65 anos de Brasília: compositor goiano Fred Le Blue cria obra musical inspirada no mineiro Clube da Esquina para a cidade sem esquinas.

Brasília em destaque: autor comenta projeto autobiográfico Clube do Horizonte – Fotos: Comunicação

Autor/compositor goiano Fred Le Blue desenvolve trama de registro geoafetivo em seu processo migratório de adaptação cultural na capital federal
Em meio as comemorações dos 65 anos da capital federal, o compositor Fred Le Blue anuncia que iniciará a pré-produção da trilogia Clube do Horizonte: Clube da Esquina 2.0 vai a cidade sem esquinas. Trata-se de um grande projeto cênico-musical de arte integrada no formato de livro musicado ou performance cênico musical sobre o legado do movimento musical mineiro Clube da Esquina, a partir do contexto da pós-modernidade em Brasília. Seu objetivo principal é aprimorar tecnologia de paz urbana a partir de uma epistemologia local de horizontalidade intersocial, étnico-racial, religiosa, regional, nacional, corporal, etária e sexual. Se propõe, destarte, a conceber uma coordenada estética e cultural crítica em relação ao enfraquecimento da esfera pública e das relações sociais presenciais na atual sociedade pós-moderna. Outro ponto nodal do mesmo é uma intervenção “artetetural” no urbanismo modernista “sem esquinas” de Brasília, visando torná-lo mais gregário por meio de uma ferramenta psicogeográfica de orientação espacial.
Vazante comportamental da redemocratização do país, catapultado pelo cenário rockeiro brasileiro dos anos 1980 e 1990, muito influenciado pelo trabalho dos mineiros Lô Borges e Beto Guedes, o espírito comunitário de Brasília, apesar do aumento do número de Feiras livres, gastronômicas e culturais, não é percebido pelo visitante, que costuma ter uma primeira impressão de estranhamento defensivo em relação ao cartesianismo matemático da cidade. Nesse sentido, Clube do Horizonte funciona como estratégia tácita e subliminar de educação urbana, patrimonial e também musical indicando sugestões de uso da cidade por meio do olhar de um “artista etnográfico” e “turista aprendiz”. Esta proposta visa, assim, também fortalecer o poder da linguagem literária e musical em acessar o inconsciente e memória individual-coletivo, no caso, o do cancioneiro mineiro na MPB – mas também do roc brasiliense no Rock Nacional –, para criar ferramentas de uso simbólico de eventos (anos 70/80) e lugares (Minas/Goiás/Pantanal/Rio) histórico-mitológicos diferentes. No que tente preencher lacunas psicossociais e sócio-urbanísticas geradas pela temporalidade líquido-moderna e espacialidade modernista. E também autenticar o movimento cultural mineiro no cenário musical brasileiro e internacional, ainda hoje catalisador de inúmeros artistas, mas ainda demandante de maior projeção musibiográfica no contexto geopolítico e regional brasileiro da história da MPB.
A partir do ponto de vista da sua experiência sensorial e cognitiva com Clube em 2005 na cidade sem esquinas, o autor/compositor goiano desenvolve trama de registro geoafetivo em seu processo migratório de adaptação cultural na capital federal, das suas memórias autobiográficas em dialogia artística-ficcional com a vida e obra dos integrantes do Clube da Esquina – muito conhecido por sua mensagem de agregação e redes de amizade cristalizadas através de inúmeras parcerias musicais célebres.
O ponto de vista da sua experiência sensorial e cognitiva com esse imaginário musical e biográfico mineiro em 2005 na cidade de Brasília permite criar estórias e canções entre ficção e realidade, passado e presente, tempo e espaço, memória individual e coletiva para se sentir do mundo e de Minas Gerais, mesmo estando em Brasília. Criado a partir de zonas de produções culturais autônomas e espontâneas, inicialmente, na ortogonal capital planejada de Minas Gerais, Belo Horizonte, o Clube da Esquina, por seu caráter composicional e social sincrético (fussion brasileiro) e rizomático (rede de parcerias), tem em sua órbita milhares de entusiastas famosos e anônimos, artistas e cidadãos comuns, que fazem, em graus variados, da sua mundividência ética, poética e estética musical um portal de compreensão política-combativa e humanista-holística da vida em sociedade e no planeta.
