RELIGIÃO

DR. PADRE CRÉSIO RODRIGUES

Renovar ou perecer

[Pe. Crésio Rodrigues/passagem 2022 -2023]

 

A cada final e começo de ano civil a maioria das pessoas são levadas a um duplo e ambivalente sentimento: de gratidão ou arrependimento e de esperança ou medo. Somos seres reflexivos e, sobretudo quem é adulto, imprescindivelmente coloca sobre a mesa seu mapa pessoal, observa aquela estrada que vem percorrendo e que percorrerá, a direção da própria vida.

Nesta ocasião, ajudados pelo clima externo, temos a impressão de estar concluindo um ciclo e iniciando outro… É assim a história humana: ciclos cronológicos que perfazem um processo linear existencial, do nascimento à morte. As escolhas são livres, mas tem suas consequências e vão determinando o rumo onde tudo poderá terminar. Somos atores de nossa novela, escrevemos uma página de nosso livro a cada dia, no palco da vida vamos encenando uma peça que não se repetirá, não obstante o retorno cronológico, a existência segue um curso sem chance de repetição. Momentos celebrativos que quebram a rotina são como pequenas conclusões (término de um capítulo) que ensaiam aquela página final que vamos escrevendo, já que a reencarnação é uma ilusão (Hb. 9,27), é única a passagem pelo palco do mundo.

Como não coaduna com a natureza humana o formato de passividade –, não somos marionetes do Criador, Ele nos deu livre arbítrio –, urge tomarmos consciência de que há uma responsabilidade, sobre nossa realização, posta em nossas mãos. Bem se nota que a beatitude de nossa vida, o estado de completa realização, não é um resultado automático!

Numa leitura teológica da história, há uma chave de compreensão para o problema antropológico e sociológico: a desobediência ao plano divino e busca de felicidade imediata inclinou o coração humano a um fim passageiro e insuficiente para sua realização, os conflitos pessoais e consequente anarquia social parece incontornável. Cada pessoa experimenta o drama de uma divisão em si mesma, a humanidade contaminada pela mentira, e se auto combatendo, está confusa entre os bens e o Bem. Ademais de todo o esforço da psicologia em curar os indivíduos e da política em resolver as agruras (injustiças) da sociedade, a provável solução definitiva é aquela da teologia cristã: Quanto à antiga maneira de viver, vocês foram ensinados a despir-se do velho homem, que se corrompe por desejos enganosos, a serem renovados no modo de pensar e a revestir-se do novo homem, criado para ser semelhante a Deus em justiça e em santidade provenientes da verdade (Ef. 4,22-24).

Almejamos plenitude! Queremos harmonia interior, paz nas inter-relações, felicidade e tudo
que auguramos de bom aos entes queridos numa passagem de ano! Tal bem será real e duradouro
se houver o reencontro do humano com o projeto divino, corrigindo aquela fuga ou descaminho,
sanando a ruptura espiritual e vivencial. Ou seria o homem um fruto do acaso e viajante sem destino? Fosse assim, razão Feuerbach! Entendo que o Criador já cumpriu Sua parte da aliança (Gl. 4,4)
oferecendo a plenitude em seu Filho, o mestre e salvador de quem o acolhe.

Não haverá bem-aventurança, senão desventura, caso o homem teime em dar as costas ao plano divino levando uma vida espúria e devassa. Quando a existência da pessoa se afasta da verdade antropológica – origem, desenvoltura e finalidade –, ela não poderá colher outro resultado senão a frustração. O preço da própria harmonia e da paz na sociedade é a obediência ao projeto original (imagem e semelhança divina) em nossa prática terrena e à profissão de fé que abre a porta eterna. Mesmo os maiores literatos e cientistas não deveriam cultivar o orgulho porque são devedores da Providência. Convém um sábio conselho: Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus (Rm. 12,2).

Nesta passagem de mais um ano, a semelhança de Yanuarius, mito de dupla face, saibamos olhar para trás arrependidos dos erros e gratos pelo bem feito… Saibamos olhar para a frente superando o medo, enchendo-nos daquela Esperança que não engana, porque se alguém está em Cristo, ela é nova criatura (2 Cor. 5,17)..

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