SABOR DA LEITURA

DR. MARIANO PERES

A filha de criação

Foi lá em Tapiocanga

Minha fictícia cidade

Que esta atrocidade

De cortar o coração

Um dia foi inventada

Porém nunca revelada

Por ser uma ficção

 

Atriz desta tramoia

Menina desamparada

Que um dia foi adotada

Por caridosa senhora

Pensando fazer o bem

Criou-a como quem

Cria a filha que adora

 

A adoção dessa garota

Até hoje inda me lembro

Foi num fim de setembro

No raiar da primavera

Ou seria fim de abril?

Havia um ar primaveril

Mas a memória não coopera

 

A adoção foi sem papel

Como se costuma falar

Pegou para criar

E dar boa educação

Por amor, não por esmola

Deu-lhe a melhor escola

Deu família e deu o pão

 

A senhora não era rica

Também não era pobre

De alma e coração nobres

Outros filhos adotou

Só uma foi registrada

Como filha legitimada

No registro assim ficou

 

Com registro ou sem registro

Todos os filhos eram iguais

Nenhum menos, nenhum mais

Sim, sempre cabe mais um

No doce coração materno

– nem antigo, nem moderno –

É amor puro e incomum

 

Joana é o nome dela

Ela cresceu tão de repente

Bonita e atraente

Rainha da juventude

Desde quando adolescente

Rodeada de pretendente

De duvidosa atitude

 

A beleza é meritória

Mas pode criar problemas

Mormente nos sistemas

Que o homem predomina

Nesta nossa sociedade

Impera uma maldade

Com vítima feminina

 

Sendo o homem dominante

E a mulher mais delicada

Ela é sempre dominada

Pela vontade masculina

Julgando-se poderoso

O homem presunçoso

Mancha a alma feminina

 

Joana, a filha adotiva

Resplandecente de beleza

Com seu porte de princesa

E muitos admiradores

Por causa dum namorado

Um jovem mal afamado

Perde todos os seus amores

 

A mãe triste aborrecida

Manifestou contrariedade

Eis que por sua vontade

Aquele romance terminava

Mas Joana apaixonada

Não queria saber de nada

Que seu amor contrariava

 

Pra fechar a boca da mãe

Penando, mas decidida

Numa atitude atrevida

Decidiu se engravidar

Eis a nossa heroína

Que deixou de ser menina

Pra ser mãe e se casar

 

A atitude de Joana

Forçou o casamento

Mas sem o consentimento

Do sagrado materno amor

Amor que se quebrou

Nunca mais se emendou

Mas não chega ao horror

 

Mas restou entre as duas

O amargo da teimosia

Pelo que sempre havia

Certo descontentamento

Com o peito magoado

O episódio era lembrado

E censurado o casamento

Por encrencas do marido

O casal se separou

Joana então ficou

Morando na casa materna

Dona do próprio destino

Ela, a mãe e um menino

Sonhando ser moderna

 

Há sempre alguém querendo

Ver o circo pegar fogo

Na maldade deste jogo

O fuxico faz certeza

Pela força da mentira

Um simples olhar vira

Tempestade e correnteza

 

O tempo não perdoa

Os anos vão se passando

A velhice vem chegando

E a mãe em preocupação

Os filhos não registrados

Precisam ser amparados

Com alguma doação

 

Doações se realizam

Feitas de forma legal

Um quinhão pra cada qual

O da Joana foi menor

Sem descontentamento

Compensou no testamento

Com valor até maior

 

No testamento a mãe

De forma voluntária

Herdeira testamentária

Houve Joana por nomear

Generosamente crível

Toda parte disponível

Passou ela a herdar

 

Assinado o testamento

Voltaram a desentender

Foi briga para valer

Ofensas pros dois lados

Então a mãe aborrecida

Confessou-se arrependida

Do testamento lavrado

 

Sabendo ter direito

De o ato revogar

Procurou afastar

Joana do testamento

Pra não perder a herança

Joana fez a lambança

Que salvou o documento

 

É por causa do dinheiro

Que o homem caminha errado

E o mundo anda atolado

Em um nó que não desata

Viajando na contramão

Faz guerra e escravidão

Calunia, trafica e mata

 

Com a mulher abonada

Marido reconcilia

Desculpando unir família

Reata o casamento

União de cão e gato

É piada, mas é fato

Sogra é um tormento

 

Dá um fim à sua mãe

Diz o genro à mulher

Se você inda quiser

Pôr a mão naquela herança

Troca os remédios de repente

A velha fica doente

E rapidamente descansa

 

Como todo velho ela usa

Remédio continuado

Que sendo trocado

Poderá ser fatal

Basta o suficiente

Pra morrer de repente

E ninguém saber o mal

 

Assim fez a filha

Trocou o medicamento

Salvou o testamento

Sem o povo desconfiar

E ficou na abastança

Desfrutando da herança

Que um dia há de pagar

 

pois tudo que você faz

Um dia volta para você

Sem que se saiba porquê

Desanda o carro na subida

O mal em paga do mal vem

E o bem em paga do bem

Esta é a lei da vida

 

[04/08/2018

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