo cabelo preto, emplastado de pomada de sebo de gado curtido ao sol; outras, com lindas travessinhas; algumas matronas de papo sacudiam-no ao conversar; os rapazes exibiam botinas chiadeiras, preferencialmente de cor amarela. Crianças brancas, pretas e morenas, quase todas de pés no chão. A rapaziada com destaque para Felicianinho, Moacyr, Zeco Martins, Djalma, Fonso, Eneinha, Rodolfo, Jaques, Nickerson, Tonico Mendes e numerosos outros da elite social – gritava, de vez em quando, vivas ao prefeito, vivas a Getúlio Vargas. Zezim Ponce, Lúcio e Gasparzinho, os dois últimos filhos do prefeito empossado, eufóricos perguntavam:

– Como é, mestre Domingos, que é da música?

– É já, ne… an. Eu estou esperando sô Roque, né… an. Tá custando, né… é… é – entremeando risos e cálices de vinho…

Damas não faltavam. Lá estavam, desejosas que se começasse a dança, as moças da casa, como Elvira, Regina, Olinda, e outras como Ana, Aidée, Adelaide, Sanica, Colá, Diva Ribeira, Diva Francisca, Olímpia, Calu, Isabel Américo, Isabel Ribeira, Agripina, Isaura, Rita Godói, Domitila, Áurea de Godói, Diva de Aleluia, Flauzina, Maria Joana, Arminda, Dehira e numerosas outras donzelas, todas lindas, no verdor da juventude. As autoridades, os visitantes, os homens mais sérios se aboletavam na sala da casa, envolvidos em animada conversa sobre a nova ordem política do País, a Revolução de Getúlio Vargas e de Pedro Ludovico e a severa repressão aos comunistas, dito esquerdistas, chefiados por Carlos Prestes, e aos integralistas de direita, sob o comando de Plínio Salgado, a queda do regime democrático representativo, até então vigente, e a implantação de estado ditatorial.

O animado sanfonista Louro (Herculano José Flôres) já executava animadamente o seu acordeon, acompanhado de zabumba, manejado por Zé Calazans. Era um empolgante arrasta-pé. Se não fosse o zabumba, os seguidos, ritmados e monótonos trais-lá… trais-lá… trais-lá…trais-lá das botinas não permitiriam ouvir o emocionante som da sanfona. Zeco Martins, um dos mais entusiasmados dançarinos, com os ânimos exaltados com as doses da caipirinha, não se cansava de bradar.

– Vamos rapaziada!!!… Viva o sanfoneiro… o… o!!! Viva Sant’Ana!…

E a festa ia sob calorosa animação. Alguém gritou:

– Vamos para uma quadrilha, gente?

Palmas foram batidas aplaudindo a idéia.

Mestre Domingos será o par marcante!

– Vamos, Professor!?

O Professor Domingos Vicente não se fez de rogado:

– É bom, né… an; é bom né… an…, confirmou com indizível satisfação o professor.

Felicianinho (Feliciano Custódio de Freitas), um dos líderes dos rapazes daquela época, sabedor de que o professor alimentava uma forte simpatia por sua futura cunhada Adelaide, convidou-a para dançar a quadrilha e a ofereceu ao Mestre Domingos. Este, muito sorridente, quase a gargalhar de satisfação, abraçou respeitosamente a meiga Adelaide e se colocou num dos extremos do salão e convidou todos os pares para se enfileirarem, em ala. Trinta pares se puseram em ordem. Quinze de cada lado. Tudo preparado para o início da dança, Mestre Domingos bate, por três vezes, uma mão na outra, dando sinal ao sanfoneiro. Sô Louro inicia animadamente a executar empolgante marcha, sempre acompanhado pelo zabumba: trá-trá-pum… trá… trá… pum… pumpum… de Zé Calazans. Mestre Domingos lançou um olhar examinador sobre os 29 pares dançarinos e ordenou, num francesinho deturpado:

– “Balancê… general…

Tour!

Os pares, sempre em marcha, a passos curtos, imitam as evoluções do par marcante.

Mestre Domingos continua:

Scène de Dame!…

As mulheres se desprendem do braço do cavaleiro e se aproximam uma das outras, em duas filas, e se cumprimentam com inclinação da cabeça.

