SABOR DA LEITURA

DR. MARIANO PERES

DR. MARIANO PERES reside em Uruaçu e, é advogado, escritor, poeta e integrante da Academia Uruaçuense de Letras (AUL). Contatos: (62) 98524-9769 e marianoperes3832@outlook.com. Visite mariano.peres.zip.net e palmas para a cultura

LAMENTO EM DUETO

[23/10/2018

 

Hoje à tarde fui ao Banco do Brasil.

Estacionei na Rua Goiás,

Subi pela Praça que margeia o Córrego

– Aquela construída pelo Luiz Pauferro

Quando canalizou o Machambombo –.

Encontrei uma praça diferente,

Limpa e com ares de cultura:

Pinturas, frases de efeito,

Planta de quintal

(Pimenta, cebolinha, boldo

E muitas outras dando vida ao ambiente,

Em vasos feitos de pneus velhos);

Uma armação de barraca

Construída em bambu,

Muitos pneus pendurados nas árvores.

O chão atapetado de jambolão,

Uma fruta saborosa

Que cura muitas doenças

E que ninguém aproveita.

As escadarias de acesso à Avenida

Pintadas de branco com detalhes negros.

Fiquei tão feliz com aquela maravilha

Que subi a escada sem perceber,

Caminhando normalmente

Como se estive andando em terra plana.

Já na Avenida, foi que me dei conta

De minha bravura.

Bravura que há muito fugiu de mim.

Eis que há tantos anos,

Subir aquela escadaria é um sacrifício

Que exige esforço, paciência

E duas paradas para descanso.

Mas hoje foi diferente.

Embevecido com o trabalho

De um artista desconhecido,

Me vi feliz e com as forças renovadas.

Na volta do banco,

Contemplei as águas do velho ribeirão

Serpenteando por entre as grandes pedras

Apertadas entre as paredes da canalização,

Construídas em pedras de juntas secas,

Presas por telas de arame

Que parecem frágeis e provisórias.

Minha impressão da primeira vez

Que contemplei aquela obra.

Um belo equívoco,

Porque trinta anos já se passaram

E aquelas paredes estão lá firmes

Como estavam naqueles distantes anos

De mil, novecentos e oitenta e oito.

Uma saudade da bela árvore

Que enfeitava aquela encosta de morro,

Tão bela quanto infeliz.

(Por que será

Que toda criação DIVINA

Sente e chora a maldade humana)?

De aromáticas frutos,

Delícia dos apreciadores de um bom licor,

Na linguagem de Odorico Paraguaçu,

Uma boa jenipapança.

Especialidade das irmãs Cajazeiras,

Meninas dos olhos do famoso prefeito,

Com um olho na donzelice consumada

E outro nas gatas cobiçadas.

Pé de jenipapo que chorou seiva de amargura

Quando João Mesquita,

Em afronta e desrespeito a frondosa planta,

Assassinou o mecânico Zé Pretinho.

O pé de jenipapo

Magoado pelo horror da brutalidade

Recusou-se a se alimentar do sangue,

Que jorrando pelo ferimento da peixeira

Apodreceu e se entregou aos vermes.

Famintas larvas da mosca azul,

Que haverão de se fartarem deste meu corpo

Quando lhes for entregue pelo coveiro

Não menos esfomeado,

Em troca de algumas pobres moedas

Que mal e mal pagam

Um quilo de feijão

No mercado da miséria.

Porém alguma coisa sobrou

Para amenizar os pesares do jenipapeiro:

A cacimba, cuja água pura

Sem cor e sem sabor

Matou a sede de várias gerações

De moradores da cidade.

Secas e verdes

Lá estava a cacimba

Com água pura e gratuita,

Enchendo potes, tálias e moringas.

Baldes de metal zincado

E latas de uma quarta

Com fundos de madeira.

Mulheres e crianças.

Pequenas filas

E muita água

Continuamente merejada

Das frinchas das pedras,

Oferecida pela natureza

Para quem quisesse.

Sérgio Alves Noleto,

Dono da Sapataria SAN,

Ali na Rua Baía,

Hoje, clínica de olhos.

Sérgio morava na fábrica

(Onde o gato comeu cobra

Que engolia o calango)

E todos as manhãs

Ao clarear do dia,

Atravessava a avenida,

Caminhava até o pé de jenipapo.

Lá, colhia a boa água da cacimba

Para a higiene matinal,

E dava GRAÇAS A DEUS

Pela vida, pequeno lapso

Em que se colhe frutos

Para a eterna caminhada

Rumo à felicidade plena,

Como quer o CRIADOR UNIVERSAL

Para seus filhos bem amados,

Que vivem e progridem

Na cósmica imensidão.

No poetar de Augusto dos Anjos,

Larvas do caos telúrico.

Para nós outros,

Sem poéticas pretensões,

Lagartas em busca de asas

Para borboletearem pelo espaço sideral.

Os ruidosos tratores da Prefeitura

Sepultaram a cacimba

Sob montões de entulhos,

Restos inaproveitáveis

De duvidoso progresso.

As demoníacas motosserras

Inventadas pelo diabo

Em dia de mau humor,

Em seu infernal trabalho

Mataram o pé de jenipapo,

Que virou lenha nas churrasqueiras

Dos devoradores de bovinos.

Hoje, quem à meia noite de sexta-feira

Passar pela praça,

Entre o Machambombo e a encosta,

Se ouvir um canto em dueto

Saberá que é o triste lamento

Da cacimba e do pé de jenipapo.

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