O trotar dos Cavalos Baio e Vermelho
Nos últimos 90 anos, o mundo já teria acabado pelo menos umas 15 vezes para os intérpretes dos textos do Apocalipse, quando sempre chamam à colação também as Centúrias de Michel de Nostradamus.
Todavia, o mundo já disse que não vai acabar assim.
Na visão profética, após contemplar toda a estrutura da organização celestial do Criador, João Evangelista vê em sua mão direita um rolo com sete selos. Em seguida Jesus Cristo (descrito como o Leão da tribo de Judá, a raiz de Davi, um cordeiro em pé, como se tivesse sido morto) tira o mesmo rolo da mão direita daquele que está assentado sobre o trono. […]
Só então os cavaleiros começam sua cavalgada após a sequência de abertura dos selos. […]
A linguagem mística do Livro da Revelação representa apenas períodos cíclicos nessa ainda gestante história da humanidade, fadada ao natural processo evolutivo no escalão de humanidade em que nos encontramos por aqui.
Ontem, os Cavalos Vermelhos da guerra pisavam os asfaltos da era nova, galgados por ginetes soberbos, ameaçando a 3ª conflagração mundial, após a qual não restaria sobrevivente, pois só os armazéns do Pentágono e da antiga União Soviética guardam artefatos atômicos suficientes para destruir o planeta, fragmentando-o em 1.000 pedaços como meteoros.
Para o efeito, rubros foguetes, intercontinentais, deflagrariam ao toque de um botão lá da Rússia, dos Estados Unidos, Inglaterra, Coreia do Norte ou China, por exemplo, os quais seriam respondidos, se houvesse vida depois deles, por iguais naves não tripuladas do respectivo adversário, mas tendo a bordo ogivas de nêutrons ou bombas de hidrogênio.
E enquanto João Evangelista contempla a perspectiva do Mar Egeu, surge-lhe no campo de vidência a cavalgadura do Cavalo Baio, amarelo esverdeado a sugerir a cor do cadáver que se decompõe.
O seu ginete portava um tridente, um alfanje e uma gadanha, decifrados como o símbolo da doença e da morte.
Em construção literária, poderíamos imaginar o potro vermelho escoiceando, relinchando na parelha com o Corcel Amarelo para chegar primeiro na corrida da estultice humana.
Justo aí, atrasou-se a guerra com a vitória da corrida por esse Cavalo Baio que nos trouxe a pandemia na abertura do seu selo nesse dealbar do século XXI.
O vírus, como general microscópico, invisível, mostrou aos pigmeus humanos que a soberba, a hegemonia dura um instante para ter os seus exércitos tripudiados em 15 dias aqui, em dois meses ali, em dois anos ou mais daqui a pouco, segundo as estatísticas mundiais da pandemia que assolou a humanidade e promete recidivas em variantes, até que novo ciclo venha dar arreios à mesma nesta amarela do livro da Revelação.
A força jacente da natureza também agiu no epílogo da Segunda Guerra Mundial, quando as condições climáticas da região da Rússia derrubaram um dos flancos dos exércitos de Hitler com o frio da estação. O general “geada” galopou praticamente o front do ditador nazista, vencido pela invernia.
Lembra-nos outro profeta na Torá que:
“Enquanto eu olhava, tronos foram colocados, e um ancião se assentou. Sua veste era branca como a neve; o cabelo era branco como a lã. Seu trono era envolto em fogo, e as rodas do trono estavam em chamas”. – (Daniel, 7:9)
Branco como o Mar de Amsterdam, mas não seria tão pacífico assim.
Desterrado pelo imperador Domiciano, João Evangelista ressurge da intimidade da caverna rochosa e vê agora um Cavalo Negro, conduzido por um ginete portando uma balança, ataviado com símbolos que traduziam a fome, as crises econômicas que ciclicamente vêm e voltam como consequências da guerra, dos rumores de guerra, da doença e da morte pela peste, que também passará ao rompão das ferraduras nos asfaltos das metrópoles de todos os Países da Terra.
Para trás, deixará penúria, fome, trocas injustas, escassez de alimentos, escuridão e planícies de plantações desertas, que aqui no Brasil se estampa nos cordões periféricos, onde quase 70 por cento da população é pobre e, com a crise, grande parte já desceu para a arquibancada abaixo da linha da pobreza.
Por fim, voltaríamos ao recomeço do ciclo apocalíptico, na abertura e fechamento dos selos.
E depois de tudo, surgiria no signo do horizonte do vidente o impávido Cavalo Branco por fora, mas por dentro cheio de ossos e podridão, galopado por um tribuno, falador, algo messiânico, inteligente, meio falso profeta que enganará a muitos ao bafejo de palavrórios, debaixo de falsa inocência, espécie de guerreiro disfarçado da paz, portando um arco, uma coroa meio mascarada contra o coronavírus, a cortejar a todos com laivos de religiosidade salvífica, ao sabor da freguesia.
