STF dos bichos – Suprema coorte dos bichos
E assim com postergações e morosidades se reunia aquele séquito de bichos. Todo o rito era no simples desiderato de decidir os destinos e ataques do reino animal; as denúncias e reclames chegavam à coorte soberana, entidade que decidia a sorte e litígios das espécies. O órgão assim composto tinha o fim de deliberar questões momentosas vindas dos rincões de toda selva. Cada onzeneiro, nome dado a cada membro, tinha sua vez e voz de se falar.
Esses representantes eram: a coruja, a águia, o elefante, o pit bull, o tigre, o leão, o pavão, o jaguar, o papagaio, o lince e o avestruz.
Pousada em seu galho, assento altaneiro em relação aos demais do grupo, abre o colóquio a coruja.
-Proclamo iniciada a presente reunião. Todos quietos e confortados em seus lugares. Dos tantos outros bichos aqui presentes, só terão direito a usar a boca ou bico aqueles autorizados e munidos para tal expediente. Com a palavra, sua clemência, a águia.
-Senhora intendente, eu trago à sua digna consideração a questão do carcará. Ele teve o desplante de invadir o meu ninho, foi bem na minha ausência, e bicar o meu filhote mais velho. Não foi de natureza gravosa porque ele reagiu e sobreviveu. Mas, justiça seja feita contra esse intrometido rapace.
Nisso pediu um aparte o elefante, considerado o mais senescente, mas de cérebro tido e havido como o arcano e recôndito de lucidez.
-Senhora intendente, arguiu o elefante, a águia tem e não tem razão. Basta ver quantas e quantas invasões e arremetidas nossa insigne e audaz colega não faz em outros domicílios animais, nos cardumes de outros mananciais. Sem se preocupar com as perdas e danos deixados para trás!
-Sem muita delonga, continuou a intendente coruja. Com a palavra o calisto camelo. Calisto ou Mefisto era um tratamento protocolar e opcional atribuído aos membros da coorte animal, à semelhança do que se dá em cortes humanas.
-Sra. intendente, a minha questão refere-se ao ataque da surucucu ao ninho das ratazanas. Todos os filhotes foram tragados em poucas contorções digestivas. Requeiro a absoluta e integral absolvição da representante ofídica. Trata-se de questão em tela até de justiça e referência equânime. Imagine se de tantos roedores nas cercanias dos palácios e em outros redutos não se dizimem alguns para o pasto de outras espécies. Ter-se-ia um desequilíbrio de bichos.
-Com a palavra o calisto papagaio.
-Sra. intendente, eu trago a essa roda apenas os meus agradecimentos a alguns humanos. Muitas foram as espécies humanas que exploraram e ainda exploram indivíduos de meu bando, e outros psitacídeos. Mas, grupos de proteção animal têm surgido, salvado a nossa espécie e assemelhados. Nada em aditamento tenho ao ajuntamento de hoje. Nisso quis outro aparte o camelo, no que foi repreendido pela intendente coruja que prosseguiu.
-Com a palavra, sua clemência, o calisto jaguar.
Sra. intendente. Eu trago à vossa análise a ameaça que sofrem outros felinos de nossas reservas. E tudo por causa dos bovinos de muitos proprietários de terras. São tantos os desmatamentos que sumiram as nossas caças. Assim nos restam alguns bovinos, suínos e aqui ou acolá algum caprino. Com as carpidas nênias que se sucedem, muitas de nossas espécies têm riscos de extinção. A vossa intervenção pode ser a nossa salvação.
-Concedo a palavra ao Calisto Lince.
-Sra. intendente, com as devidas escusas, eu reservo-me ser bem lacônico pois estou em tratamento de alguns dentes. Mas acompanho o promitente Jaguar no seu relato.
-Com a voz ou urros o Calisto Leão.
-Sra. intendente. Minha questão é relativa a cesta de ovos de ouro levada por emissário em benefício do cão alfa de nossa Capital, dominante em sua matilha. Não vislumbro intenção daninha nem canina em tal noticioso que se divulgou pelas mídias diversas; eu absolvo integralmente ad infinitum o reclamado desse grupo canibal.
-Calisto tigre, tenha igualmente os seus urros!
-Sra. intendente. Eu sigo a mesma ideia e tirocínio absoluto do remitente leão, ele arrotou todas as razões das quais eu compartilho.
-Por fim, para dar termo a essa reunião passo a palavra ao nosso ladrante, o Mefisto pit bull.
-Sra. intendente, srs. Calistos, bichos autorizados aqui presentes, demais bichos dessa selva, pássaros e outros viventes que nos ouvem, falo aqui em defesa do manual maior que nos rege. Sou a favor da liberdade. Do livre direito de ir e vir. Nada de arapucas, de gaiolas, de peias, de amarras. Qualquer que seja o bicho e a natureza de seus atos. Liberdade a todos, liberdade e fraternidade. Nada de grades, peias e amarras. Nossos protestos a todos os humanos que nos escravizam, que nos aprisionam, que cerceiam a nossa liberdade de ir e vir. E hipocritamente ainda nos chamam de animais de estimação. Liberdade. Libertas quae sera tamen – Já exclamavam um escravo alforriado e os inconfidentes mineiros.
-Declaro finda essa reunião, disse a intendente, e de forma sorridente a presidente da Suprema Coorte dos Bichos, a Mefista coruja.
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