OPINIÃO

DIVERSOS

‘Avenida Araguaia – Rio de Memória, de Ítalo e Itaney Campos (2021)’ – Jô Drumond

‘Apesar do avanço das ciências e da tecnologia, o ser humano continua o mesmo a remoer medos, fracassos, ciúmes, desamores…’.

Residência da família dos escritores, na Avenida Araguaia, Centro de Uruaçu – Imagem (Arquivo): Google. Foto da home: Acervo pessoal

 

Nesse livro, os irmãos Ítalo e Itaney Campos apresentam-nos reminiscências pescadas com o anzol da saudade, em Uruaçu (GO), “revivescendo” fatos e histórias dos idos de 1950 / 1960, relegadas temporariamente ao baú do esquecimento. Ambos registram acontecimentos interessantes, inusitados, tristes e engraçados daquele universo povoado por familiares, vizinhos e amigos. Como dizia Tolstói, “se queres ser universal, fala da tua aldeia”. Microcosmo e macrocosmo são indissociáveis. Quando se fala do torrão natal, fala-se, por conseguinte do mundo e do ser humano como um todo. Apesar do avanço das ciências e da tecnologia, o ser humano continua o mesmo a remoer medos, fracassos, ciúmes, desamores… A regozijar-se de conquistas, aventuras fugazes, grandes amores e paixões. Os protagonistas de Avenida Araguaia não são heróis nem anti-heróis. São pessoas comuns com as quais os autores conviveram, quando crianças, num universo recriado pela magia da literatura.

Durante a leitura identifiquei-me sobremaneira com aquele tempo e espaço similar ao que foi vivenciado por mim, também na infância, ou seja, um vilarejo interiorano com as mesmas características do cenário de Avenida Araguaia e com os mesmos aspectos consuetudinários daquela “gente como a gente”, em tempos idos.

A descrição da Fazenda Conceição também chamada de Tapera do Vô Fonso aproxima-se muito da fazenda onde fui criada até os seis anos de idade: rebanho bovino e suíno, criação de galinhas, grande pomar, muitas bananeiras, plantação de cana, feijão, milho, arroz, aipim, algodão… Enfim, agricultura familiar diversificada de subsistência, como era usual. Eu me lembro que meu pai ia de vez em quando à cidade mais próxima, apenas para comprar sal de cozinha e o sal grosso para o gado, dois itens importantes, naquela época, inexistentes, no Brasil profundo.

Por coincidência, tivemos também um cavalo que tinha a mesma perspicácia da mula Rosa de Vô Fonso. Ele se chamava Rosilho. Não gostava de ser montado por estranhos, nem por crianças. Na hora de firmar a montaria, ela enchia os pulmões e estufava a barriga. Tão logo começava o passeio, ele soltava o ar, a montaria deslizava barriga abaixo e o cavaleiro se esborrachava no chão.

Ítalo abre o livro (página 23) com “relembramentos” de tal fazenda. Na página 145, Itaney retoma o mesmo cenário para narrar as brincadeiras infantis, comilanças de frutas frescas no pomar, e não deixa de citar os animais silvestres e as diversões da meninada. A mais apreciada delas, com estilingues afiados, é hoje condenada. As crianças se regozijavam em abater pássaros quaisquer que fossem (pássaro-preto, fogo-apagou, andorinhas, periquitos, inhambus, juritis, pombas, rolinhas…) “antes do exato instante do voo”.

A prefaciadora Lêda Selma, imortal da Academia Goiana de Letras, resume magistralmente o livro em poucas linhas: “Dois irmãos, que sempre valorizaram a história de sua cidade e de seus personagens, bem como a trajetória da própria família, decidiram imortalizar fatos históricos, corriqueiros, picarescos, passagens tristes, divertidas, pitorescas, enfim, as memórias do passado. Cada um a seu modo. Ítalo, mais brincalhão. Itaney, mais contido…”.

Parabéns, Ítalo e Itaney, pelo resgate, por meio da escrita, de um passado, que, de certa forma, esteve sempre presente na memória de vocês. Trata-se de um interessante daguerreótipo daquele tempo e espaço que ficará registrado para as gerações vindouras e que, com certeza, proporcionará grande contentamento a seus contemporâneos saudosistas de Uruaçu.

 

Jô Drumond reside em Vitória-ES e, entre outras qualificações, é professora universitária aposentada, pesquisadora, tradutora juramentada, poeta, artista plástica; e, ocupa a Cadeira 32 da Academia Espírito-santense de Letras (AEL), a Cadeira 10 da Academia Feminina Espírito-Santense De Letras (Afesl) e a Cadeira 24 da Academia Feminina Mineira de Letras (Afemil); além de membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES)

  • Maria Selma Ávila Santos (Uruaçu)

    Texto muito bem escrito retratando uma sinopse do conteúdo do livro em destaque, ao mesmo tempo em que rememora as lembranças da autora, que também deve ter muito o que contar de suas memórias. Parabéns!

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