PAINEL CULTURAL

DR. ABILIO WOLNEY AIRES NETO

Batalhões do Norte goiano e o combate à Coluna Prestes

Após 11 meses de campanha, chegavam pelo cais do porto de Barreiras-BA os combatentes da Coluna Prestes, em regimento militar do governo federal.

Em Goiás, na mesma época em que o Governo goiano procurava reprimir o movimento liderado por Santa Dica em Lagolândia (1925), próximo a Pirenópolis, adentrava no território a referida Coluna.

Os tenentes diziam pretender moralizar a vida pública brasileira, pondo fim às fraudes eleitorais e a hegemonia dos grandes proprietários rurais. Nascidos após as Revoltas Militares de 1924, deram início a uma guerra de movimento contra o governo de Arthur Bernardes e o regime oligárquico preponderante na Velha República, conhecido como “Política do café com leite”.

 

Batalhão de Patriotas para combater a Coluna Prestes em Boa Vista-PE, em 24/12/1926. Na primeira fila da esquerda para a direita o tenente-coronel Abilio Wolney é o primeiro e Coquelim Ayres Leal o quarto – Foto: Acervo de Doralina Wolney Valente

 

Liderado por Luiz Carlos Prestes, o movimento supostamente objetivava conscientizar as camadas populares das injustiças do regime oligárquico, mas não ganhou a adesão das massas para a derrubada da ordem instituída.

O tenentismo chocou-se várias vezes contra as forças legalistas. Porém, não sofreu uma única derrota graças ao seu principal líder. A revolta militar tampouco alcançou seus objetivos de uma ação popular ampla, desfazendo-se na Bolívia, em fevereiro de 1927. Em suas correrias pelo Brasil, fez parte do trajeto da Coluna Prestes a sua passagem em território goiano.

Em Goiás, os tenentes foram combatidos por “Batalhões patrióticos” – Colunas formadas por elementos militares e/ou paramilitares, como o caso da Coluna Caiado e da Abilio Wolney – recrutados com base no prestígio social de certas lideranças.

A Coluna Prestes chegou a se articular com elementos insatisfeitos da política regional, mas nem assim logrou êxito, pois a Coluna Caiado demonstrou hegemonia no cenário político goiano ao contribuir para a expulsão dos tenentes (ASSIS, 2005, p. 101).

Diante deste quadro de conflitos, o texto pretende iluminar parte do impacto da marcha tenentista no Norte do Estado de Goiás, particularmente a atuação de Abilio Wolney, chefe local que se destacou no combate aos revoltosos do Exército. Segundo Osvaldo Póvoa,

 

Nos anos de 1925 e 1926 muitos Municípios do antigo Norte de Goiás viveram dias de pavor com as notícias da aproximação do que o povo denominava os revoltosos, grupo formado por militares e civis sob o comando de Miguel Costa, Juarez Távora, Carlos Prestes e outros idealistas. Este grupo revolucionário teve início com a união de força do Exército com oficiais da Força Pública de São Paulo para mudar a política do Brasil que fazia 35 anos vivia sob o jugo do Partido Republicano em que só paulistas e mineiros eram eleitos. Cresceu muito com a incorporação de pessoas que não se submetiam à rigorosa disciplina militar, cometendo crimes de toda natureza, inclusive assassinatos e estupros. As escolas fechavam, as famílias fugiam das vilas e cidades para se esconderem nas matas. Através de ofício de 17 de novembro de 1925, o delegado de Polícia do Porto Nacional relata as ocorrências ao Capitão Delegado Regional de São José do Duro: ‘Desde os primeiros dias de outubro, conforme nos mandais dizer em ofícios de 3 e 10 do corrente mês que nos chegaram notícias da aproximação das forças revolucionários vindas do Sul do Estado e que alcançaram Natividade em marchas relativamente demoradas, onde estacionaram por alguns dias, chegando aqui a 15 do mesmo mês de outubro os primeiros 25 e saíram os da última turma. Sem meios de defesa, sem comunicações, segregado quase do resto do Estado, pois não temos nem estradas por onde chegasse pronto-socorro, este não tivemos e por isso a população abandonou a cidade para onde voltaram as famílias.’. Houve as costumeiras requisições, precedendo-as a posse manu militari das fazendas que eram percorridas pelos soldados revolucionários e arrebanhada toda a cavalhada e muitos gados que deixaram pelos campos […].

