PAINEL CULTURAL

DR. ABILIO WOLNEY AIRES NETO

Apresentação do livro ‘Cidades do Meu Caminho’, de Antônio Bomfim

No livro Cidades do Meu Caminho, o poeta e escritor Antônio Bomfim descreve Brasília “no centro de um Planalto vazio, como se fosse em qualquer lugar, como se a vida fosse um perigo, como se houvesse faca no ar”. Assentado em vales severos e majestosos, o Distrito Federal é o mirante do autor que contempla os edifícios que esquartejam horizontes descontinuados no espetáculo de um entardecer qualquer, quando lentamente apagava-se o dia para dar lume ao firmamento.

Em 1761, o Marquês de Pombal, então primeiro-ministro de Portugal, propôs mudar a capital do império português para o interior do Brasil Colônia. José Bonifácio foi a primeira pessoa a se referir à futura capital do Brasil, em 1823, como “Brasília”, cuja pedra fundamental, no Morro do Centenário, foi o púlpito natural nas comemorações dos cem anos da Pátria no dia 7 de setembro de 1922.

Poucos sabem, mas as configurações do sistema de trânsito da capital federal tiveram as mãos e a acuidade do valoroso Dr. Antônio Bomfim Carvalho Teles, que nos quadros do Departamento Nacional de Trânsito (Detran) desenhou de modo compartilhado a logística da urbe, entrando pela era digital em meio aos complexos viadutos a bulevares que atravessam a plataforma da capital federal.

No colégio, aprendemos que na primeira Constituição republicana, de 1891, havia um dispositivo que previa a mudança da capital federal do Rio de Janeiro para o interior do País.

Fato interessante dessa época foi o sonho premonitório do Padre italiano São João Bosco, no qual disse ter visto uma terra de riquezas e prosperidade situada próxima a um lago e entre os paralelos 15 e 20 do Hemisfério Sul.

Naquele mesmo ano, foi nomeada a Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil, liderada pelo astrônomo Luís Cruls e integrada por médicos, geólogos e botânicos, que fizeram um levantamento sobre a topografia, o clima, a geologia, a flora, a fauna e os recursos materiais da região do Planalto Central. A área ficou conhecida como Quadrilátero Cruls e foi apresentada em 1894 ao governo republicano. A comissão designava Brasília com o nome de Vera Cruz.

Ainda com uma pitada de história, o marechal José Pessoa não imaginou o nome da capital como Brasília, mas sim Vera Cruz, de modo a caracterizar o sentimento de um povo que nasceu sob o signo da Cruz de Cristo e estabelecendo ligação com o primeiro nome dado pelos descobridores portugueses. O plano elaborado respeitava uma determinada interpretação da história e não descaracterizava as tradições brasileiras. Grandes avenidas chamar-se-iam Independência, Bandeirantes”, etc, diferentes, portanto, das atuais siglas alfanuméricas de Brasília, como W3, SQS, SCS, SMU e outras.

A capital da República foi o palco onde, no serviço público, o nosso brasileiro Bomfim deixou sua marca, escreveu obras sobre o trânsito, delineou os seus poemas, escreveu outros livros e promete retornar um dia a penates, indo morar às margens do rio da Conceição, estuário do Manoel Alves, num dos patamares da Serra Geral, porque o amor só anda de volta ao futuro, do fim para o início, pois tudo o que já foi é o começo do que vai vir, como dizia Guimarães Rosa.

Como dizia o deputado João d’Abreu, “não renegueis a vossa terra sonhando com terra alheia. É para o azul que se olha e não para a poeira do chão. E o céu é azul em qualquer terra”. Nessa nostalgia saudável o poeta apreende o mesmo opala das perspectivas, pois “azul é a parede da casa de Deus”.

O livro é um diário de quem desce o alcantil das Gerais, numa cascata de versos ternos, ganhando a planície das campinas ao aconchego da terra mãe, onde o dourado do capim nas chapadas medra entre flores e vassourinhas silvestres, desdobrados em areais extensos e alamedas de buritizais.

À frente, agiganta-se a úmbria dos promontórios na caligrafia fulgurante dos renques de palmeiras nativas que dão mata ciliar ao rio da infância do autor, como quem quer voltar seu lar, o ventre morno que o pariu para uma vida digna de ser vivida.

