PAINEL CULTURAL

DR. ABILIO WOLNEY AIRES NETO

‘O DIÁRIO DE Abílio Wolney’ [VI – O TERCEIRO MANDATO DE DEPUTADO ESTADUAL

[Em diferentes edições e capítulos, o JORNAL CIDADE publica O DIÁRIO DE Abílio Wolney, livro do articulista Abilio Wolney Aires Neto, lançado pela editora Kelps (Goiânia-GO.), em 2009

 

VI – O TERCEIRO MANDATO DE DEPUTADO ESTADUAL

 

Em 1909, depois da árdua campanha política na capital e no interior do Estado, Abílio Wolney foi reeleito para o terceiro mandato de Deputado na 6ª Legislatura do Estado (1909-1912), conforme consta dos anais do antigo Congresso Legislativo. [74

A sua própria reputação de homem probo e de cultura autodidata – acima do normal nos homens ilustres da sua idade e de sua época – impôs-se ao geral respeito desde moço. Temperamento infenso ao ócio, todo inclinado à disciplina, ao trabalho e agora muito mais à política, praticava, na palavra escrita ou falada, a precisão, a nitidez, às vezes, mordaz na delação, mas dentro dum vernáculo quase perfeito.

De estatura meã, com aproximados 1 metro e 60 centímetros, e constituição delicada, embora saudável e resistente, mormente nos braços [75 e no torso, Abílio Wolney tinha o rosto meio pálido na fronte vertical arredondada ao alto, erguida sobre arcadas orbitárias proeminentes, com sobrancelhas destacadas e escuras. Cabelos castanho-escuro e lisos, repartidos, na frente, da esquerda para a direita, sem topetes, confundidos, nos temporais, com barbas aparadas – só mais tarde, grisalhas – que lhe

desciam até o lóbulo das orelhas e roçavam, na nuca, o colarinho da camisa, da couraça ou do paletó. [76

Olhos castanhos, pequenos e afundados, com olheiras. Nariz adunco e ponta afinada, com narinas largas entre rictos finos, pouco arqueados e austeros. Bigodes cheios, aparados à borda do lábio e desbordando pontiagudo nas extremidades. Barba fechada e aparada no queixo fino que lhe realçava o semblante sério quando lia, discursava ou admoestava, mas cheio de vivacidade amena e sedutora quando palestrava em reuniões.

O que nele mais impressionava era o olhar misterioso, cativante pela brandura das pupilas, autoritário pela penetração a fundo na alma do interlocutor.

Quando atribulado ou refletindo a sós, fitava abstrato para o vago.

E o que mais personalidade lhe dava era a voz, clara e firme, de tonalidade oracional, que podia mesclar agradavelmente desde o conselho até as explosões de eloquência parlamentar. Sua gesticulação era contundente, mas educada. Conversando com correligionários ou amigos, algumas vezes apunha a destra no ombro do ouvinte, num gesto de familiaridade, quase sempre precedido de um forte e sacudido aperto de mãos.

Mantinha venial delicadeza diante das damas. [77

Eis o homem que agora consolidava uma solitária liderança e era o representante do nordeste goiano.

Em 05 de outubro, recebeu a notícia da morte da irmã Josina Wolney, que morreu queimada, depois de ter dormido em altas horas, quando fazia flores, famosas pela beleza próxima ao natural. O candeeiro incendiou-lhe o tule e o vestido.

Na Assembleia Legislativa, em Goiás Velho, logo nas primeiras sessões plenárias, alcançou a posição de líder do Governo e, em seguida, a de Presidente do Poder Legislativo de Goiás.

Uma arrancada triunfal. Era um virtual futuro Presidente do Estado. A imprensa da época dava-lhe a nota, inclusive em Jornais do Rio de Janeiro, antiga capital da República. Inebriado nesse sonho, anelava uma futura realização dessa magnitude.

No Congresso Legislativo, onde, desde 1901 Abílio Wolney deputava entre os parlamentares da base de apoio ao Governo Xavier de Almeida e ao seu sucessor Miguel da Rocha Lima (1905-1909), uma nova legislação tributária estava em votação.

Como tal, Abílio e os congressistas aprovam todos os projetos de lei dos Governos entre 1901 e final de 1908, visando a moralizar a arrecadação fiscal em Goiás.

 

“As grandes fronteiras do Estado, a falta de vias férreas ou de uma navegação fluvial regularmente organizada e a antiga prática de condescendência, a que se habituaram exatores e contribuintes, constituíam sérias dificuldades para o governo”. [78

 

Os interesses particulares de Abílio e seu pai, donos de terras e muito gado no nordeste goiano, pareciam não sobrepor-se ao interesse público. Diriam outros que seria em razão das terras do norte quase nada valerem, pois vinham do regime de concessões, sesmarias do período colonial, cujas áreas virgens, esquecidas ou abandonadas, terminavam entregues gratuitamente a homens ligados à região, que poderiam cultivá-las e gerar alguma riqueza para o Estado. Os Wolney, dos pioneiros no norte, eram a maior produção pecuária, cujo gado também tinha pouco valor pela distância de uma região sem estradas que ligassem São José do Duro ao eixo de exportação ou mesmo à capital. O comércio da região era feito com Barreiras (BA), onde o gado saía no câmbio com gêneros alimentícios e tecidos, e onde era fatalmente tributado na fronteira com o outro Estado.

Os Caiado, contudo, donos das terras da capital e redondezas, inclusive do sul do Estado, desde meados do pretérito governo de Xavier de Almeida, vinham contrariados com a política de combate à sonegação fiscal, que aumentava o imposto de exportação do gado, desagradando também grupos aliados, que se fizeram situação com eles no jogo dos interesses políticos.

