‘Antecipando os ponteiros’ – Giovanna Correia Araújo
Os jovens vivem uma sexualização precoce ou os padrões comportamentais na sociedade atual ainda são conservadores?
Em Alice no País das Maravilhas, de Lewis Correll, o personagem Coelho Branco, segurando o seu relógio de bolso e correndo por estar, supostamente, atrasado, é uma clara representação da cultura imediatista que vejo refletir no comportamento da nossa sociedade, a qual, temendo a passagem do tempo, desrespeita etapas fundamentais ao amadurecimento humano. Entretanto, essa pressa do Coelho, cidadãos, nós já sabemos: levou a jovem Alice, que constantemente o seguia, a cair no buraco mais profundo. E agora, Alice? E agora, José? E agora, senhores? Alice quer abrir a porta, mas não existe porta e a noite já esfriou. Para onde foge, Alice? Para onde marcha, José? Para que isso, senhores? Sejam todos bem-vindos à era em que as nossas crianças e adolescentes – pobres Alices –, em função dessa rotina acelerada reproduzida pelos coelhos apressados do mundo, não têm para onde fugir, visto que são submetidas constantemente à sexualização precoce. Afinal, o desejo de transformar, rapidamente, o corpo dos jovens em objetos de comercialização converteu-se em um fator decisivo para as relações sociais na contemporaneidade. Por isso, ouso dizer que o recorrente quadro de erotização infanto-juvenil nada representa, senão, resultado de uma mídia mercantilizadora e de um frágil sistema educacional que não garante a criticidade dos educandos.
Frente a esse cenário desanimador, observo, regularmente, que o meio mediático, na necessidade de espetacularizar assuntos com maior possibilidade de retorno financeiro, como já aponta Guy Debord, na obra Sociedade do espetáculo, retrata os menores, sobretudo aqueles pertencentes ao gênero feminino, de modo objetificado, atrelando sua corporeidade ao prazer, ferindo, consequentemente, a dignidade dessas cidadãs. Abram os olhos, senhores! Não podemos permitir que as nossas filhas sejam tomadas como produtos comercializáveis. Os estudantes de Frankfurt já nos alertavam, em meados do século XX, que o ideal de liberdade seria, na verdade, uma ilusão da raça humana, dado que os indivíduos, meramente controladas pela indústria cultural, tornavam-se, cada vez mais, instrumento de manipulação daqueles que utilizam poder em prol da lucratividade. É exatamente isso que vejo refletir na vida de milhares de Alices, que, expostas prematuramente a conteúdos eróticos e submetidas, muitas vezes, a apelos sexuais em suas performances fotográficas, perdem suas liberdades na juventude.
Ademais, não deixo também de ouvir a voz dos marxistas, sábios os pensadores, que sempre disseram: “Sejam sujeitos e não objetos”. Lembrem-se das aulas de gramática: sujeito é aquele que age, enquanto objeto, passivo, sofre ação. E, como os nossos filhos vão agir como sujeito se continuarem imobilizados a um sistema que os sexualizam precocemente? Aliás, não tem com os mais imaturos anteciparem a consciência em relação aos perigos que o cercam sem um processo formativo que estimule a criticidade. Paulo Freire já dizia – e eu concordo com ele –, que é papel da escola desenvolver a autonomia do pensamento dos educandos, para que se emancipem diante das injustas situações vistas. Todavia, as atuais destituições de ensino não estimulam os meus filhos, os seus filhos, os filhos desta terra tão hostil a participarem ativamente no núcleo social em que estão inseridos, impossibilitando-os, assim, de reverter o cenário de coisificação ao qual estão subjugados. Por isso, a juventude, mais autômata do que autônoma, tende a permanecer adormecida diante desse quadro de erotização.
Logo, não deveríamos, e a sociologia foi quem nos ensinou isso, permitir que as nossas Alices sejam manipuladas e exploradas pelos gananciosos coelhos que insistem em antecipar os ponteiros de seu relógio biológico. É preciso, pois, combater a exploração midiática que coloca em risco a liberdade juvenil. É preciso, pois, desenvolver a criticidade dos indivíduos – desde a mais tenra idade –, para que eles não caiam nas garras da objetificação. É preciso, pois, lançar luzes sobre as trevas para o alheamento que controla ideologcamente a população a ser mitigada. Restará, pois, o sonho de uma humanidade mais preocupada com o bem-estar e com a emancipação dos jovens, infelizmente, ainda incompatível com os caminhos tomados na atualidade.
Giovanna Correia Araújo reside em Goiânia-GO., tem 16 anos e é estudante do 2º Ano do ensino médio
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