LAMENTO EM DUETO
[23/10/2018
Hoje à tarde fui ao Banco do Brasil.
Estacionei na Rua Goiás,
Subi pela Praça que margeia o Córrego
– Aquela construída pelo Luiz Pauferro
Quando canalizou o Machambombo –.
Encontrei uma praça diferente,
Limpa e com ares de cultura:
Pinturas, frases de efeito,
Planta de quintal
(Pimenta, cebolinha, boldo
E muitas outras dando vida ao ambiente,
Em vasos feitos de pneus velhos);
Uma armação de barraca
Construída em bambu,
Muitos pneus pendurados nas árvores.
O chão atapetado de jambolão,
Uma fruta saborosa
Que cura muitas doenças
E que ninguém aproveita.
As escadarias de acesso à Avenida
Pintadas de branco com detalhes negros.
Fiquei tão feliz com aquela maravilha
Que subi a escada sem perceber,
Caminhando normalmente
Como se estive andando em terra plana.
Já na Avenida, foi que me dei conta
De minha bravura.
Bravura que há muito fugiu de mim.
Eis que há tantos anos,
Subir aquela escadaria é um sacrifício
Que exige esforço, paciência
E duas paradas para descanso.
Mas hoje foi diferente.
Embevecido com o trabalho
De um artista desconhecido,
Me vi feliz e com as forças renovadas.
Na volta do banco,
Contemplei as águas do velho ribeirão
Serpenteando por entre as grandes pedras
Apertadas entre as paredes da canalização,
Construídas em pedras de juntas secas,
Presas por telas de arame
Que parecem frágeis e provisórias.
Minha impressão da primeira vez
Que contemplei aquela obra.
Um belo equívoco,
Porque trinta anos já se passaram
E aquelas paredes estão lá firmes
Como estavam naqueles distantes anos
De mil, novecentos e oitenta e oito.
Uma saudade da bela árvore
Que enfeitava aquela encosta de morro,
Tão bela quanto infeliz.
(Por que será
Que toda criação DIVINA
Sente e chora a maldade humana)?
De aromáticas frutos,
Delícia dos apreciadores de um bom licor,
Na linguagem de Odorico Paraguaçu,
Uma boa jenipapança.
Especialidade das irmãs Cajazeiras,
Meninas dos olhos do famoso prefeito,
Com um olho na donzelice consumada
E outro nas gatas cobiçadas.
Pé de jenipapo que chorou seiva de amargura
Quando João Mesquita,
Em afronta e desrespeito a frondosa planta,
Assassinou o mecânico Zé Pretinho.
O pé de jenipapo
Magoado pelo horror da brutalidade
Recusou-se a se alimentar do sangue,
Que jorrando pelo ferimento da peixeira
Apodreceu e se entregou aos vermes.
Famintas larvas da mosca azul,
Que haverão de se fartarem deste meu corpo
Quando lhes for entregue pelo coveiro
Não menos esfomeado,
Em troca de algumas pobres moedas
Que mal e mal pagam
Um quilo de feijão
No mercado da miséria.
Porém alguma coisa sobrou
Para amenizar os pesares do jenipapeiro:
A cacimba, cuja água pura
Sem cor e sem sabor
Matou a sede de várias gerações
De moradores da cidade.
Secas e verdes
Lá estava a cacimba
Com água pura e gratuita,
Enchendo potes, tálias e moringas.
Baldes de metal zincado
E latas de uma quarta
Com fundos de madeira.
Mulheres e crianças.
Pequenas filas
E muita água
Continuamente merejada
Das frinchas das pedras,
Oferecida pela natureza
Para quem quisesse.
Sérgio Alves Noleto,
Dono da Sapataria SAN,
Ali na Rua Baía,
Hoje, clínica de olhos.
Sérgio morava na fábrica
(Onde o gato comeu cobra
Que engolia o calango)
E todos as manhãs
Ao clarear do dia,
Atravessava a avenida,
Caminhava até o pé de jenipapo.
Lá, colhia a boa água da cacimba
Para a higiene matinal,
E dava GRAÇAS A DEUS
Pela vida, pequeno lapso
Em que se colhe frutos
Para a eterna caminhada
Rumo à felicidade plena,
Como quer o CRIADOR UNIVERSAL
Para seus filhos bem amados,
Que vivem e progridem
Na cósmica imensidão.
No poetar de Augusto dos Anjos,
Larvas do caos telúrico.
Para nós outros,
Sem poéticas pretensões,
Lagartas em busca de asas
Para borboletearem pelo espaço sideral.
Os ruidosos tratores da Prefeitura
Sepultaram a cacimba
Sob montões de entulhos,
Restos inaproveitáveis
De duvidoso progresso.
As demoníacas motosserras
Inventadas pelo diabo
Em dia de mau humor,
Em seu infernal trabalho
Mataram o pé de jenipapo,
Que virou lenha nas churrasqueiras
Dos devoradores de bovinos.
Hoje, quem à meia noite de sexta-feira
Passar pela praça,
Entre o Machambombo e a encosta,
Se ouvir um canto em dueto
Saberá que é o triste lamento
Da cacimba e do pé de jenipapo.
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