Assim, desde 1908, o grupo caiadista se articulava em razão de o governo Rocha Lima, prosseguir na política fiscal de vigilância na arrecadação…

A mais disso, agigantava-se o poder de Xavier de Almeida, candidato ao Senado Federal nas eleições de 1909 e já lançando o seu cunhado Hermenegildo de Moraes como candidato à presidência do Estado, para o mesmo ano, na sucessão do Cel. Miguel da Rocha Lima.

A indicação de Hermenegildo para o mandato presidencial de 1909-1912 contrariou sobremaneira os interesses de Totó Caiado, preterido na indicação de candidato do seu grupo familiar.

Surgem as mais graves dissidências nas fileiras xavieristas. Os Caiado, outrora oposição, depois aliados, em seguida contrariados com a bendita política fiscal e agora com a tentativa de protração do poder de Xavier de Almeida, rompem com a situação.

Do Rio de Janeiro, Leopoldo de Bulhões acompanha as últimas de Goiás e contata Abílio Wolney. Quer o seu apoio, a velha consideração de amigo. Compreendia que Abílio tivesse se mantido ao lado de Xavier de Almeida, pois foi Bulhões quem o havia eleito e deu no que deu. Abílio precisava sobreviver politicamente no seu Estado, de onde os Bulhões pareciam definitivamente afastados.

Leopoldo está novamente candidato a Senador para o pleito de 1909, e a Cidade de Goiás tem apreço pela tradição do filho da terra que retorna ao berço, num belo aprumo. Totó Caiado e seus perfilhados querem unir-se a Leopoldo de Bulhões para vencerem os xavieristas.

Não que um homem intelectual e de projeção, como Leopoldo de Bulhões compactuasse com os inimigos da racionalização e moralização da cobrança de impostos sonegados pelas elites no seu Estado, mas por necessidade de coalizão de forças na oposição.

E Leopoldo, que tinha motivos de sobra para não se aliar aos Caiado, aceitava a adesão do grupo, mas para derrubar Xavier de Almeida, que o traiu e quase o aniquilou politicamente em Goiás.

Reeleito em 1909, o Dep. Abílio Wolney está Presidente e líder do Governo Miguel da Rocha Lima no Congresso Estadual, mas não pensa duas vezes em apoiar o inigualável e veterano amigo Leopoldo de Bulhões. Embora contando com amigos e aliados como o agora Des. João Alves de Castro e o Marechal Braz Abrantes, também xavieristas, mas ligados a Totó Caiado por laços de casamento na família, era por este último antipatizado, fosse porque não pertencia ao clã, fosse pelo golpe sofrido em 1900 ou muito mais por sustentar, no Congresso Estadual, desde 1901, a política fiscal, empreendida por Xavier e seu sucessor.

Assim, Leopoldo de Bulhões e seu novo grupo fundam, em princípio de 1909, o Partido Democrata, por cuja legenda se lança candidato ao Senado Federal. Xavier de Almeida também é candidato ao Senado e a disputa entre ambos movimenta a Cidade de Goiás. Com Bulhões vêm os candidatos de partido, que pleiteavam uma cadeira de

Deputado Federal, fortalecendo-lhe, ainda mais, a candidatura. Na campanha, a oposição consegue a adesão dos mais poderosos aliados de Xavier de Almeida. Para o Executivo Estadual, os democratas lançam Urbano Coelho de Gouvêa contra Hermenegildo de Moraes, candidato de Xavier de Almeida.

O Dep. Abílio Wolney está com Bulhões…

Acontecem as eleições proporcionais de âmbito federal em 30 de janeiro de 1909 e Leopoldo de Bulhões é eleito Senador da República, derrotando Xavier de Almeida por mais de 1.000 votos.

A esta segue-se o pleito majoritário de 2 de março do mesmo ano, com acirrada disputa. Terminada a votação, inicia-se a apuração dos votos. Todavia, os situacionistas interrompem a apuração antes de completada e declaram eleitos os seus candidatos, diplomando-os.

Narra, de punho, Abílio Wolney:

Trava-se a luta a 30 de janeiro de 1909 e o Partido Democrata triunfa galhardamente por mais de 1.000 votos. […]

[…]Para Presidente e Vice-Presidente do Estado o Partido Democrata (assim chamado o Partido chefiado por Jayme e Bulhões) tem novo triunfo.

Reúne-se a junta apuradora das eleições federais, o governo tem maioria nela, e sem apurar os resultados de muitos colégios que nos davam ganho de causa, suspende seus trabalhos, expedindo diplomas ao Drs. Hermenegildo de Morais, Alves de Castro, Eduardo Sócrates e Ramos Caiado para Deputados e Xavier d’Almeida para Senador. [93

 

Enfim, embora vitoriosos, os democratas são surpreendidos com a manobra do grupo de Xavier de Almeida, que anuncia Hermenegildo de Morais novo presidente eleito de Goiás, contra todas as expectativas.

A oposição é firme no protesto, denuncia a fraude e, ao lado da apuração “oficial”, Leopoldo de Bulhões faz a sua, computando os votos dos demais colégios eleitorais do Estado, sonegados na Junta da Capital.

Surge, daí, dupla junta apuradora e, consequentemente, dois resultados para composição da representação federal e da presidência de Goiás.

O presidente do Estado, xavierista, impõe a “ordem” e vai legimitar o escândalo com a máquina governamental e a força pública.

