CULTURA & EDUCAÇÃO

DIVERSOS

‘Poemas da Amiga’ – Mário de Andrade

A tarde se deitava nos meus olhos

E a fuga da hora me entregava abril,

Um sabor familiar de até-logo criava

Um ar, e, não sei porque, te percebi.

 

Voltei-me em flor. Mas era apenas tua lembrança.

Estavas longe doce amiga e só vi no perfil da cidade

O arcanjo forte do arranha-céu cor de rosa,

Mexendo asas azuis dentro da tarde.

 

Quando eu morrer quero ficar,

Não contem aos meus amigos,

Sepultado em minha cidade,

Saudade.

 

Meus pés enterrem na rua Aurora,

No Paissandu deixem meu sexo,

Na Lopes Chaves a cabeça

Esqueçam.

 

No Pátio do Colégio afundem

O meu coração paulistano:

Um coração vivo e um defunto

Bem juntos.

 

Escondam no Correio o ouvido

Direito, o esquerdo nos Telégrafos,

Quero saber da vida alheia

Sereia.

 

O nariz guardem nos rosais,

A língua no alto do Ipiranga

Para cantar a liberdade.

Saudade…

 

Os olhos lá no Jaraguá

Assistirão ao que há de vir,

O joelho na Universidade,

Saudade…

 

As mãos atirem por aí,

Que desvivam como viveram,

As tripas atirem pro Diabo,

Que o espírito será de Deus.

Adeus.

 

Mário de Andrade (09/10/1893-25/02/1945) nasceu e faleceu em São Paulo-SP. Escritor modernista, crítico literário, musicólogo, folclorista e ativista cultural, detinha estilo literário inovador, marcando a primeira fase modernista no Brasil, em especial devido a valorização da identidade e da cultura tupiniquim

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

error: Conteúdo Protegido!!