Assim caminha a humanidade na roda dos acontecimentos, cuja curva da mola da história se repete, mas sempre numa volta superior, num anel acima e melhorado, nessa própria dialética do Ser criador do sistema gravitacional do universo, até que não necessitemos mais de cavalgaduras depurativas.
Uma das grandes finalidades das profecias de todos os tempos e de todos os credos é premunir para que os próprios acontecimentos sejam recebidos de modo a não nos pegar de surpresa, vale dizer, a ponto de nos permitir tomar atitudes para evitar os males vaticinados.
Esse báculo, encenado pelo regente da orquestra do universo, dentro no qual nos encontramos boiando no nosso sistema solar, nos convida às profilaxias em lugar das fatalidades.
Numa palavra, a profecia sempre vem como antevidência para tomarmos atitudes a fim de afastar o próprio mal anunciado.
O texto do Apocalipse é simbólico, pois Deus não tem mão de gente, não pode ser antropomórfico o Ser que seria a Inteligência Suprema, causa primeira de todas as coisas, Criador do Universo, cujo sistema, integrado por 100 a 400 bilhões de galáxias, apontando para trilhões delas ou bem mais é ainda relativo, a depender das objetivas dos telescópios de Monte Palomar, do Hubble em órbita ou, por exemplo, dos núcleos astronômicos do deserto do Atacama, no Chile, que nada fotografam além desse universo possível do astrofísico James Jeans, circunscrito à miopia ótica dos aparelhos que não captam nada mais que um vértice limitado dessa “poeira que dorme no chão do firmamento”, como o diria Castro Alves em um dos versos do seu poema O Século.
Há interpretações que associam esses eventos do “juízo final” com os descritos nas visões do referido profeta Daniel, que se iniciam no final das 70 semanas e cavalgam até a Grande Tribulação findando no Armagedom, mas a região não seria esta última, pois o respeitoso texto da nossa fé é simbólico na linguagem, embora de todo expressivo nas realidades que vivemos e viveremos diversas vezes a caminho da regeneração do mundo onde fomos colocados para viver e evoluir.
Para nós, os cristãos dos diversos seguimentos, não há outro remédio senão interpretar o Livro da Revelação como sendo a abertura de selos em parcelas como pílulas, em fragmentos dessa escatologia marcada por períodos, como periódicas são para a humanidade a doença e a morte, a guerra e a fome, a ilusão e a aparência do poder e dos poderosos, que caem amiúde, em todos os séculos, desde a casa dos Césares em Roma, passando pela dinastia de Bourbon na França ou do fio da guilhotina de Robespierre, que igualmente foi por ela decapitado.
O mundo não quer acabar para satisfazer pontes teológicas e interpretações ao sabor de religiosos sem ciência, pois que “fé inabalável e somente aquela que pode encarar a razão face a face em todas as épocas da humanidade”.
O “motor imóvel” de Aristóteles, o demiurgo de Platão, o Deus desconhecido dos gregos, o Deus em Jesus de Nazareth que tem presciência e juízo na sua ubiquidade, onipresença e no apanágio da onipotência para todos os credos nos aponta um princípio indutivo/dedutivo para a compreensão da sua obra e finalidade.
E a roda cíclica dos cavaleiros voltam como a tempestade que devasta os jardins do mundo para trazer, como corolário, os auto-encontros que se seguem às quedas dos cavalos, como Saulo de Tarso que caiu da montaria na entrada de Damasco, para depois seguir calçando sandálias e carregando o pó da estrada na direção do deserto de Palmira, onde estagiou por três anos no oásis de Dan, em companhia do casal de exilados Áquila e Priscila.
Nos diria o mesmo poeta da Liberdade para nós, os escravos do mundo:
“Depois o areal extenso; depois o oceano de pó; depois no horizonte imenso, desertos, desertos só… […]”.
O deserto das ruas das cidades, o regime do medo e da impotência, que é a mesma solidão de Cristo contemplando Jerusalém adormecida na noite que antecedeu a sua paixão, sozinho, aguardando, por três vezes, que se fizesse a vontade do Pai, que quase sempre não nos dá o que queremos, mas o que é melhor para nós, para a humanidade, que se desdobra num globo, cuja constatação civilizatória já mostrou ser de expiação e provas, tal a pedagogia da Providência, que nos ambientou num ninho de vida onde a felicidade só mostra a cara na fragmentação da alegria, que carece de vários momentos somados para nos propiciar relâmpagos maravilhosos, que como tal passam e requestam novos momentos, nesse pêndulo que oscila na antinomia dos polos do amor e da dor, que foi sagrada no Jardim das Oliveiras.