Leopoldo de Bulhões denuncia, impugna a apuração dos governistas, demonstra que a apuração total dava vitória a seus candidatos e vai às últimas instâncias, onde tenta o reconhecimento dos seus candidatos junto ao Congresso Nacional no Rio de Janeiro. O impasse gera grave crise política em Goiás. Os situacionistas vão à imprensa rebatendo a delação da oposição e lançam o alarma de que os bulhonistas promoveram a duplicação dos Poderes Executivo e Legislativo, ao terem anunciado o resultado da apuração que fizeram ao lado da “oficial”.

Em edição do jornal O Estado de Goyas, Abílio Wolney é duro na delação do esquema criminoso do grupo dos xavieristas e instiga o povo a um levante de reação, pois as urnas haviam dado voto de sobra para a eleição do candidato Urbano Coelho de Gouvea.

A instabilidade política foi a consequência natural levada pelo duplo resultado dos poderes eleitos, e o rompimento da ordem foi a consequência de toda a movimentação desenvolvida. [79

Leopoldo de Bulhões quer a aplicação da lei e pede a Intervenção Federal no Estado.

A crise ficou conhecida como o “Caso Goyaz”, que é apreciado no Congresso Nacional e o governo de Rodrigues Alves recusa-se a intervir no Estado, graças ao prestígio que Xavier de Almeida também tinha por lá. A recusa do Presidente da República faz com que Leopoldo de Bulhões peça exoneração do Ministério da Fazenda.

Eclode, daí, a chamada Revolução de 1909 – de enorme importância e significado para a política de Goiás, não pelos acontecimentos em si, mas pelas composições e articulações nela estabelecidas, bem como pelo despontar de lideranças que vão marcar os próximos decênios. [80

O grupo democrata, liderado por Leopoldo de Bulhões, resolve, então, tomar o poder pela força, deflagrando um movimento sedicioso, pois segundo o Dep. Abílio Wolney:

 

Diante desse procedimento incorreto da junta governista, a oposição vê que o fato vai reproduzir-se na Verificação de Poderes [81 do Estado e prepara-se para sustentar seus eleitos pelo direito da força, uma vez que não vale a força do direito.

Rocha Lima, homem fraco diante das derrotas sofridas, passa o expediente ao Coronel Chico Bertoldo, 2º Vice-Presidente.

O Partido Democrata reúne gente e começa a cercar a cidade, a polícia começa a desertar e unir-se aos sitiantes, até que a 27 de abril, Bertoldo, vendo a causa perdida, passa o Governo ao Secretário do Senado, Senador Joaquim Rufino Ramos Jubé, correligionário do Partido Democrata, até a chegada do 3° Vice-Presidente, a 1° de maio.

Nesse dia, o Cel. José da Silva Batista, nosso chefe e amigo, assume o Governo e entram as forças libertadoras na cidade, constando de 800 homens a cavalo, seguramente.

Rocha Lima e Bertoldo renunciaram respectivamente aos seus lugares.

A 13 de maio instala-se o Congresso Estadual, a 14 é eleita sua Mesa e Comissões e a 15 toma-se conhecimento das renúncias. A 19 de maio é reconhecido Senador o Dr.

Bulhões. A 24, são reconhecidos Deputados os Drs. Ramos Caiado e Marcelo Silva, democratas, Hermenegildo de Morais e Eduardo Sócrates, republicanos.

Foi depurado o Desembargador João Alves de Castro, o candidato mais votado. Apesar de ser ele de outro Partido, sinto a injustiça que sofreu, ocupando-lhe o lugar o Dr. Hermenegildo. [82

 

Os rebeldes organizam tropas com mais de 800 homens, havendo quem diga terem sido mais de 1.400, agrupados em duas legiões: a dos políticos do norte (600 homens) e a dos políticos do sul (800 homens).

A Força Pública Estadual contava com apenas 276 homens. [83

A fazenda Quinta, nos arredores da capital, foi escolhida para ponto de concentração das forças.

Sabedor do levante, o Presidente Miguel da Rocha Lima entregou o governo do Estado ao primeiro Vice-Presidente, que dias depois, repassou-o ao presidente do Senado Estadual, Cel. Joaquim Rufino Ramos Jubé.

O Dep. Abílio Wolney vai na retranca do movimento com os homens do norte.

A legião do sul vinha com a retaguarda do Cel. Eugênio Jardim, escolhido pela experiência tática de militar da reserva, e era cunhado de Totó Caiado, mas até então desconhecido no meio político. Com esse grupo estavam os guiados por Totó Caiado, João Alves de Castro, o Marechal Braz Abrantes e outros aparentados e aliados de ocasião.

Os revolucionários, cognominados ‘Legião Rubra’, traziam um lenço vermelho no pescoço.

Na vanguarda se alinhavam as tropas armadas.

E todos marcham sobre a capital, numa entrada triunfal no dia 1º de maio de 1909, sem qualquer reação da Força Pública, intimidada com a superioridade do Movimento.

Estava derrubado o governo dos xavieristas, para gáudio de Leopoldo de Bulhões.

A Presidência do Estado é assumida pelo Cel. José Baptista da Silva [84, terceiro Vice-Presidente, influente político da cidade de Anápolis e um dos componentes da Legião do Sul. As demissões e exonerações que se seguiram marcam e registram as mudanças na ordem política.

E a 24 de julho de 1909, toma posse na Presidência do Estado o Major Urbano Coelho de Gouvêa [85, militar de carreira e cunhado do Senador reeleito Leopoldo de Bulhões, reconhecido por um Congresso Estadual sob a presidência do Dep. Abílio Wolney, que faz um belo discurso na recepção do novo Chefe de Estado.

