O direito a ligadura de trompas ou vasectomia
EU faço questão de iniciar este artigo referindo um caso social e médico real que assisti e a que assisti. Trata-se de uma senhora ainda jovem, 42 anos, casada e feliz com o marido e casamento, mãe de três filhos saudáveis e que decidiu não ter mais filhos. Decisão lúcida, consciente, racional compartilhada com o cônjuge. Muito mais que a opção de se tornar infértil, via laqueadura ou retirada de útero. E aqui entra mais um agravante: a extirpação uterina, por absoluta indicação e recomendação médica, por hemorragias menstruais de 20 dias seguidos, com necessidade de transfusão de solução ferruginosa, por anemia carencial de ferro (anemia ferropriva por perda sanguínea. Portanto, não se trata de cirurgia estética, mas de estrita indicação médica. Trata-se de uma burocracia e insensatez do SUS e de médicos que negam, a um atendimento como esse aqui descrito.
E aproveito para um esclarecimento. O método anticoncepcional por laqueadura de trompas ou retirada de útero, em nada afeta a fertilidade e higidez ginecológica da mulher, não altera nenhum hormônio ou sequer interfere em sua libido. Trompas uterinas e útero são órgãos não endócrinos, sem função hormonal, constituídos apenas de músculo liso e ligamentos. São propensos a câncer (de útero, colo uterino e trompas) e exigência de prevenção continuada, porque as neoplasias desses órgãos são frequentes e graves, um dos principais tipos de câncer e causas de morte na mulher. Então, se não vai ter mais filhos e ainda mais recomendável, se esse órgão, o útero adoece como nas hemorragias, fluxos menstruais prolongados, para que mantê-lo. Afinal ele já cumpriu a nobre missão da gestação.
Trazendo tais questões médicas e de saúde para o âmbito dos direitos humanos, das liberdades coletivas e individuais. Beira a insensatez de nossa legislação, no trato do direito da mulher e do casal, em estabelecer: primeiro, se quer ter filhos. Porque aqui existem outros entraves e considerações. Existem o lado moral e tradicional, a cultura familiar de que a mulher, toda mulher está destinada a ter filhos, notadamente quando ela se casa. Casou, terá que gerar filhos.
Somada a essa cultura de mulher e geratriz de filhos, há ainda a influência religiosa; a retrógrada recomendação, por um postulado bíblico, mal interpretado, porque estamos em outro milênio, do “crescei e prosperai”. Esse cânone teve sentido, nos primórdios da humanidade. Hoje, somos bilhões de habitantes, com milhões famintos, desassistidos e em situações de vulnerabilidade.
Em se falando de Brasil, felizmente há boas notícias, é que o governo federal, através do SUS, está flexibilizando o acesso da mulher, do casal que desejar, ao controle da natalidade e planejamento familiar. São práticas de políticas públicas que o País, nunca teve ou se houve, foram sempre burocráticas, tímidas e desestimulantes pelas condições impostas à mulher. Ao que sugerem as novas decisões do SUS, a mulher, independentemente do cônjuge, de mais rigores de indicação, pode optar por fazer a laqueadura e o homem a vasectomia. Ambos ou individualmente, a mulher ou homem finalmente pode exercer esse direito e liberdade de escolha. De não ter filhos, ou o mínimo de filhos por vontade e escolha pessoal.
UFA! Antes tarde do que nunca. Libertas quae sera tamem (dístico da bandeira do Estado de MG); liberdade ainda que tardia. Segundo o registro, esta frase foi pronunciada por um escravo quando ganhou a alforria. Liberdade e direitos individuais, ainda que tímidos ou tardios.
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