Devagar vamos saindo do recolhimento onde estagiamos em regime de prisão domiciliar nesses tempos de pandemia, deixando para traz uma estrada de mortos no corpo, mas vivos na alma.
Quanto ainda teremos que entender a sabedoria oriental de Confúcio, para quem “a compensação da vida está em que, para cada sonho que se não realiza, há um pesadelo que se não concretiza”.
Quantas quimeras e “devaneios tolos a nos torturar,” diz o cancioneiro popular.
Quantos “sentimentos ilhados, mortos e amordaçados, que voltam a nos incomodar”.
Como necessitamos de solitude para cogitar das grandes realidades do infinito, nós que temos o chip de memória divina e trazemos a lei do Criador tabulada na própria consciência.
E porque momento extraordinário passa esse planeta, como declama o ator Rolando Boldrin, recitando uma carta d’Além túmulo:
Em [poucos] dias todas as nações do mundo se ajoelham perante o invisível.
Nenhum dinheiro do mundo pode aplacar o medo que hoje habita os corações dos seres.
A capital mundial do dinheiro finalmente descobre que não é possível comer e respirar o ouro [E já são centenas, milhões de mortos no trotar do Cavalo Baio].
A cidade luz, [esteve] […] mergulhada nas trevas.
A cidade Eterna pare [cia] condenada a encontrar seu fim.
Enquanto isso, o Planeta Terra, organismo vivo, aproveita a ausência do homem e se cura.
Rios estão ficando cristalinos. O ar está mais puro em todo mundo e as estrelas estão mais visíveis.
Tudo em [poucos] […] dias.
Enquanto a solidariedade se destaca em alguns, outros exacerbam seu egoísmo, deixando evidente quem serão os futuros moradores da Terra regenerada.
E, que ironia, esse vírus abençoado parece não atacar animais.
O seu alvo é a raça humana.
Abençoado sim, pois nos foi ensinado que a dor é grande professora.
E quantas lições podem ser aprendidas com essa situação.
Sabemos que para o espírito na matéria é difícil ver as coisas com os olhos da alma.
Mas creiam! O que acontece nesse momento é uma oportunidade única que outros Orbes não tiveram.
A guerra nuclear era o carma da raça humana. A autodestruição o seu destino.
Mas esse planeta, tão amado por Jesus, recebeu a chance maravilhosa de ter um chamado diferente.
Em vez de se autodestruírem para aprenderem a fraternidade, se afastarão, para aprenderem na dor da solidão a importância do coletivo.
Sentirão na falta de contato humano, a importância de um abraço.
Os seus contatos virtuais não serão suficientes para aquecerem seus corações.
Dor, lágrima e sofrimento ainda serão sentidos nos próximos meses.
Mas feliz daquele que entende esse momento sublime.
No mundo espiritual, seres elevadíssimos acompanham o momento com atenção e um amor infinito.
É finalmente chegada a hora.
A Terra amada não será mais a mesma. Estamos deixando de ser um mundo de provas e expiações e entrando num mundo de regeneração.
Se pudessem ver o que vemos, veriam o espetáculo que está sendo a mudança vibratória do planeta.
Que força tem a oração!
Que força tem o pensamento!
Tudo em [poucos] dias.
O que não será possível quando esta vibração for perene?
E como é infinito o amor do Cristo!
Ele está em cada coração. Em cada oração. Em cada pensamento.
Como um pai que não abandona um filho.
Que Ser extraordinário, que um simples raio de seu olhar magnânimo seria capaz de ofuscar o próprio sol.
E esse Ser gigantesco olha para a Terra com piedade e amor.
Então, que motivo existe para ter medo?
O momento é de esperança!
O momento é de mudança!
Mudança para uma nova Era.
E também é chegada a hora de espalhar esperança.
Aqueles que têm consciência do atual momento, têm a enorme missão de levar esperança aos corações sofredores.
Quando todos estiverem com medo da morte, sejam a luz que mostra a vida eterna.
Lembrem-se dos primeiros cristãos.
[…]
Um poema de Kathleen O’Meara, escrito em 1869, parece se encaixar como luva para o momento que vivemos:
E as pessoas ficaram em casa
E leram livros e ouviram
E descansaram e se exercitaram
E fizeram arte e brincaram
E aprenderam novas maneiras de ser
E pararam
E ouviram fundo
Alguém meditou
Alguém orou
Alguém dançou
Alguém conheceu sua sombra
E as pessoas começaram a pensar de forma diferente
E pessoas se curaram
E na ausência de pessoas que viviam de maneiras ignorantes,
Perigosas, sem sentido e sem coração,
Até a Terra começou a se curar
E quando o perigo terminou
E as pessoas se encontraram
Lamentaram pelas pessoas mortas
E fizeram novas escolhas
E sonharam com novas visões
E criaram novos modos de vida
E curaram a Terra completamente.