Foi a primeira e única tomada do poder pela força por um grupo político estadual em todo o período republicano.

E assim o grupo bulhonista retomava o poder tradicional na capital de Goiás e brilhava, por sua estrela maior, no Congresso Nacional e na pasta mais importante da presidência da República. Com efeito, no âmbito federal, o Senador José Leopoldo de Bulhões, que, em 1906, havia sido Ministro da Fazenda no governo de Rodrigues Alves, volta a ocupar o cargo de Ministro da Fazenda no governo do Presidente Nilo Peçanha (1909), de quem era amigo pessoal.

O Dep. Abílio Wolney, forte como nunca, quer o Governo de Goiás na próxima eleição, pois o seu terceiro mandato de Deputado, Presidente do Congresso e, agora, líder do Governo bulhonista de Urbano de Gouvêa, vai até 1912 e, com ele, o Congresso Estadual segue aboletado em nova carruagem.

No senado estadual está o seu tio materno, Custódio José Leal Filho (Custodinho), de Conceição do Norte, eleito juntamente com Abílio naquela arrancada triunfal de 1909. O norte quer chegar lá com mais um filho do sertão.

Serão 04 anos de glória e triunfo, não obstante os reveses que se seguem no seio da oligarquia gestante.

Com efeito, já em dezembro de 1909, surgem indícios de ruptura da coalizão vitoriosa em 1º de maio. Não era para menos. O Partido Democrata, liderado por Bulhões, formou-se, como vimos, a partir da aliança de grupos antagônicos, que haviam se unido para derrubar Xavier de Almeida. Bulhões queria retomar a hegemonia da tradição familiar.

Os Caiado, incomodados com a política fiscal e desejando o Executivo da capital se unem aos democratas por conveniência. Abílio Wolney era amigo de Leopoldo de Bulhões e, de outro lado, contava com o seu apoio para futura empresa política. Enfim, uma aliança por interesses, sem afeições pessoais, agravado com o fato de seus integrantes terem se digladiado num passado próximo.

Outra vez Goiás estava a caminho de uma nova composição nos quadros políticos.

Avultavam-se as pretensões de poder futuro, e a heterogeneidade do grupo democrata faz com que o Deputado Abílio Wolney seja o primeiro alvo das dissidências que se encaminham para nova oposição a Leopoldo de Bulhões, pois estava visto que Leopoldo não apoiaria Totó Caiado e familiadagem, por tudo o que acontecera anteontem.

Depois do Movimento de 1909, o Cel. Eugênio Jardim havia sido nomeado pelo Governo Urbano de Gouvêa para o cargo de Chefatura da Polícia do Estado – hoje Secretário de Segurança Pública, pela razão de estar com os democratas revolucionários.

Cunhado de Totó, Eugênio passa a ser cogitado pela família para futuro Presidente do Estado ou Senador da República, ameaçando Leopoldo de Bulhões, que almejava o terceiro mandato no Senado e queria o Dep. Abílio Wolney no Executivo Estadual.

O Dep. Abílio Wolney, que havia deixado o Partido Republicano Federal de Goiás para assumir a legenda Democrata de Bulhões, havia estruturado em sua terra, São José do Duro, o referido Partido Democrata, contrariando os Almeida e o primo Sebastião de Brito, inexpressivos, mas que servirão muito aos regentes da nova situação.

O mesmo Abílio, que, desde 1901, votava pela política fiscal e que num período do mandato de 1909-1912 estava na presidência do Congresso, propugnava pela reforma agrária no Estado, trazendo o apoio dos demais Deputados e Senadores Estaduais, o que faz surtir desentendimentos recalcados entre os democratas-caiadistas.

Num depoimento em livro, narra Zoroastro Artiaga que

 

Caiado quis, então, pelo fato de Abílio ser muito amigo de Emílio e Jayme, afastá-lo da Presidência da Câmara dos Deputados, por um golpe de Deputados, por um golpe de astúcia. Wolney reagiu, energicamente; do que, resultou Eugênio Jardim passar a prestigiar os adversários dos Wolneys, em São José do Duro […]. [86

 

E por aí segue o vórtice do redemoinho, no “trabalho” de varrer as áreas para a oligarquia vindoura, que se fará notória pelo caráter autoritário e truculento daquele que em breve será o seu protagonista e que fará por merecer de setores da imprensa a alcunha de ‘Totó Brabeza’. [87

Diz mais Zoroastro Artiaga:

 

Conheci o Deputado Abílio Wolney em 1909, de lenço vermelho no pescoço, dirigindo uma coluna revolucionária, que veio do Norte acudir ao apelo da revolução de Eugênio Jardim. Esse piquete ligou-se a dois outros, que entraram sob o comando de chefes de Corumbá. Vi-os a cavalo, formando uma força, armada com rifles, tomando o caminho da Quinta [88, que tinha sido escolhida para Q.G. da revolução. Acabada a refrega, Eugênio Jardim se fez forte e reivindicou, para si, o poder; instalando-se no comando-geral como chefe supremo da política de Goiás, prestigiado pelo Marechal Hermes da Fonseca.

Ramos Caiado [89 não se conformou com esse gesto do seu companheiro, e entrou com ele no páreo. Muito hábil no manejo do processo em voga do marechal Hermes foi derrotando, um a um, os seus competidores! O próprio Eugênio Jardim aceitou uma senatoria, que nada mais era do que o bilhete-azul oferecido pelo seu cunhado, Senador Ramos Caiado! Os outros foram postos na lista da desconfiança.

