CULTURA & EDUCAÇÃO

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‘A Alma do Vinho’ – Charles Baudelaire

A alma do vinho assim cantava nas garrafas:

“Homem, ó deserdado amigo, eu te compus,

Nesta prisão de vidro e lacre em que me abafas,

Um cântico em que há só fraternidade e luz!

Bem sei quanto custou, na colina incendida,

De causticante sol, de suor e de labor,

Para fazer minha alma e engendrar minha vida;

Mas eu não hei de ser ingrato e corruptor,

Porque eu sinto um prazer imenso quando baixo

À goela do homem que já trabalhou demais,

E seu peito abrasante é doce tumba que acho

Mais propícia ao prazer que as adegas glaciais.

Não ouves retirar a domingueira toada

E esperanças chalrar em meu seio, febris?

Cotovelos na mesa a manga arregaçada;

Tu me hás de bendizer e tu serás feliz:

Hei de acender-te o olhar da esposa embevecida;

A teu filho farei voltar a força e a cor

E serei para tão tenro atleta da vida

Como o óleo e os tendões enrija ao lutador.

Sobre ti tombarei, vegetal ambrosia,

Grão precioso que lança o eterno Semeador,

Para que enfim do nosso amor nasça a poesia

Que até Deus subirá como uma rara flor!”

 

Charles Baudelaire, em Flores das flores do mal de Baudelaire [Tradução e notas de Guilherme de Almeida; ilustrações de Henri Matisse; apresentação de Manuel Bandeira; posfácio de Marcelo Tápia]. Edição bilíngue. São Paulo: Editora 34, 2010. www.revistaprosaversoearte.com – Seleção e organização: Elfi Kürten Fenske, em colaboração com José Alexandre da Silva

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