Deus, poeta superlativo…

Padre Crésio, colunista do JORNAL CIDADE, traz em ‘Deus, poeta superlativo…’, a reflexão de que ‘no espectro cultural em que vivemos, parece predominar as imagens e tecnologias digitais. Entretanto os poemas – frutos da nobre sensibilidade –, seguem atraindo corações. Ainda se pode dizer que os livros movem o mundo. Menos fregueses de livrarias hoje, mas a literatura continua um canal central de comunicação do conhecimento, e estrada larga para a poesia…’.

Padre Crésio: ‘Ainda se pode dizer que os livros movem o mundo’ – Foto: Márcia Cristina/JORNAL CIDADE

Distintos membros da Academia Uruaçuense de Letras, demais literatos e participantes…

Creio que Deus fez a tela do universo e pingou nela as sementes do que existe de belo, fez o palco da natureza onde dá um show a cada dia, criou os componentes da sociedade e em suas páginas escreveu seus mandamentos e manifestou maravilhas. Ele é o exímio versejador.

No espectro cultural em que vivemos, parece predominar as imagens e tecnologias digitais. Entretanto os poemas – frutos da nobre sensibilidade –, seguem atraindo corações. Ainda se pode dizer que os livros movem o mundo. Menos fregueses de livrarias hoje, mas a literatura continua um canal central de comunicação do conhecimento, e estrada larga para a poesia… Poesia: esse jeito sutil de acordar as almas e elevá-las do chão empoeirado e séptico, de uma sociedade frenética, se não esquizofrênica!

De fato, a palavra se faz ver, sentir, faz chorar, sorrir e reconstrói o sentido da vida. Por trás dela, da palavra, uma ideia, uma vontade e potência (disse Nietzsche), que na verdade vai pondo ordem no caos. Faça-se a luz, disse Deus.

Nesta abstração metafísica, que não é mentirosa nem fruto da fantasia defendida por Feuerbach e séquitos ateus, gosto de afirmar que Deus é o primeiro literato. Ele escreve desde o início, e não para. Com seu dedo criativo, desenhou os elementos do universo, como reza o Salmo 8,4: Vejo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que preparastes e me pergunto: que é o homem para que dele vos ocupeis?.

Em suas Escrituras, o supremo redator foi riscando espaços e enchendo telas, preenchendo as páginas do universo… Deu forma a cada coisa, grafitou e coloriu suas criaturas, traçou as notas musicais num longo catálogo de sons, soprados por pássaros, insetos e animais, gerando a bela orquestra da natureza. O Criador redigiu as leis físicas que dão estabilidade, na rotatividade do tempo e no movimento dos astros, na interdependência dos seres, e determinou a efemeridade de cada um deles. Com seu lápis gigante pintou as flores, deu cores e formas geniais, quais versos harmônicos no poema da criação.

É bom ler suas poesias, admirar. O poema divino é sempre novo para quem procura ler, não nos cansa. Refletir as palavras que o Poeta escreveu nos faz adentrar no insondável. A meditação sobre o infinito é prática genial de quem crê no Superlativo. Jesus não só escrevia na areia… partia para o deserto em contemplação. Pensar os textos divinos é encontrar oásis no deserto da vida; desperta e aumenta o prazer.

Sim, o poeta superlativo redigiu normas, também, morais. Cito Êxodo 31,18: Deu a Moisés duas tábuas de pedra, escritas por Seu dedo.. Quis indicar o caminho, com dez placas, alertando sobre os precipícios que detonam sua imagem e desfigura a beleza, que borra sua magna arte e a reduz a rascunho. O homem de outrora e de hoje se assustou, revoltou-se pela reles exigência ética, virou filho pródigo… anda com fome e sede de justiça, de misericórdia, de Destino transcendente e infinito.

Em sua revolta, o homem quis a aventura da autonomia, que é diferente de maturidade, pretendeu ser criador também… Aventurou-se até a dialogar com aquele que Deus expulsa com seu dedo (Lucas 11,20). Mas o homem, obra excelente do Pai, é a criatura criativa, entre suas sombras há muita luz. Não fruto do acaso, mas da inteligência sapientíssima e sobre-humana, a mais bela das criaturas – imagem e semelhança do próprio Ser –, imita Deus na existência: escreve, desenha, colore, dança, entoa canções, faz poesias, desperta suspiros…

É bom aplaudir a criatividade humana, a literatura, como As tranças de Ana, onde pessoas inteligentes projetam luzes entre nós e tornam mais suave o peso dos dias.

Parabéns escritores, poetas e poetisas de Uruaçu! Bendito seja o Poeta que compõe noite e dia!

Nota da Redação: texto lido durante evento de lançamento da antologia poética As tranças de Ana, dia 11/11/23, em Uruaçu