 

As palavras do escritor refletem o medo que a Coluna causava em parte da população nortista, bem como a prática dos tenentes – sobretudo, os gaúchos –, de fazerem requisições forçadas de gado para abastecimento alimentar das tropas. Sobre a passagem da Coluna em São José do Duro, anotou Póvoa:

 

Foi nesse clima de pavor que a Vila do Duro recebeu em setembro de 1925 a notícia de que os revoltosos marchavam em sua direção. A vila, recém-saída de uma chacina, estava sediando a 4ª Companhia da Polícia Militar do Estado de Goiás sob o comando do Capitão Antônio César de Siqueira, que tomou as necessárias providências para interceptar os revoltosos em Santa Maria de Taguatinga, inclusive requisitando os serviços do civil Francisco Liberato Póvoa para servir como enfermeiro. No dia 29 de setembro de 1925, a vila de Santa Maria de Taguatinga foi atacada por 250 revoltosos, segundo informe do comandante da força policial. Comandavam este pequeno grupo os coronéis Juarez Távora e Siqueira Campos, enquanto o grosso da Coluna revoltosa sob o comando do General Miguel Costa, do Coronel Carlos Prestes e do civil João Alberto Lins, se deslocava rumo a Conceição do Norte. O General Miguel Cosa e o Coronel Carlos Prestes falam de modo sucinto dessa passagem em carta ao gaúcho Dr. Batista Lusardo: ‘A 28, a Divisão deslocou-se para Natividade, via Conceição, enquanto que uma força do 3º Destacamento, sob o comando do Tenente-Coronel Siqueira Campos era lançada como flanco-guarda direito da Coluna nas direções de Santa Maria de Taguatinga e Duro. Cumpria ainda a esse flanco-guarda destacar sobre a fronteira baiana a fim de fixar ou localizar as avançadas inimigas, constituídas de um lado pela polícia goiana, saída do Duro e de outro, por forças federais vindas de Barreiras, na Bahia.’. As notícias do choque dos revoltosos com a polícia em Santa Maria de Taguatinga fizeram com que as escolas suspendessem as aulas até a passagem da tormenta em várias localidades. Do Município da Palma um professor dava notícia de ter a cidade sido invadida em 1925 pelas hostes revolucionárias do General Izídio. Passada a tormenta, o Professor Cárdia relata em poucas palavras o que ocorreu no Município da Palma, que na verdade é uma síntese do que aconteceu por onde a chamada Coluna Prestes passou na sua caminhada de mais de 30 mil quilômetros por todo o Brasil: ‘Aula Pública da cidade da Palma, em 27 de outubro de 1925. Exmo. Sr. Dr. Artur da Silva Jucá, DD. Secretário do Interior e Justiça. Saudações. Tenho a honra de levar ao conhecimento de V. Exa. que tendo-se as hostes revolucionárias afastado deste Município, onde fizeram muitas depredações, saqueando e incendiando propriedades de alguns fazendeiros, invadindo lares nos quais implantaram a desonra e o luto sem que ao menos coubesse às infelizes e indefesas vítimas de tamanho banditismo o sagrado direito de protestarem, V. bem V. Exa. pelas ligeiras exposições que aqui faço os horrores que sofremos durante os longos e tenebrosos dias do corrente mês. Os prejuízos causados neste Município são superiores a 100:000$000 (Cem contos de réis). Aproveito a oportunidade para reafirmar a V. Exa. os protestos de subida honra e distinta consideração. Saúde e Fraternidade. O Professor Aristides Mendes Cárdia (POVOA, 2006, p.181-187).’.

