“A alegria de viver: infância, literatura e resiliência no ‘Confetes’, de Ítalo Campos”
A alegria de viver: infância, literatura e resiliência no Confetes, de Ítalo Campos
A tempos o amigo uruaçuense Ítalo Campos me enviou o pequeno livro Confetes, comecei a ler, mas devido os diversos afazeres do momento não foi possível dar continuidade, o livro ficou junto dos demais de meus filhos. A correria do cotidiano me impediu de retomar a leitura da obra desse psicanalista, que se aventura a poeta. Assim, o deixei em um dos cantos da casa, aguardando o momento em que fosse possível me debruçar novamente sobre os escritos desse goiano que mora a tanto tempo em Espírito Santo.
Esses dias, Joaquim, meu filho de quatro anos, me mostrou o livro e pediu para ler para ele, olhei e exclamei: – Confetes! O tempo das crianças é diferente do nosso, comecei a ler os pequenos poemas, mas ele foi brincar e me deixou com o livro na mão. Dias depois ele pegou o livro e disse com firmeza: – Pai, lê o Confetes!!! Com preguiça respondi: – É um livro de poesia, e você não se prende a essa leitura que solicitas ao papai, pois logo se desinteressa e perda a atenção que se deve ter a uma leitura. Entretanto, ele insistiu e eu comecei a ler.
A mágica começou nesse instante! A leitura cadente dos versos recuperava pequenas memórias ancestrais: fosse a alusão ao arquétipo literário, como o desejo de casar-se com a Lua, ou a inferência aos ritmos musicais presentes em nosso cancioneiro infantil. Ítalo tece pequenos poemas que vão entrando em um lago, cada vez mais profundo. Seu tema principal é o amor a vida, a alegria de existir. Cada verso nos incita a observar a beleza do universo e ter a clareza que a construção humana se dá cotidianamente, no nosso dia-a-dia. Viver é entrar em um jardim de rosas, com seus espinhos e sua beleza, sujar os pés na terra e não ter medo de fazer escolhas. Isso sim é viver, de acordo com os grifos delineados por Ítalo!
O universo tecnológico que nos encanta está sempre presente, entretanto é um prazer da vida que nos torna ausentes, dissimula a presença, pois nos aproxima e nos distância numa mesma frequência. O poeta nos lembra que os desejos mudam, antes queríamos chocolate, hoje um celular, uma aventura, um brinquedo novo, mas no fundo o que de fato queremos é “…uma história engraçada/uma vez bem contada?” (p. 9). Precisamos nos amarrar nas narrativas, nos embrenhar na vida em comunidade, fazer parte da coletividade, nos identificar, dar sentido a nossa existência. Ítalo marca com sutileza nossa presença no mundo, seja por meio do calendário que nos insere no tempo comum dos festejos como a “Páscoa”, o “Dia de São João”, ou ainda, nas coisas cotidianas que emergem no seio familiar. O autor, se insere também no mundo das crianças por meio do espaço poético dos sinais integradores que suscitam nos pequeninos diversos sentimentos como o de pertencimento, ou àqueles relativos ao amor, possibilitando-lhes dar significado a existência humana. Sua poesia adentra os caminhos das dores e dos sofrimentos, buscando consolo por meio das paródias que exalam alegria:
“Cadê a tristeza que estava aqui?
-O gato comeu.
Cadê a dor que estava aqui?
-O boi lambeu.
E agora o que eu faço?” (p. 12)
Aos olhos de uma criança, suspeito que não só o questionamento da dor é irrespondível, mas ensinar a perguntar é um caminho para a libertação e a cura dos sofrimentos. Esse pequeno livrinho tem um caráter profilático, ao instigar as crianças a questionar o que sentem e assim buscar uma saída para se livrar da dor. A poesia ensina a criança a refletir sobre os perigos da rua, e nos impele a lutar por um mundo mais seguro.
A complexidade dos seres humanos também é abordada por meio da alusão ao arquétipo do lobo mal, uma imagem apresentada entre a maldade e a bondade, aquele que morde e dá bombom (p.14). Mas a vida renasce a cada manhã e é a coisa mais linda participar dessa sinfonia. Como eixo de seus poemas, o poeta recorre constantemente a alegria de viver e retorna ao poema sobre o sol (p.15).
É encantador como temas tão pesados são tratados de maneira tão leve, a partir da música “a canoa virou” o autor faz uma profunda reflexão sobre a vida, a dificuldade em remar e a necessidade de continuar remando, “é preciso viver, navegar” (p. 16). Ítalo trata com suavidade o tema do suicídio é tratado, nos ensinando que não podemos deixar de cuidar da canoa, para que a “nossa vida não vire”. O nosso poeta finaliza sua obra, instruindo as crianças a guardarem uma palavra de consolo no fundo do seu coração, para que nos momentos de tristeza a criança a encontre. Finda magistralmente, trazendo à tona esses belos versos:
“Guarde esta palavra bem guardadinha
na palma da mão com carinho,
para que, quando estiver triste,
abra bem devagarinho.
Ao ouvir o seu som
você sentirá seu ninho
e jamais se sentirá sozinho.” (p.17)
Confetes, é uma obra singular, que emana alegria e é tecida pelos tons mágicos que ecoam de uma festa, tal qual, o título desse livro tão sabiamente escolhido pelo seu autor. Aprender desde cedo, a se munir de elementos que afastem os males da alma, como a tristeza, a solidão e a melancolia é uma dádiva, e o nosso autor remete seguramente aos elementos chaves que contribuem para a construção dos sentimentos que o Ser deve cultivar ao longo da vida. Nesse mundo líquido, decorrentes dos males e reclusões ocasionados pelos usos excessivos e dominadores das tecnologias, temos nos iludido constantemente com uma proximidade fantasmagórica, que na realidade só nos distancia dos contatos humanos. Esse pequeno livro mostra sua importância, pela finalidade de mostrar os verdadeiros valores que devem ser por nós cultivados. O autor consegue reunir elementos que assinalam a relevância de construir instrumentos que favoreçam as crianças a amar mais a vida, bem como a lidar com as tristezas da alma, como a solidão e as dores que por vezes nos sãos inevitáveis. Ítalo se esforça em possibilitar aos pequenos o conhecimento de mecanismos que contribuem para que se tornem adultos mais resilientes. Esse é um livro para crianças, mas que certamente, irá conquistar os adultos.
Edson Arantes Junior é Professor Universidade Estadual de Goiás-Câmpus Uruaçu. Doutor em História pela Universidade Federal de Goiás. Atualmente é diretor do Câmpus Uruaçu da UEG (gestão 2018-2021)
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Maravilha, Ítalo! Tudo que é feito com festa e carinho, como este livro, resulta nesse sucesso todo. Sinto-me feliz por você, pelo livro e por nós. Parabéns muitas vezes!