Cidades do Meu Caminho afigura-se um excerto de memórias de um viajante de destinos ternos, egresso de chãos próximas como distantes dos seios verdejantes dos Gerais, mimado pelo vento farto, delicado e constante, pois ainda são as abelhas em passeata que polimizam o seu destino de ser e sentir as coisas, como devem ser sentidas.

O teatro da obra se desdobra em terrenos que se amansam nos mais belos horizontes dourados em estilhas de poentes centralinos.

Por ali medra o oásis que faz nascer a encantadora Lagoa da Serra, no socalco do flanco montanhoso, dentro no parque estadual do Jalapão, como se estivesse articulado num condomínio campestre da maviosa unidade de conservação brasileira de proteção à natureza, cravada como está nos contrafortes da região Leste do Tocantins.

A tepidez das águas caracteriza região Sudeste do Tocantins, cortada por imensa teia de rios e ribeirões, todos de água límpida e transparente.

Para trás, a cidade segue, num dos flancos, a caudal dourada do rio Manoel Alves, diluindo-se nas brumas do poente morno, qual imaginário vapor de incensos em missa campal.

O Município de Rio da Conceição passou a ser capital regional das Serras Gerais, Portal do Jalapão, cuja região é considerada a principal atração turística do Estado do Tocantins, sendo que em 2008 foi gravado um reality show da Rede CBS na região chamado Survivor: Tocantins.

Em 2017, serviu de cenário para diversas cenas da novela O Outro Lado do Paraíso, da Rede Globo. Uma de suas características é a produção de artesanato de capim dourado e seda de buriti, que se tornou a principal fonte de renda para as comunidades locais e tem sido alvo de estudos e ações para garantir seu uso sustentável, ecológica e economicamente.

A região de Rio da Conceição é caracterizada por um pontilhado de oásis.

Importante enciclopédia digital observa que o Jalapão abrange, além do Município de Rio da Conceição, os de Ponte Alta do Tocantins, Mateiros, São Félix do Tocantins, Lizarda, Rio Sono, Novo Acordo, Santa Tereza do Tocantins e Lagoa do Tocantins, ocupando uma área equivalente ao Estado de Sergipe.

Matas de galeria surgem próximas de rios, cachoeiras, lagoas, dunas de areia, serras e chapadões em platôs de até 800 metros de altura.

Em bela metáfora, o palrar das araras e o beletrar do escritor ecoam na mesma vastidão das chapadas que se ondulam na curva da serrania a prumo.

Bomfim refunde obra com os seus primeiros madrigais, agora maturados na sensibilidade de cantor setentrional, como que voltando de penacho à tribo da sua infância, como quem quer um dia morrer ali ao anteparo da cordilheira monumental das Serras Gerais, alvas na crista altíssima como os cabelos do poeta, nevados de maturidade vivaz, cheio de auroras que resvalam pelos pendores, esbatendo nos Portais sem fim do seu desmedido Jalapão.

À noite, a cidade entretece um firmamento catedralesco que o menestrel pode galopar qual meteoro na vastidão vazia dos sidéreos espaços, como o fez Cruz e Souza e nós outros em concertos para o firmamento:

 

Anjos harpejam violinos em arabescos

Miríades pontilham na caligrafia dos astros…

Noutro poso, o poeta sai à janela, como se a casa ainda fosse a da infância e, ao murmúrio do riacho Prata, levanta os olhos para espiar a poeira que dorme no chão do firmamento.

Stacatus de inspiração no alvor da imensidão.

O luar clareia os pés de buritis, quase flutuando [no brejo], com seus cachos marrons amontoados.

Antemanhã, passa um vento, meio brisa, carregando tenuíssimo fragmento orvalhado de aurora, afagando o poeta com fresca inebriante…

Pássaros livres e sem medo, desatam voos matinais.

Oh, cidades do teu caminho! Começo e fim do século em que vives.

Ergue-te, Rio da Conceição, no Portal do III milênio! A sua madrugada já vai sendo devorada por um pujante amanhecer.

Acorda, Dianópolis, marco cultural do Sudeste do seu e nosso Tocantins, bela como as Dianas, berço dos índios e tumba dos mártires.

E tu, Distrito Federal do País, onde pulsa o coração do mundo, sede da Pátria maior sob o signo do Cruzeiro do Sul!

Foi assim que, “pelos seus caminhos”, Bomfim fez os seus bem aventurados destinos!

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