 

Também em 1926, estando presidente da República Arthur Bernardes, o mesmo enalteceu a figura de Abilio Wolney, contemplando-o com a patente de “coronel patriota”. Este fato se liga à resistência oposicionista no movimento de São José do Duro (1918), reconhecida à época nas instâncias da Justiça Federal e do Tribunal de Justiça do Estado como uma ação política contrária aos desmandos da Velha República em Goiás, a qual a história vem resgatando atualmente.

A concessão da patente foi o salvo conduto com o qual Abilio Wolney se veria livre da sentença de morte dada pelo situacionismo, em razão da qual viveu lutando e depois fugindo, primeiro para Barreiras-BA. Mudou-se para o Piauí e foi sapateiro. Ainda exiliado de Goiás, estivera em Pilão Arcado, sob a proteção do coronel Franklin Lins de Albuquerque.

Enfim, depois do seu calvário iniciado em 1918, estava Abilio em 1926 sob as graças do governo de Arthur Bernardes para integrar um Batalhão patriótico e, então, passa a residir definitivamente em Barreiras-BA.

A rigor, tal anistia foi um ato sobremaior no aspecto legal e político, mas juridicamente estéril, salvo quanto a outras ou novas perseguições da máquina estatal goiana, que gerava processos judiciais contra os insubordinados ao regime do Palácio Conde dos Arcos.

Um dos poucos processos abertos atualmente ao público e até aqui desconhecido pela história foi presidido pelo juiz Celso Calmon, que no mesmo ano de 1919 foi todo anulado pelo Tribunal de Justiça de Goiás, que entendeu que, por se tratarem de fatos políticos, da competência da Justiça Federal, para aquela instância deveriam ser e foram remetidos os autos.

Em 1922, o processo havia sido encerrado na instância da Justiça Federal por prescrição, portanto sem condenação, in litteris:

 

[…] Por esses fundamentos e de acordo com a opinião sustentada pelo Ilmo. Sr. Procurador da República na sua promoção, julgo prescrita a presente ação penal e mando que subam os autos, no prazo legal ao Exmo. Sr. Dr. Juiz Federal, intimando o dr. Procurador da República. Custas na forma da lei. Goyas, 8 de novembro de 1922. (as) Luiz Xavier de Almeida-Juiz Federal (AIRES NETO, 2013, p.85).

 

A ausência de qualquer condenação contra Abilio justificava o ato do presidente da República em conceder ao ex-deputado estadual Abilio Wolney as patentes de tenente-coronel e coronel-patriota.

Abilio formou um batalhão de 1.000 homens, devidamente fardados, municiados e instruídos, para dar combate à Coluna Prestes, demonstrando fidelidade a Arthur Bernardes. Nessa época, andava fardado como militar, sendo a única diferença da sua farda para a dos militares regulares as divisas pretas, que eram brancas no uniforme dos militares de carreira, como escreve Nertan Macêdo.

Tratava-se da Coluna Abilio Wolney, assim designada por seu comandante-em-chefe, que jamais colheu desse levante qualquer dividendo, mesmo que fosse político.

Com a missão de combater a Coluna Prestes e comandando um batalhão, vamos encontrar Abilio Wolney no dia 24 de fevereiro de 1926 na cidade de Boa Vista, ao lado de outros, na linha de frente, segundo Jorge Amado no livro O Cavaleiro da Esperança.

Acolhendo os seus parentes e conterrâneos desterrados em Barreiras, o nomeado tenente-coronel Wolney destaca como oficiais da sua Coluna os genros Antônio Pinto Póvoa, João Correia de Melo, Francisco Liberato Póvoa, João Magalhães e Coquelin Ayres Leal.

 

Da esquerda para a direita, Abilio Wolney é o primeiro da fila da frente – Foto: Acervo familiar

 

Entretanto, Abilio usava da estratégia de mandar alguém delatar que o seu batalhão estava no encalço da Coluna, de modo que os revoltosos fossem se afastando da localidade onde se encontrassem, evitando o choque armado. E assim atingia o objetivo de “empurrar” a Coluna, que adiante sairia do País.

