LIGIA
Findava julho, quando tudo começou
A cidade dormia no sonho de um beijo fugaz
De plangente o violão antecipou ao amanhecer
Vara a noite rua antiga, terno idílio a acontecer
Ontem o galanteio frustro quedava o bardo
Insinuante e servil quis cativar-lhe ao tato
Entre nãos mora o sim, foi apenas um sumário
Castiçais em noite alta, círios belos, lampadário
Do outro lado é o mundo em destino embrionário
O firmamento desce-lhe aos seios em brilhante escapulário
Qual pontos de estrelas-lume do cruzeiro do sul
Arqueia-se o dossel no crepe de escuro zênite azul
O meu canto se derrama no jardim a céu aberto
Dedilhado em cordas que harmonizam o universo
São acordes do amor galopando a viajar
Sua trança é cordilheira que esplende ao luar
O parque chão na madrugada ao empíreo se atrela
Na perspectiva dos dois céus um pêndulo da lua e estrela bela
O brilhante nos teus olhos, as cavinhas no teu riso
Na baixada espelha um lago, quero ser o seu Narciso
Depois o Leblon, olhos castanhos, anjo do sol
No espectro seus cabelos descem às espáduas num arrebol
Na manhã és arco-íris, seu verão hífen de luz
Canta o mar com chuva e vento tua beleza que seduz
Do menestrel ao cancioneiro, seu poeta resistente
Recosta ao luar no mármore fulvo, nas esquinas canta o tempo
Porquanto o vate da noite é fogoso corcel
A lápide é a história na noite dos véus
Mas o poema é a flor do alabastro cunhada a cinzel
Depois a Argentina, costa ocidental do Rio de prata
No teatro Colón, Maio é quem nomeia a praça
Do Boulevard 11 de Julho aos bosques do Palermo
Do funeral da Recoleta às artes do Museu Moderno
E de tango e lago põe-se a fronteira
Por Caminito chegamos ao Puerto Madero
Na Casa Rosa a alma de Evita a bradar contra a ilusão
Na praça ainda grita o povo o mesmo mantra do refrão
Mas regressemos ao Brasil de Taipu
Altiplanos da Bahia ao Estuário de Maraú
A península se desdobra entre rio e braço-de-mar
Na planície em tabuleiros vertem campinhas ao luar
Ali desce o mar e agiganta-se o coral
Deita a musa bronzeada na planura do areal
Pois se a vastidão faz do Atlântico um gigante fluvial
De lava o olimpo fez Ligia bela deusa em litoral
Qual musa horizontal nos braços da manhã ridente
Postal do crepúsculo na púrpura do oriente
Porque um rastro de ternura desce às belas sirenas
De labirinto a madrugadas meu dilúvio de falenas
Fim.
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