Formou-se uma fila para a degola paulatina: Jayme, Emílio, Abrantes, Olegário, Alves de Castro, Abílio Wolney e outros que ofereciam possibilidades de substituí-lo na chefia numa qualquer surpresa vinda do Rio de Janeiro.

Escolheu com imensa habilidade o seu estado-maior, composto de diversos personagens que deveriam prestigiar a política que iria instituir para um domínio de 20 anos!

O Jornal Estado de Goiás [90, que havia servido à Revolução, orientado pela pena fulgurante de Abílio Wolney, e dirigido pelo inolvidável jornalista goiano Moisés Santana, passou inesperadamente a hostilizar a Eugênio.

[omissis]

Continuando a luta, Wolney enfrentou (também) o novo diretório (em São José do Duro) que se constituiu com elementos das famílias Brito e Hermano [91; diretório esse que recebeu ordens para desmontar a máquina eleitoral do chefe norte-goiano Abílio Wolney.(parênteses inseridos pelo autor) [92

 

Formado em Direito em São Paulo (1896), com todas as regalias de um burguês, veremos que, em 1909, Totó Caiado assumirá objetivamente um papel central na vida política do Estado, quando é eleito Deputado Federal (1909-1911), graças ao poder político e econômico da sua família em Goiás e ao ajuste com o Cel. Eugênio Jardim, tutelado do Presidente Hermes da Fonseca. O quadro lhe era favorável. De posse de boa parte do capital político acumulado durante a hegemonia dos Bulhões – pois inicialmente ganhou prestígio foi com eles – e do período do Des. Xavier de Almeida, de quem foi Secretário de Governo, Totó Caiado via-se na iminência de tornar realidade o projeto desenvolvido desde o século anterior, quando já era oposição dos Bulhões. Alie-se a isso o fato já destacado: as grandes alianças estavam consolidadas com os casamentos Caiado-Alves de Castro, Caiado-Jardim [93 (A viúva Diva Caiado-Eugênio Jardim, certo que este não era dos Jardim de Leopoldo), e nos anos sequentes entrelaçados com outras famílias de renome e destaque político.

E se Abílio lutou de peito aberto para a vitória na Revolução de 1909, ganhou mais prestígio no meio político-eleitoral durante o quadriênio até 1912. Todavia, por igual tempo já era um estorvo para Eugênio Jardim e Totó Caiado, que, sedentos de poder, viam definitivamente nele o perigo de ser eleito Presidente do Estado no pleito vindouro de 1912, o que seria outra guinada para o poder das lideranças mortas de Leopoldo de Bulhões.

Casado com uma irmã de Totó Caiado, o já desembargador João Alves de Castro tornara-se padrinho de Alzira Wolney, filha de Abílio.

Alzira estivera morando uns tempos em casa de Alves de Castro, em Goiás Velho, por onde também andou Wolneyzinho. Desde 1908, todavia, o Des. Alves de Castro, havia se afastado do velho amigo Abílio Wolney.

A respeito, Álvaro Mariante relata que

 

[…] as relações políticas de Abílio com o Sr. Dr. João Alves de Castro transformam-se, por motivos privados, em fortes laços de amizade pessoal. Em mil novecentos e oito, porém, interesses políticos divorciam os dois correligionários, cujos laços de amizade pessoal resistem por algum tempo à divergência partidária. O ano seguinte (1909) assinala-se pela revolução triunfante chefiada pelo doutor Leopoldo de Bulhões e com ela se acha Abílio Wolney em plena atividade. [94

 

A imprensa de oposição cumpre o seu papel frente aos novos situacionistas, lançando a indagação: Como pôde emergir o até ali o desconhecido Cel. Eugênio Jardim, a reboque, e depois rebocando o cunhado Totó Caiado? Leopoldo foi o gênio da Revolução, mas os artilheiros foram as cabeças que repontaram nos chefetes após a derrocada de Leopoldo de Bulhões nos sucessos que se seguiram ao Movimento de 1909.

Em matéria a posteriori, o jornal Goyaz publicava:

 

[…] Eram os chefes dos principais municípios do sul (e norte) do Estado que num levante de brio e dignidade, vendo os seus direitos espezinhados por essa gente que dirige o Estado hoje, aumentada de alguns trânsfugas, reuniram-se e vieram a esta Capital num belo e edificante movimento cívico restabelecer o regime da lei. Infelizmente, porém, em má hora, o comando destes dignos cidadãos foi confiado ao cel. Eugênio Jardim, tendo para lugar tenente o Dr. Ramos Caiado, homens que não estavam na altura de chefiar um movimento de tão elevado efeito moral não compreendendo o belo gesto do povo goiano, tanto que, na ocasião azada, traíram o Partido que os elevou, escalaram o governo pela traição e hoje se entregam os mesmos processos políticos contra os quais pegaram em armas, atirando em seus dedicados companheiros de jornada a pecha de assassinos, cobrindo de opróbrio as memórias dos que já se foram…” Sobre crimes no Estado: “Assassinatos como os que se dão no Estado de há tempos a esta parte e que estão enxovalhando o seu nome lá fora, só por si definem uma situação. [95

 

Desfile militar em frente ao Palácio Conde dos Arcos, na Cidade de Goiás, em época ignorada. (Foto do acervo de Marco Antônio Veiga de Almeida).

 

Fazenda Quinta, local escolhido para Q.G. da Revolução de 1909, nos arredores da Cidade de Goiás.