Clube do Horizonte é assim uma releitura que amplia as fronteiras inter-regionais e multiculturais do Clube da Esquina, na mesma medida, em que cria esquinas imaginárias, no que permite reinventar ou acessar uma Brasília íntima, próxima do imaginário dos seus urbanistas, construtores e poetas.
Entrevista com Fred Le Blue – Como surgiu o projeto? Quando foi escrita esta obra?
O roteiro do musical Clube do Horizonte é um subproduto da minha dissertação etnográfica de mestrado na UniRio [Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro] sobre a memória e identidade urbana do modernismo no cerrado a partir do estudo do impacto do fenômeno da migração regional goiana no contexto geográfico do Plano Piloto e UnB [Universidade de Brasília]. É uma espécie de diário de campo ficcionalizado, uma biografia surrealista da autopesquisa realizada em Brasília em 2004 e 2005, porque, de fato, comecei a ouvir e compor canções inspiradas no movimento musical mineiro Clube da Esquina em busca de sociabilidade menos funcional, relativamente, ausente no Plano Piloto na época. A eternalização de momentos biográficos e históricos orquestrados pela música funciona como máquina do tempo, e do espaço, permitindo embarcar de volta para os anos [19] 70 em Minas Gerais. O tema da convivialidade urbana acabou se impondo devido às dificuldades pessoais minhas e coletivas de adaptação geométricas e geoafetivas de outros conterrâneos migrantes em Brasília, enquanto estudava violão na Escola de Música de Brasília e antropologia no PPGAS [Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social] da UnB. A minha pesquisa musical e antropológica seguiu seu curso depois no Rio nos anos vindouros, sobretudo quando consegui fazer o mestrado em 2011 a partir daquela pesquisa gerada em Brasília. Quando iniciei doutorado em Planejamento Urbano no IPPUR no ano de 2014 é que percebi com mais propriedade a relação que havia entre minha adesão musical extemporânea e interterritorial ao Clube da Esquina de Belo Horizonte e algumas questões de urbanidades suscitadas pelo traçado urbanístico do Plano Piloto.
E como Clube do Horizonte se relaciona com o movimento de arte e arquitetura que você lidera?
Comecei a escrever a peça nesse ímpeto de registrar minha trajetória pessoal, artística e científica na Asa Norte, mas também para ser uma espécie de plano B para um filme sobre o Clube da Esquina que acabou ficando inacabado até hoje por questões autorais. A ideia ideal do Clube do Horizonte será justamente filmar a peça, para que a obra seja vista pelo maior número de entusiastas da música e arquitetura brasileira em todas as mídias físicas e digitais. Mas, por enquanto, iremos lançar o livro musicado que terá um apelo turístico muito forte por criar um mapa íntimo dos locais de Brasília referidos nas canções, capaz de sugerir um roteiro percussivo de visitação. O mesmo poderá complementar alguns temas sexuais e raciais que apareceram na antropologia urbana sobre o Plano Piloto, mas que não forma bem explorados por mim mesmo com o lançamento da versão ampliada da tese com livro Tradição da Modernidade: memórias regionais no urbanismo de Brasília [Editora Brasílha Teimosa, 2019]. O ARTetetura e HUMANismo surgiu oficialmente em 2019, já em minha vivência de cinco anos em São Paulo. Após ter estudado a questão do estigma social projetado em lugares ocupados por populações pobres, negras e, por vezes, nordestinas, como favelas e conjuntos habitacionais no Rio, comecei a desenvolver estratégicas arte-educativas ou educomunicativas para criar pertencimento local e inclusão simbólica. A proposta era minorar conflitos sociais, raciais e regionais por meio de narrativas sobre territórios. Na verdade, a lógica era a mesma da peça Clube que tentava justamente extrair musicalidade do quadrado cartesiano dos prédios, ruas e mapa de Brasília, mostrando uma capital federal oculta, que só foi revelada a mim por meio de uma escuta ativa da música mineira composta por parcerias geniais.
(Informações, sob adaptações: Comunicação)