Alguns aspectos positivos se destacam neste momento de abertura temporal e repetida de selos, pois passamos a:
Exercitar a solidariedade.
Pensar na brevidade da existência no corpo físico.
Rever valores morais.
Desapegar do que é transitório.
Renunciar a prazeres.
Retomar a vida simples.
Orar com maior frequência.
Reverência a um Poder Supremo.
Cultivo a fé.
Fortalecemos do otimismo.
Aproximamos mais da família.
Passamos a olhar um pouco mais para o outro.
Redescobrir o diálogo em casa.
Criar o hábito da leitura.
Educar o pensamento.
Disciplinar a palavra.
Reconsiderar atitudes.
Esquecer mágoas.
Combater o desperdício.
Contentar-se com pouco.
Limitar ambições.
Adaptar-se às circunstâncias.
Abandono do imediatismo.
Coibir gastos desnecessários.
Valorizar o esforço anônimo.
Zelar pela higiene pública.
Combater a poluição.
Defender a natureza.
Cuidar de um jardim.
Ouvir o canto dos pássaros.
Fazer avançar a ciência.
Incentivar a criatividade.
Descobrir a capacidade de improvisar.
Melhor proveito do tempo.
Efetivar a globalização ética.
Considerar a interdependência social.
Respeitar as diferenças.
Proteção aos mais frágeis.
Nivelar-se aos demais.
Recordar-se de deveres esquecidos.
Frear o anseio de liberdade desmedida.
Romper a carapaça do “eu”.
Mais espírito e menos matéria.
Viver com senso de imortalidade.
Amar sempre.
Segundo Albert Einstein,
“Não podemos querer que as coisas mudem, se sempre fazemos o mesmo.
A crise é a maior benção que pode acontecer às pessoas e aos Países, porque a crise traz progressos.
A criatividade nasce da angústia assim como o dia nasce da noite escura.
É na crise que nascem os inventos, os descobrimentos e as grandes estratégias. Quem supera a crise se supera a si mesmo sem ter sido superado.
Quem atribui a crise seus fracassos e penúrias, violenta seu próprio talento e respeita mais os problemas que as soluções.
A verdadeira crise, é a crise da incompetência.
O inconveniente das pessoas e dos Países é a dificuldade para encontrar as saídas e as soluções.
Sem crises não há desafios, sem desafios a vida é uma rotina, uma lenta agonia.
Sem crises não há méritos.
É na crise que aflora o melhor de cada um, porque sem crise todo vento é uma carícia.
Falar da crise é promovê-la, e calar-se na crise é exaltar o conformismo. Em vez disto, trabalhemos duro. Acabemos de uma vez com a única crise ameaçadora, que é a tragédia de não querer lutar para superá-la.”
Os dirigentes de povos vão entendendo que as Nações não têm que ser competitivas, mas cooperativas, pois logo vamos todos embora de volta pra casa, de onde viemos, após termos renascido da barriga de uma mulher, embora já fôssemos grandes, como no diálogo de Cristo com Nicodemus, integrante de uma das […] cadeiras do Sinédrio […].
Vivamos como o homem no mundo, que aprendeu a viver para saber morrer, pois, dizia Guimarães Rosa: “A nossa morte está publicada em ‘Edital’.”.
Aprendamos a matar a morte, com a vida que prossegue na direção de onde só há vida.
Na Ágora, dizia Sócrates aos juízes, que o condenaram à morte: “Ainda hoje estarei como Homero com Ulisses, com Virgílio…”.
Ultratumba, nos voltou famoso médico sanitarista brasileiro para nos dizer que:
Uma existência é um ato.
Um corpo – uma veste.
Um século – um dia.
Um serviço – uma experiência.
Um triunfo – uma aquisição.
Uma morte – um sopro renovador.
Então a equação poderia ser fechada, como recomenda Joanna de Ângelis:
Vive de tal forma que deixes pegadas luminosas no caminho percorrido, como estrelas apontando o rumo da felicidade e não deixes ninguém afastar-se de ti sem que leve um traço de bondade, ou um sinal de paz da tua vida.
[2021
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2 Comentários
Doutor Abilio, que pérola esse seu texto. Estou encantada. Muito obrigada. Vou compartilhar com o grupo que participo, de estudos espíritas!
Mente criativa, estilo literário rico, abundante vocabulário, e faz das informações bem como reflexão crítica sobre a situação política.
Aplausos, ‘auguri’!