– Chevaliers ensuite!…

Os homens, deixando os respectivos pares, repetem os mesmos gestos das mulheres, sempre em ritmo de marcha.

Main-Gauche!!

Main-droite!!

Echanger!

E segue a marcação por aí afora. Alguns entendendo o estrangeirismo da língua; outros executando os movimentos por imitação ao par marcante. Professor Domingos dominava o francês, e esses termos de comando da tradicional quadrilha, então, sabia-os de cor e salteado!!

De vez em quando, batia palmas por três vezes e a música parava para breve descanso. Dois minutos apenas. Novas palmas eram batidas, e a música se iniciava sempre em ritmo de marcha. As duas filas de pares se punham em alerta:

Balancer general!! – comandava o mestre.

Depois de cinco intervalos de danças e contradanças anunciava o par marcante:

Promenade final!!

Começando por ele, na extremidade do salão, cada cavalheiro, assim que chegasse ali se despedia da respectiva dama, inclinando-se com um doce merci beacoup!!

Essa era última cena da quadrilha e era feita sob fortes palmas dos assistentes. Quando o último cavalheiro se despedia de sua dama, parava-se a música.

Depois de breve intervalo o Sr. Roque enchia o salão com o som forte de seu clarinete, no que era acompanhado por dois violões, divinamente executados por Odilon e Newton.

Domingos Vicente, clarinetista famoso, exibia uma animada polca. A rapaziada dançava à maneira que podia. Zeco Martins, Eneinhas e Zé Chrisóstomo não se esqueciam dos “vivas”.

Viva o sanfoneiro! Viva o prefeito! Viva o dono da casa!!

Todos respondiam, com muito entusiasmo e longamente:

Vi… va… a… a…!!!

Altas horas da madrugada, tio Chico, o prefeito, se lembrou de Antônio Fernandes, a quem certa vez, em São José, presenciou dançando magistralmente a peça Passarinho. Bateu palmas (era costume em uma festa chamar-se a atenção, pedir silêncio, batendo palmas). O vozerio parou e todos se voltaram para ele:

Tone, mostre aos presentes a dança do “passarinho”!

A dança era executada por um cavalheiro e duas damas. Uma de um lado e a outra do outro, com os braços entrelaçados com o cavaleiro e movimentos rapidíssimos, parecendo um pássaro, com asas abertas, querendo pousar, após diversas voltas. O pássaro seria o cavaleiro, as duas damas, as respectivas asas. O cavalheiro com as damas laterais, braços entrelaçados, com rapidez, dava uma volta e, ao fechar a curva, soltava as damas. Elas giravam em rodopio, com as mãos dadas acima da cabeça, retornavam, trocavam as mãos e novo giro, sempre em marcha rápida. Voltavam em direção do cavalheiro e este, da mesma forma, girava, como que passeando ao redor. Mais uma vez, as damas repetiam a evolução. O povo batia palmas, quase que continuamente, em ritmo da dança. “Muito bem”, gritavam alguns.

O tio Tone, sua filha Flauzina e sua sobrinha Maria Joana empolgaram a platéia durante uns cinco minutos de extraordinária movimentação, sempre ritmada, ao som da música marcial, executada pelo Sr. Roque, em sua Clarineta.

Às dez horas da noite e às duas horas da manhã, grandes bandejas de café, leite e chá, acompanhadas de outras tantas repletas de pão-de-ló, biscoitos doces, pão de queijo, bolo de arroz, foram girando, servindo a todos com farto café. Os mais gananciosos acompanhavam os serventes até o cômodo onde era feita a distribuição das bandejas e ali se empanturravam, sob o olhar, um tanto censurável, da dona da casa.

O barulhento e alegre baile se prolongou até o apontar das barras matinais, do dia 4 de setembro de 1931. Era o albor de um novo dia!!

Sant’Ana era, agora, município, igualzinho a São José. Grande sonho do Coronel Gaspar! A festa da posse foi alvo de comentários elogiosos por bastante tempo (texto transcrito fielmente do livro A família Fernandes e a fundação de Uruaçu: Reminiscências, páginas 164 a 166. Cristovam Francisco de Ávila. Editora Bandeirante Ltda. Goiânia. 2005). Postagem original no site do JORNAL CIDADE: setembro de 2005.

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