CULTURA & EDUCAÇÃO

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No poema ‘Do agora que vive lá fora’, poeta ChicosBandRabiscando retrata dupla Goiânia. Leia!

‘Tantos olhos me fitavam, mas nada falavam. / Eu, um estrangeiro? / Um filho dessa terra primeva? / Não… sou daqui! Cheiro a pequi, pamonha e queijo mineiro’.

ChicosBandRabiscando: ‘Parei, e, espantado, perguntei: – Mas que diacho… onde me acho? Vi outra cidade se levantando’ – Foto: Jeverson de Souza/agenciacoradenoticias.go.gov.br

 

Chova ou não chova…

Não tenho escolha,

ainda que ressentido…

Dos galhos sempre brotam novas folhas.

A pujança não vive da mesma roupa,

e o ritmo urbano é de uma vida louca!

Ontem andei pelo escuro…

Não raro, o sol brilhava claro.

Fato é que eu já não tinha faro,

temi pelo futuro.

Havia deixado a proteção dos meus muros.

Fiz-me em passos, inseguro.

Segui por ruas; pisava eu, em descompasso.

Parei, e, espantado, perguntei:

– Mas que diacho… onde me acho?

Vi outra cidade se levantando.

Eu estava ali,

e a tristeza me arrastando…

Que estranho…

Tantos olhos me fitavam, mas nada falavam.

Eu, um estrangeiro?

Um filho dessa terra primeva?

Não… sou daqui! Cheiro a pequi,

pamonha e queijo mineiro.

É um fardo se acostumar com o calor desse asfalto.

Sinto-me sitiado por todos os lados,

respiro em pouco espaço.

Não sei por que tantos elevados?

Sou baixo: um pássaro que se perdeu do bando.

Esse presente não me compreende,

anda tudo diferente!

Mas não menti, só me atrevi,

e, descontente, segui em frente…

Pisei calçadas já cansadas,

Enxerguei fachadas mal-acabadas,

Placas de vende-se.

Em meio à grossa poeira, o tempo reina.

Assim perecem velhos endereços…

Também me vejo: atado ao cabresto,

virado do avesso,

sem eira nem beira.

Meu coração fadigado é o próprio Cerrado violado,

o agora, eivado desse ausente…

As nuvens continuam passando…

Eu aqui, questionando:

– O que é mesmo esse presente?

– Como se atreve a me mostrar os dentes?

Sofro de um desgosto que já não tem rosto.

Tudo é tão novo…

Deus, quem é esse povo?

Eu sei… são profundas as raízes.

Contudo, de muitas as matizes,

são meus irmãos, aqui estão,

levas de outra geração…

Com receio, segui rumo à Praça do Coreto.

Avistei o Palácio das Esmeraldas,

à frente, o monumento às Três Raças.

Porém, sabia que já não era meu lar.

Continuei a buscar…

Procurei por boa parte do centro,

agora vazio,

quase sem nenhum movimento.

No Teatro Goiânia respirei os velhos ares da saudade…

Porque eu sei…

Ali, mais uma vez, chorei.

Chorei pelos antigos prédios,

Amarelados e trincados.

Parece que não tem mais remédio:

tornaram-se museus,

Padecem do mesmo tédio que eu.

É uma arquitetura que já não se segura.

Peguei a Anhanguera, cheguei ao Café Central, menos mal!

Mas não tinha sequer um café,

Perdi de vez a fé.

Ora! Mas quem sou eu?

Não sou ateu…

Com revolta, bati à porta,

– Quero de volta a minha capital,

Ninguém me atendeu,

nenhuma resposta…

Por onde andam os canteiros floridos?

A fonte jorrando no Bosque dos Buritis?

As passarelas coloridas com suas belas avenidas?

E a feira Hippie, ali, tão chique,

decorando com sua arte a Goiás?

Também não tem mais…

É tão doído ver tudo varrido!

Como podem me pedir um sorriso?

Nunca fui bom de improviso.

Pois sei que perdi meu paraíso,

e não foi por falta de aviso…

Que descanse em paz.

Porque jamais!

Sigo fingindo que estou aceitando…

É um desânimo, um desencanto…

Me incomoda ver tantos automóveis rodando,

Motoristas nervosos buzinando,

câmeras por todo lado me vigiando

Feriram-se os anos…

Ficaram esses vãos…

Mas não sou o vilão.

Claro que não!

