Especialistas apontam que o machismo agrava o sofrimento psíquico masculino e contribui para a reprodução de comportamentos violentos.

Quase 30% dos homens atendidos na atenção primária apresentam algum grau de adoecimento mental, e em vez de buscar apoio psicológico, muitos recorrem ao álcool, às drogas ou até à violência como formas de lidar com conflitos – Fotos, inclusive da home: Comunicação

Psicóloga Luanna Debs alerta: desde cedo, meninos aprendem que tristeza, medo ou insegurança não são comportamentos aceitáveis para homens
A saúde mental masculina tem ganhado cada vez mais atenção no Brasil diante de números preocupantes de sofrimento psíquico e violência. Estudos indicam que quase 30% dos homens atendidos na atenção primária apresentam algum grau de adoecimento mental, mas, em vez de buscar apoio psicológico, muitos recorrem ao álcool, às drogas ou até à violência como formas de lidar com conflitos. Especialistas apontam que esse cenário está diretamente ligado ao machismo e às normas rígidas de masculinidade, que ensinam desde cedo que expressar fragilidade é sinal de fraqueza.
A psicóloga Luanna Debs, especialista em Relacionamentos Abusivos e Trauma, explica que o machismo funciona como um duplo obstáculo: além de legitimar comportamentos agressivos, dificulta que homens reconheçam suas vulnerabilidades e busquem ajuda adequada.
De acordo com a profissional, a socialização dos homens ainda se baseia em normas rígidas de masculinidade, em que agressividade e violência são legitimadas como parte da identidade. “O machismo ensina que a violência é uma forma legítima de resolver conflitos e que a agressividade faz parte do que é ser homem. Isso torna os homens mais propensos tanto a se tornarem vítimas quanto autores de violência, quando falamos em violência urbana, por exemplo e vitimiza mulheres que convivem e se relacionam com estes homens”.
Essa lógica também repercute diretamente na saúde mental. A repressão dos afetos, a vergonha de demonstrar fragilidade e a autocrítica constante são fatores que contribuem para o isolamento e o uso de substâncias como forma de anestesia emocional. “Buscar ajuda psicológica é muitas vezes interpretado como fraqueza ou fracasso. Por isso, o álcool e as drogas acabam sendo socialmente mais aceitos como estratégia de alívio, mesmo que tragam consequências graves”, acrescenta.
A barreira da fragilidade
O tabu em torno da vulnerabilidade masculina aparece como um dos principais obstáculos na busca por apoio psicológico. Desde cedo, meninos aprendem que tristeza, medo ou insegurança não são comportamentos “aceitáveis” para homens. “Muitos silenciam o sofrimento e tentam lidar sozinhos ou com recursos que reafirmem sua masculinidade, como a violência ou o consumo de álcool”, explica Luanna, especialista em relacionamentos abusivos.
Esse padrão gera efeito preocupante: quando mais necessitam de suporte, os homens tendem a se afastar dos serviços de saúde mental. Isso atrasa o diagnóstico de quadros graves e reduz as chances de prevenção.
A ligação entre sofrimento psíquico e violência é direta. De acordo com a psicóloga, a cultura machista ensina que o homem deve ser forte e controlador, e que emoções como tristeza ou medo devem ser reprimidas. Nesse contexto, a raiva e a agressividade tornam-se emoções legitimadas. “Quadros de depressão, ansiedade ou traumas não tratados podem se manifestar em explosões de violência contra si mesmos, em tentativas de suicídio, ou contra outras pessoas, especialmente mulheres em relações íntimas, ainda que a causa da violência não seja nenhum diagnóstico de saúde mental e sim o machismo, que causa o adoecimento e autoriza o uso dela para resolver os conflitos”.
Segundo dados do Ministério da Saúde (MS), quase 80% das mais de 107 mil mortes por suicídio registradas no Brasil entre 2015 e 2022 foram de homens, o que reforça a dimensão do problema.
Violência como solução ensinada
Outro ponto abordado pela médica é a forma como a violência é apresentada, desde cedo, como maneira legítima de resolver conflitos. Isso se manifesta em diferentes contextos, desde brigas e assaltos até casos de violência doméstica e feminicídio.
“Quando um homem não consegue o que deseja de sua parceira, por exemplo, pode recorrer a manipulações ou à escalada da violência até chegar à agressão física, ou sexual, chegando até ao feminicídio. Esse padrão é fruto direto de uma cultura que legitima a violência como prova de masculinidade”.
As consequências atingem tanto os indivíduos quanto a sociedade: maior risco de adoecimento psíquico, abuso de álcool e drogas, encarceramento, feminicídios e sobrecarga dos sistemas de saúde e justiça.
Caminhos para mudança
Para reduzir o sofrimento psíquico masculino e os índices de violência, a psicóloga defende a transformação cultural e mudanças nos serviços de saúde. É necessário, segundo ela, criar espaços de diálogo que desconstruam o machismo e ampliem o repertório emocional e de solução de problemas dos homens, permitindo que possam expressar sentimentos, buscar apoio sem estigma e resolver frustrações e conflitos de maneiras diferentes.
“Precisamos de campanhas educativas, espaços de conversa em escolas e comunidades, e políticas públicas que ampliem o acesso a psicoterapia e grupos de apoio específicos para homens. O acolhimento sem julgamento é essencial para que eles não recorram ao álcool, às drogas ou à violência como saída para o sofrimento”, conclui Luanna Debs.
(Informações, sob adaptações: Comunicação)