 

José Godoy Garcia parece explicar melhor, quando cuida da oligarquia recém-instalada no Estado:

 

Surgiu Totó Caiado, não propriamente pelo prestígio político, mas pelo golpe de 1909 (contra os correligionários da Revolução) dado pelo seu cunhado coronel Eugênio Jardim; surgiu pelo grito, pois que era uma personalidade desassombrada, violenta, em contraposição à índole dos adversários, sorrateiros, autênticos, mas suaves nas táticas.

E agora vai procurar consolidar este seu mando, limpando as áreas, ora pela influência do poder em suas mãos, ora pela força bruta, em alguns momentos e lugares do extenso território goiano. Na capital concentrar-se-ão, ainda que rarefeitos, os elementos de oposição. No interior do Estado, qualquer pequeno movimento de reação, Caiado não permitirá e porá logo em ação seu sistema opressor. [96

 

O momento era crucial para o Dep. Abílio Wolney. O seu prestígio de Presidente do Congresso Estadual soçobrava com os deputados aliados a Leopoldo no Movimento de 1909, pois, no mesmo ano eles começaram a aderir aos Caiado, com aquele advento assustador do desconhecido Cel. Eugênio Jardim, mas escolhido a dedo, pelo

Presidente da República Hermes da Fonseca, como chefe maior da política federal em Goiás.

E Abílio pensava… Esteve com Xavier de Almeida desde que Bulhões lançou aquele em 1901. Permaneceu com Xavier e, depois com Rocha Lima, dos quais apoiou a política fiscal moralizadora. Agora fazia tramitar no Congresso Estadual aquele ousado ‘Projeto’ de divisão de terras para camponeses, contrariando os latifundiários da capital e do sul.

O Cel. Eugênio Jardim é quem manda agora em Goiás e vai interferir. Totó Caiado, Deputado Federal, não vai aceitar mais essa.

Não era de ver a petulância do deputado sertanejo, que deu cobertura ao grupo deposto de Xavier de Almeida entre (1901 e 1909) e agora projetava reforma agrária no Estado.

– É porque as terras dele e do pai não valem nada, como nada vale o gado curraleiro do norte! Ora, São José do Duro?

O norte esquecido realmente só dava prejuízo para o Estado.

São José do Duro tinha menos de 30 casas e não poderia mesmo cobrir sequer as despesas do Estado com a manutenção daquela localidade, erigida mui precocemente à condição de município.

Fiel aos Bulhões, assim que Leopoldo o concitou à oposição e à Revolução de 1909, lá estava Abílio, grato e leal, arrostando tudo.

Todavia, entre 1909 e 1912 o tempo nublava, prenunciando a tempestade que parece – vai cair junto com os Bulhões.

A ‘situação’ ainda estava com Gouvêa no Executivo e Abílio na chefia do Legislativo, mas já agora contando com uma minoria apoiada pelo Des. Gonzaga Jayme, que fazia por merecer a simpatia do Des. Emílio Francisco Póvoa, detestado pelos Caiado.

Nada de aderir a Eugênio Jardim e Totó Caiado – concluía Abílio – pois eles usurpavam o Partido Democrata, do qual fizeram a agremiação partidária do esquema que pretendem instalar. Nem mesmo a amizade de Abílio com pessoas ligadas aos Caiado tinha o condão de agregá-lo às fileiras caiadistas, por questão de princípios, imperativos de consciência. E mágoas…

A infidelidade partidária dos Caiado era um insulto ao bom senso e a história estava cheia de façanhas oportunistas do grupo familiar.

Bulhões sempre fora traído pelos Caiado, nas coligações pela hegemonia na capital.

A diferença era uma questão de caráter. Eugênio Jardim vinha na caravana de Totó e este na dele, buscando legitimar os interesses privados, com o anelo de riquezas e facilidades de poder. O norte nunca seria socorrido, como nunca foi, pelo grupo Caiado no poder. Poderia, talvez, ser dizimado.

O tempo o dirá.

A não-adesão do Dep. Abílio Wolney à caravana dos atores em cena gera imediata divisão no Partido Democrata, ainda em 1909. A vigília de bons dias e noites maldormidas exigiram-lhe a opção pela facção dissidente e minoritária do Des. Gonzaga Jaime, amigo de sempre, de quem Abílio batizou o filho Luizinho.

Deste grupo fazia parte, discretamente, o estimado amigo, Des. Emílio Francisco Póvoa, sempre fiel à toga de magistrado, nunca trocada por mandato eletivo. [97 A posição de Emílio Póvoa quanto aos Caiado era mesmo sintomática. Dentre os pedidos de Intervenção Federal da União em Goiás, um deles foi lavrado por esse insigne desembargador, cujas razões se fundamentaram no fato de os seguidores de Eugênio Jardim simplesmente descumprirem ordens judiciais no Estado a partir de 1909, confiantes no Governo federal de Hermes da Fonseca.

Aliado aos amigos mais corretos de antanho, Abílio Wolney é eloquente na tribuna do Congresso Estadual, onde brada oposição à ala de Totó Caiado e de seus cunhados, Cel. Eugênio Rodrigues Jardim e Des. João Alves de Castro. Vivia o dilema do homem dependente do sistema injusto de poder: arriscava a própria posição ao assumir a responsabilidade de insurgir-se ao novo sistema em gestação.

 

Praça do Palácio Conde dos Arcos na Cidade de Goiás, por ocasião da entrada dos revolucionários em 1909. Foto Alencastro Veiga

 

E vai cumprindo o seu terceiro mandato de Deputado e Presidente da Casa, agora líder do governo bulhônico de Urbano Coelho de Gouvêa, mas, de outro lado, um problema para os chefes surgidos no contratempo que se seguiu ao Movimento vitorioso de 1909.