Sou um filho desse chão.

A brevidade não me convence dessas novidades.

Dói dizer essa verdade!

Serei eu, agora, um estranho?

Ah, esse medo é tamanho!

Entendo muito desse silêncio que ecoa no vento pelo centro…

É o mesmo que bate aqui dentro.

É tanta coisa que eu penso!

Já se passaram tantos dezembros…

O que querem que eu faça?

Eu não ultrapasso,

Não me peçam para cruzar a faixa.

Eu me embaraço!

Pensam ser fácil?

O mofo vai criando camadas,

e a melancolia estampa as vidraças.

Isso também me marca.

Fere a minha carne como uma faca.

Tem coisas que não se apagam por nada.

A capital agora é gigante.

Por todos os lados, ela se expande…

Morre e vive a cada instante.

Diante disso…

Não me cabem improvisos.

Já disse, não sou bom nisso!

Sigo tateando os meus passos…

Ninguém se importa com o que eu acho.

Sou agora um velho elefante,

um peregrino sem destino,

um caminhante sem caminho.

Sigo sozinho, vacilante,

acuado e distante…

Esse saudosismo me arranha,

a minha dor é tamanha!

Ainda que plantadas, as árvores são humilhadas.

Suas últimas filhas padecem sobre as ilhas.

Caladas, elas ainda crescem,

mas sabendo que não amanhecem.

É tudo o que lhes resta:

viver de falsas promessas,

mendigar o que um dia foi sua floresta.

Logo eles chegam e esguelham as suas motosserras,

uma a uma, são tombadas…

E suas seivas pingam, clamam por vida.

Breve, serão esquecidas.

É assim que agem essas feras.

Nem mais fingem:

Matam as primaveras.

O que nos resta é essa fuligem.

E quem irá escutar esse velho albatroz?

Sei que não tenho mais voz.

O frio habita meu coração,

que já não se esquenta.

Aqui dentro,

ferro e cimento se retroalimentam.

Esse vazio é o que me arrebenta.

O progresso é uma grande ilusão.

Ele planta os novos espigões,

que rasgam a terra fazendo trevas…

Sangra as nuvens sobre o céu,

de uma forma cruel… muito cruel!

É um absurdo:

O capital tornou-se o dono de tudo.

Ele se orgulha da sua nova Babel…

É um desencanto que não me encanta.

Prefiro ouvir o coro dos anjos:

Livres, eles vagam pelos campos.

Os anjos são os pássaros.

Somos o fracasso, um fiasco!

Sem rei, tornei-me agora um espelho de memórias,

um vulto que ninguém mais escuta,

uma metáfora que já não encontra sua glória.

Essa é a minha luta…

E o tempo corre…

Implode, mas não me socorre.

O tempo destrói e reconstrói…

O que sei é que não escreverei para nenhuma Wikipédia.

Levarei comigo a minha tragédia,

não é uma comédia.

Já foram perdidas as rédeas…

Sou os escombros onde se eleva essa nova selva.

São tão impecáveis as suas torres de vidro…

É inevitável a minha queda!

O presente foi corrompido,

e o futuro já estava escrito.

O ontem, comigo, foi banido…

A geometria traça novas formas ao deus infinito.

Com muita dó, eu digo:

A arte Déco já foi esquecida.

Não há mais sorrisos.

Minha alma se cala.

O que sinto é sofrido.

Eu sei… é a lei.

Também errei —

Visto que um dia acreditei.

Sobra-me um exílio sem brilho.

Será esse o meu martírio…

Para além das minhas entranhas,

e de forma tamanha!

Viverá em mim uma velha Goiânia.

Chore comigo, senhor Ludovico,

agora nos vemos no mesmo limbo,

condenados ao mesmo castigo.

Deus nos valha dessa navalha!

Sou barro, não raro,

mas tenho alma.

Com falhas…

Aqui me calo!

 

ChicosBandRabiscando (registrado Francisco de Assis Dorneles) é natural de Goiânia-GO, com formação em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Além de poeta, escreve prosa poética e tem uns quatro contos a revisar. Atualmente, trabalha seu primeiro romance, sem prazo para conclusão. Divulga seus textos no Instagram e YouTube, onde narra de forma cinematográfica. Já participou de uma antologia pela Editora do Carmo, de Brasília. Já foi entrevistado pelo canal TV Cultura Alternativa, de Brasília, e canais de amigos

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