Leso-povo – Falta de empatia e crime de lesa-humanidade
Uma das sentenças hipocráticas, prescreve ser obrigação do médico tratar quando possível e cuidar sempre. No estágio terminal da doença, a relação médico-paciente ganha importância maior para a bioética, uma vez que nessa fase a relação se abala diante de questões que levam o médico a concluir que sua atuação em relação ao paciente já não é mais necessária. Se tudo já foi feito, então, o que fazer? O que deve ser mudado? Baseando-se nos princípios da bioética (autonomia, beneficência e justiça), os direitos do paciente e seus familiares diretos de saber a verdade, de dialogar, de decidir e de não sofrer inutilmente devem ser respeitados, principalmente na fase terminal, e ao médico cabe o cuidado desse paciente, uma vez que já não é possível tratá-lo.
A visão do paciente como pessoa é a base ética da relação médico-paciente. Uma situação grave, irreversível, intratável, evidencia a essência ética dessa relação, ou seja, os fundamentos éticos dessa relação evitam que o objetivismo clínico se transforme em desafio terapêutico. A visão realista da doença e uma clara consciência do valor e da dignidade da vida resultam em apreciação justa de todos os componentes da situação terminal e reforçam que, quando o tratamento clínico atingiu o limite da possibilidade, o sentido ético da relação médico-paciente deve prevalecer.
A generosidade, o humanismo, a solidariedade; mais do que estes sentimentos, o sentimento chamado empatia, sentido e externado por médicos e paramédicos, nunca esteve tão presente, nesse tempo da pandemia da Covid-19. Doença altamente contagiosa, sem tratamento etiológico, sem soros e vacinas, sem nenhum medicamento provado cientificamente, não viricida (antibiótico antiviral). Os boletins diários mostram o quão grave e sofrível tem sido a infecção para as vítimas e familiares e para os profissionais da saúde, os médicos e enfermeiros, em especial.
As cenas nos hospitais, nas UPAs, nos prontos-socorros, nas UTIs são de tocar os corações das pessoas que estão de fora desses cenários. Agora, imagine os que estão prestando essa assistência direta, esses chamados suportes de vida, considerando então o mais gravoso, plangente e contristador, dos casos que evoluem para óbito. São circunstâncias de tocar os nossos corações. E nesse sentido é que o tema merece essa particular reflexão, como se segue.
Diante de uma realidade tão grave como essa pandemia, imagino que todos, qualquer pessoa, indistintamente, deveria nessa hora se contagiar não do vírus, mas dos sentimentos aqui já expressos: generosidade e solidariedade, mas acima de tudo de EMPATIA pelo outro, de preferência, pelo outro doente ou ainda não atingido pela doença, vulnerável, como eu, como você, como qualquer um.
Para entendermos melhor o que seja empatia, vamos buscar a origem e significado do termo. Advêm do grego: em + pathos, que numa tradução prática seria = entrar (em) no sentimento (pathos) do outro. Seria equivalente a me identificar com as emoções, os sentimentos de outra pessoa. No caso de uma doença, seria eu me supor no lugar do paciente, do tipo e “se fosse comigo”?. A partir dessas conexões cognitivas e psíquicas interpessoais eu passaria a adotar atitudes, expressões, ações, iniciativas para amparar, mitigar, ou curar essa pessoa doente, sofredora, com privações, dessa causa de todos os seus sofrimentos e ameaças à sua integridade emocional e física.
Estamos aqui então a refletir sobre essa devastadora, terrível e contagiosa doença chamada Covid-19. Ainda sem tratamento vacinal ou curativo. Já se sabe que os graus de acometimento das pessoas são variados, podendo ir desde o indivíduo assintomático , apenas portador do vírus (como um vírus de hepatites, HIV), passando por casos leves, moderados e gravíssimos, com sequelas, debilitação extrema, com cerca de 5% de mortalidade em que pese adoção de todas as medidas de oxigenioterapia, ventilação mecânica e suporte cardiocirculatório. Por ora, todos devem não esperar milagres de hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina, dexametasona, vitaminas, vitamina D, e outras panaceias, sem nenhum fundamento médico e científico.
Em se falando de Brasil, vimos assistindo aos maiores disparates, aos absolutos desleixos, esculachos e irresponsabilidade de grandes levas de pessoas que saem pelas ruas, sem máscaras, outras que as usam de forma ineficaz, pessoas que não adotam as medidas higiênicas corretas, gente que se aglomera sem proteção, gente que saem às ruas e voltam como se nada estive ocorrendo de doença ao seu redor, colocando em risco de doença e morte os seus familiares e outras pessoas dos contatos sociais. Essas pessoas são, no mínimo, desalmadas, desrespeitosas com os outros, desumanas consigo mesmas e o pior: com o seu próximo, com os seus entes queridos, filhos, esposas, pais, avós.
E aqui não estamos a falar apenas de gente comum, de cidadãos populares, de gente humilde e trabalhadora. Estamos assistindo a cenas de gente doutora, de pessoas graúdas, intituladas de formação superior, de gente esclarecida e muito antenada com todas as mídias, todos os noticiários jornalísticos, de saúde e científicos. Não ficam apenas nesses grupos aqui nomeados, nossa estranheza e perplexidade, porque além do grande rebanho de brasileiros nesse texto apontado, vimos desde o início da pandemia, assistindo autoridades palacianas, ministros, governadores e para nosso desencanto e tristeza, o próprio presidente Jair Bolsonaro, negando a gravidade da doença, desdenhado dos crescentes casos de mortos, conforme boletim diário do Ministério da Saúde.
Para resumo de nosso pasmo e protestos, todas essas pessoas estão cometendo um crime, o crime de lesa-humanidade. Pelo absoluto desprezo pela saúde, pela vida, pela dignidade e amor ao próximo. Só isso. E por falar nisso, até o próprio presidente foi acometido pela Covid-19. Desejamos a ele pronta e plena recuperação. Talvez agora se sensibilize de vez com o que vivem as milhares de famílias dos doentes e mortos por essa inaudita e repulsiva peste ou praga, de nome sem vida, sem medo, sem coração, a tal da Covid-19.
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