No mesmo ano de 1909, no cenário nacional, desenvolve-se uma das campanhas mais disputadas de toda a República Velha, opondo-se o Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca a Rui Barbosa na disputa pela presidência da República. Os democratas-bulhônicos seguem Leopoldo e apoiam oficialmente Hermes da Fonseca, apesar do boato de que, nos bastidores, Bulhões apoiava Rui Barbosa.

Hermes da Fonseca sai vitorioso inaugurando uma política intervencionista nos Estados, derrubando oposições. Os bulhonistas estão na mira, diante da acusação dos adversários de que estes eram dúbios no apoio a Rui e a Hermes. Eleito, Hermes da Fonseca quer grupos mais afinados com sua política.

No recesso parlamentar de 1910, Abílio Wolney vai para a sua querida São José do Duro, engalanada por acontecimentos felizes, conforme editorial do seu jornal Estado de Goyaz, na pena do jornalista Alípio da Silva:

 

São José do Duro, 12-1910. Considerações do correspondente – A prosperidade do Duro – A posse das novas autoridades judiciárias.

Não sei o que mais agradecer à vossa elevada generosidade; se a escolha de meu nome para o vosso correspondente, ou se a benévola consideração dispensada a esta localidade, colocando-a entre os elementos não esquecidos em o vosso grandioso empreendimento.

Antes de tudo, associo-me ao justo contentamento que deve pairar no espírito de todo goiano sensato e culto pelo aparecimento do “Estado de Goyaz” que nos promete ser um valente batalhador na santa cruzada do nosso evoluir social.

Dada assim, com toda reverência, a minha barretada ao assomar aos pórticos da respeitável tenda de Guttenberg, passo a dar o recado de que me fiz mensageiro.

O Duro, pequenino e atrasado, tantas vezes lembrado nas colunas da imprensa para receber os embates de acerbas agressões por parte de desafetos gratuitos, também sabe homenagear os acontecimentos que se impõe à admiração de um povo que aspira um futuro em tudo compatível com o estado da civilização hodierna.

Assim é que o dia 25 de novembro último foi entusiasticamente festejado aqui, por ser este o dia aprazado pelo conselho municipal para dar compromisso às pessoas ultimamente nomeadas para os cargos de juízes municipais, distrital e seus respectivos suplentes.

Nesse dia, no pavimento térreo do edifício onde funciona a Mesa de Rendas, reunidos em sessão extraordinária os srs. Membros do Conselho Municipal e com a assistência dos srs. Intendente Municipal, juiz de direito, promotor público, delegado de polícia, coronéis Abílio Wolney e Custódio Leal, deputado e senador e mais pessoas gradas foi aberta a sessão sob presidência do sr. Major Cândido Nepomuceno, secretariado pelo capitão João Rodrigues de Sant’Anna.

O sr. Presidente, após ligeira alocução alusiva ao ato deferido na forma da Lei o compromisso do estilo a cada um dos nomeados, mediante exibição do respectivo título, deixando de comparecer o sr. Josino Valente por estar fora do município a interesses comerciais.

Terminada a cerimônia de posse, o sr. Presidente usou novamente da palavra para encerrar a sessão e surpreendeu o auditório com a agradável notícia de que o Conselho em sessão anterior havia votado uma verba em auxílio ao professorado público primário. Sublime exemplo de patriotismo sabia e proveitosa lição aos srs. Legisladores estaduais, que, em sua última reunião, primaram pelo golpe de morte desfechado sobre a instrução e consequentemente sobre a mocidade goiana, digna de melhor sorte.

Foi com esta chave de ouro que o sr. Presidente encerrou a sessão, finda a qual fomos pelo sr. Coronel Abílio Wolney levados ao primeiro andar do edifício, onde nos esperava lauto e suntuoso almoço.

Ao transpor o limiar do vasto salão, fomos agradavelmente impressionados pela caprichosa ornamentação que ostentava destacando-se profusa variedade de flores naturais, que impregnavam o ambiente de suave perfume em nada inferior aos afamados produtos de Diver, Guerlain, Rieger e tantos outros perfumistas notáveis de Velho mundo.

Foi servido o almoço com a máxima correção ao alcance dos meios locais. E, se não tínhamos, como nos grandes centros o concurso da bem regida orquestra, impressionando os nossos sentidos com harmoniosos e escolhidas produções da Arte de Beethoven, trocávamos opiniões amistosas e concernentes a interesses públicos e

à prosperidade local.

Ao findar o menu o Dr. Luiz do Couto leu uma bela oratória, brindando aos empossados e estimulando-os ao cumprimento do dever. A este brinde respondeu por parte dos manifestados o sr. Coronel Abílio, que em eloquente improviso correspondeu à expectativa dos ouvintes.

Em seguida foi convidado o dr. Alípio Silva para erguer o brinde de honra ao sr. Presidente do Estado. O orador esforçou-se para dar cabal desempenho a honrosa missão de que estava incumbido e terminou o seu modesto discurso com vivas ao presidente do Estado, à república e à família goiana.

A noite houve animado soirée que se prolongou até a madrugada e na qual o belo sexo trajando elegantes toillettes e distribuindo graciosamente os atrativos de sua peculiar amabilidade, conquistava para si a nota predominante do baile.

E foi assim que passamos o dia, esquecidos das asperezas desta vida de amarguras.

O correspondente

Pio Alino. [98

 

Retornemos à Capital do Estado, no reboliço das agitações políticas.

Era imperiosa a eliminação dos obstáculos à hegemonia Caiado.

