A filha de criação
Foi lá em Tapiocanga
Minha fictícia cidade
Que esta atrocidade
De cortar o coração
Um dia foi inventada
Porém nunca revelada
Por ser uma ficção
Atriz desta tramoia
Menina desamparada
Que um dia foi adotada
Por caridosa senhora
Pensando fazer o bem
Criou-a como quem
Cria a filha que adora
A adoção dessa garota
Até hoje inda me lembro
Foi num fim de setembro
No raiar da primavera
Ou seria fim de abril?
Havia um ar primaveril
Mas a memória não coopera
A adoção foi sem papel
Como se costuma falar
Pegou para criar
E dar boa educação
Por amor, não por esmola
Deu-lhe a melhor escola
Deu família e deu o pão
A senhora não era rica
Também não era pobre
De alma e coração nobres
Outros filhos adotou
Só uma foi registrada
Como filha legitimada
No registro assim ficou
Com registro ou sem registro
Todos os filhos eram iguais
Nenhum menos, nenhum mais
Sim, sempre cabe mais um
No doce coração materno
– nem antigo, nem moderno –
É amor puro e incomum
Joana é o nome dela
Ela cresceu tão de repente
Bonita e atraente
Rainha da juventude
Desde quando adolescente
Rodeada de pretendente
De duvidosa atitude
A beleza é meritória
Mas pode criar problemas
Mormente nos sistemas
Que o homem predomina
Nesta nossa sociedade
Impera uma maldade
Com vítima feminina
Sendo o homem dominante
E a mulher mais delicada
Ela é sempre dominada
Pela vontade masculina
Julgando-se poderoso
O homem presunçoso
Mancha a alma feminina
Joana, a filha adotiva
Resplandecente de beleza
Com seu porte de princesa
E muitos admiradores
Por causa dum namorado
Um jovem mal afamado
Perde todos os seus amores
A mãe triste aborrecida
Manifestou contrariedade
Eis que por sua vontade
Aquele romance terminava
Mas Joana apaixonada
Não queria saber de nada
Que seu amor contrariava
Pra fechar a boca da mãe
Penando, mas decidida
Numa atitude atrevida
Decidiu se engravidar
Eis a nossa heroína
Que deixou de ser menina
Pra ser mãe e se casar
A atitude de Joana
Forçou o casamento
Mas sem o consentimento
Do sagrado materno amor
Amor que se quebrou
Nunca mais se emendou
Mas não chega ao horror
Mas restou entre as duas
O amargo da teimosia
Pelo que sempre havia
Certo descontentamento
Com o peito magoado
O episódio era lembrado
E censurado o casamento
Por encrencas do marido
O casal se separou
Joana então ficou
Morando na casa materna
Dona do próprio destino
Ela, a mãe e um menino
Sonhando ser moderna
Há sempre alguém querendo
Ver o circo pegar fogo
Na maldade deste jogo
O fuxico faz certeza
Pela força da mentira
Um simples olhar vira
Tempestade e correnteza
O tempo não perdoa
Os anos vão se passando
A velhice vem chegando
E a mãe em preocupação
Os filhos não registrados
Precisam ser amparados
Com alguma doação
Doações se realizam
Feitas de forma legal
Um quinhão pra cada qual
O da Joana foi menor
Sem descontentamento
Compensou no testamento
Com valor até maior
No testamento a mãe
De forma voluntária
Herdeira testamentária
Houve Joana por nomear
Generosamente crível
Toda parte disponível
Passou ela a herdar
Assinado o testamento
Voltaram a desentender
Foi briga para valer
Ofensas pros dois lados
Então a mãe aborrecida
Confessou-se arrependida
Do testamento lavrado
Sabendo ter direito
De o ato revogar
Procurou afastar
Joana do testamento
Pra não perder a herança
Joana fez a lambança
Que salvou o documento
É por causa do dinheiro
Que o homem caminha errado
E o mundo anda atolado
Em um nó que não desata
Viajando na contramão
Faz guerra e escravidão
Calunia, trafica e mata
Com a mulher abonada
Marido reconcilia
Desculpando unir família
Reata o casamento
União de cão e gato
É piada, mas é fato
Sogra é um tormento
Dá um fim à sua mãe
Diz o genro à mulher
Se você inda quiser
Pôr a mão naquela herança
Troca os remédios de repente
A velha fica doente
E rapidamente descansa
Como todo velho ela usa
Remédio continuado
Que sendo trocado
Poderá ser fatal
Basta o suficiente
Pra morrer de repente
E ninguém saber o mal
Assim fez a filha
Trocou o medicamento
Salvou o testamento
Sem o povo desconfiar
E ficou na abastança
Desfrutando da herança
Que um dia há de pagar
pois tudo que você faz
Um dia volta para você
Sem que se saiba porquê
Desanda o carro na subida
O mal em paga do mal vem
E o bem em paga do bem
Esta é a lei da vida
[04/08/2018
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