 

Segundo Pang (1979, p. 187)

 

[…] no início de 1926, cerca de dez “batalhões patrióticos” foram organizados pelos coronéis da Bahia. Três deles tiveram um papel importante na campanha: o batalhão de Lavras Diamantina, comandado por Horácio de Matos (cerca de 1.500 homens) o batalhão Franklin Lins, do Vale Médio do São Francisco (cerca de 800 homens) e o grupo de Abilio Wolney, formado por recrutas de Barreiras e Goiás (cerca de 1.000 homens). Essas unidades recebiam dinheiro e armas do governo federal, e os oficiais e todos os outros homens receberam postos como se fossem do Exército.

 

O batalhão de Abilio só podia ser composto mesmo por homens do Nordeste goiano e de Barreiras, que era divisa. A ressalva serve para lembrar da Coluna Totó Caiado, batalhão de “voluntários” recrutados nos Municípios do Sul pelo referido e então senador da República.

Conforme o Boletim Official do jornal O Democrata, número 422, de 11/09/1925, também não tendo se confrontado com os revoltosos, a participação dos seguidores de Totó serviu mais como fator de recrutamento de eleitores para o pleito do Legislativo estadual do que para enfrentar os tenentes, desejando a manutenção do seu grupo político no poder em Goiás.

O mencionado jornal é citado por Itami Campos (1987), para quem no que se refere ao combate à Coluna Prestes, em Goiás, são graves as acusações feitas ao senador goiano por diferentes autores.

Numa carta da época, Abilio Wolney narra a seguinte ocorrência:

 

Corrente 19/12/25. Antoninho, hoje ao entrar do sol recebi seu ofício de ontem procedente como devia. Antes do seu positivo chegava o Epifânio com a ordem do comando-em-chefe para que o Esquadrão seguisse para embarcar em Pontal e o Bm. patriota para Santa Rita; tudo sem perda de tempo. Os revoltosos tomaram Urussuly e devem estar em Floriano pelo que foi alterado o plano de defesa. Em vista disso V. despacho atrasados expressos que despachou para Vitória e Urussuly e volte com o resto do pessoal trazendo os do posto. Isto por aqui, por enquanto está em perigo. O Cap. Meirelles virá com a força dele para esta Vª. José Honório continuará em suas fazendas juntando seu gado. Calcule as despesas dos soldados que ficaram e dê o dinheiro preciso a fim de nada ficarem a dever. No dia que v. saiu piorei da caxumba, só hoje estou me levantando muito abatido. Lembrança a teu pessoal, de teu sogro amigo. Abilio Wolney (Arquivo pessoal do autor).

 

A vanguarda do batalhão de Abilio Wolney combateu Djalma Dutra, Mendes de Morais e o tenente Nelson. A Coluna sob seu comando marchou na fronteira da Bahia, tiroteando quase todos os dias. O tenente Nelson, quando cortava os fios telegráficos em Uruçuí, foi atacado pelas forças de Wolney. Este, nas suas andanças, alcançou o Sul do Piauí.

Com a farda da patente, que lhe fora concedida pelo presidente Arthur Bernardes, Wolney integrava o seu aos diversos batalhões patrióticos do País, os quais empurraram a coluna para fora do Brasil, sem grandes perdas de vidas humanas. No início de 1927, após a travessia do Pantanal, parte da Coluna comandada por Siqueira Campos, que tinha o melhor destacamento, chegou ao Paraguai com o objetivo de desviar a atenção das tropas legalistas, ao passo que o restante exilou-se na Bolívia.

 

Referências

AMADO, Jorge. O Cavaleiro da Esperança. Rio de Janeiro: editora Record, 1981.

ASSIS, Wilson Rocha. Estudos de História de Goiás. Goiânia: editora Vieira, 2005.

CAMPOS, Itami. Coronelismo em Goiás. Goiânia: editora da UFG, 1987.

PANG, Eul-Soo. Coronelismo e oligarquias (1889-1943): a Bahia na Primeira República. São Paulo: Civilização Brasileira, 1979.

PÓVOA, Osvaldo Rodrigues. Inconfidências de Arquivo (O Velho Norte de Goiás). Goiânia: editora Kelps, 2006.

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