O pequeno gigante da tribuna, aquele Abílio que chegara até ali, representava uma ameaça para a próxima eleição do executivo estadual, embora tivesse o complicador de não ser casado no clã Caiado, fugindo à tradição dos ‘casamentos endogâmicos’. Vindos de um sertão esquecido, ele e o Senador Estadual Custodinho, seu tio, eram os únicos representantes do Norte, que, como vimos, pouco gerava de impostos para os cofres públicos.

Paradoxalmente, a sua queda era iminente, caso não retrocedesse, aderindo a Eugênio Jardim para protrair o seu prestígio de Presidente do Congresso Estadual e ir além. Mas, por uma intuição heróica de resistência, não se entregaria.

E para complicar a sua situação, surgem outras graves desavenças entre Abílio Wolney e Totó Caiado, como veremos no capítulo a seguir.

 

[74 Veja o livro oficial O Legislativo em Goiás-História e Legislaturas, Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, Vol. 1, de Itami Campos e Arédio Duarte.

[75 Mesmo quando já ancião, colocava razoável quantidade de pesos nos pratos da balança e os erguia com um dos braços, demonstrando vigor.

[76 Muito adiante, na velhice, vieram-lhe os cabelos grisalhos, ralos por toda parte, falhos atrás (onde alguns fios mal encobriam a larga coroa calva da madureza). Depois, a calva só deixaria os cabelos das têmporas, encanecidos, num rosto chupado, de zigomas salientes e pele castigada com as rugas e os sulcos fundamentais de quem se deixou ser como se a história da sua vida se desenhasse em seu próprio rosto.

[77 Ao longo da sua vida, inclusive depois do primeiro casamento, Abílio Wolney deixaria para a posteridade numerosa prole, fruto de alguns romances e outros amores. Todos os seus filhos – e nenhum ficou sem ser reconhecido – se orgulharam de assinar o patronímico do pai. E os netos também.

[78 Mensagem do antigo Congresso Estadual, em 1902, pl. 4 e 40, transcrita por Itami Campos, obra citada.

[79 Campos, Itami, obra citada.

[80 Idem.

[81 Comissão de Verificação de Poderes, onde os Deputados de cadeira excluíam os adversários com a degola ou depuração, pura e simplesmente (Nota do autor).

[82 Documento transcrito do livro Quinta-Feira Sangrenta, de Osvaldo Rodrigues Póvoa. Vê-se a solidariedade humana de Abílio Wolney ao lamentar a provisória situação do compadre e adversário político, Des. João Alves.

[83 ASSIS, Wilson Rocha, Estudos de História de Goiás, p. 94.

[84 O prestigioso político, Dep. Zeca Batista, que elevou Anápolis à categoria de Município em 1907 (Lei 320), utilizando o nome sugerido pelo Dep. Abílio Wolney – A Cidade de Ana – ANÁPOLIS.

[85 CAMPOS, Itami, Coronelismo em Goiás, 1987, p. 73.

[86 Artiaga, Zoroastro. História de Goiás, 1945.

[87 ASSIS, Wilson Rocha, Estudos de História de Goiás, 2005, p. 97.

[88 A ‘Quinta’ seria um local, sede de uma Fazenda, conforme fotografia adiante.

[89 Totó Caiado.

[90 Jornal de Abílio Wolney.

[91 Referência a Sebastião de Brito e o seu companheiro e empregado José Hermano.

[92 Ibidem

[93 RIBEIRO, Miriam Bianca Amaral, Família e Poder em Goiás, Vol. 6.

[94 Do livro do autor, no prelo: O Duro e a Intervenção Federal – Relatório ao Ministro da Guerra

[95 Jornal Goyaz, ano XXXIV, n. 1568, p. 1 – 1°/03/1919.

[96 GARCIA, José Godoy, Aprendiz – Estudos Críticos, Thesaurus, 1997, p. 52/65. O parênteses e a conjugação de verbos foram alterações inseridas no texto por adaptação do autor.

[97 O Des. Emílio Francisco Póvoa fará parte da Junta Governista instalada em Goiás com a Revolução Nacional de 1930, quando a oligarquia Caiado será derrubada. A sua fugaz participação na Junta, mais como jurista do que como político, foi no curto período de 30.10.1930 a 23.11.1930.

[98 Jornal Estado de Goyaz, Ano I, n. 7, p. 3 – de 19 de fevereiro de 1911. Consta a seguinte nota: N. da R. – Pio Alino – pseudônimo com que se subscreve a correspondência do Duro, tem a tradição de um nome digno de apreço. A correspondência é do talentoso clínico e estimável cavalheiro, sr. dr. Alípio Silva. Na longínqua Villa do Duro, cujo florescimento o seu bem lançado escrito nos evidencia, o ilustre médico fixou a sua residência, tornando-se um dos obreiros do progresso local e uma das figuras mais simpáticas e respeitáveis do Norte. Devemos ao nosso talentoso confrade, sr. Deputado Abílio Wolney, o precioso concurso que o prezado correspondente nos vem dar a esse concurso é para nós de tal valor, satisfaz-nos de tal modo, traz tamanho brilho as colunas do “Estado” que sou Diretor, apanhando no ar, como um dos destinatários, a carapuça que se encontra numas quatro linhas, determinou a publicação integral da excelente missiva, ao mesmo tempo em que enviamos ao ilustre dr. Alípio Silva, como os nossos votos de agradecimento a excelente colaboração, as expressões da nossa simpatia e do nosso afetuoso apreço.

 

[Continua na próxima postagem quinzenal, com a publicação do Capítulo VII

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