PAINEL CULTURAL

DR. ABILIO WOLNEY AIRES NETO

DR. ABILIO WOLNEY AIRES NETO é juiz de Direito titular da 9ª Vara Cível de Goiânia-GO.; graduando em Filosofia e em História; e, acadêmico de Jornalismo; autor de 15 livros de história regional, poemas, crônicas e Direito; ocupante de cadeiras no Instituto Histórico e Geográfico de Goiás (IHGG), Instituto Cultural e Educacional Bernardo Élis (ICEBE), na Academia Goiana de Letras (AGL), Academia Goianiense de Letras (AGnL), Academia Dianopolina de Letras (ADL), Academia Aguaslindense de Letras (ALETRAS); e, membro da União Brasileira de Escritores (UBE-GO) – Seção Goiás; e, do Gabinete Literário Goyano. Contatos: @AbiliowolneyYouTube

Livro ‘Musa Inquieta’, de Weimar Muniz, é arte universal

Arte universal, nas palavras do autor, para quem toda arte verdadeira é uma manifestação da alma, para quem as formas só têm valor na razão que expressam o espírito interno do homem, certo que a beleza é o florescer da virtude. Em si, a obra do esteta não poderia comportar imortalidade sem sair, por isso mesmo, do domínio da arte, que é o da serenidade, mesmo na pintura das paixões.

A verdadeira arte, com votos de universalidade, alheia aos seus naturais atributos – estética e ética, que se equivalem ao belo e ao bem, requesta o ritmo. A intuição e o intelecto se relacionam com a percepção e o pensamento de uma forma um tanto complexa, porque não há como dissociar o corpo físico de sua essência –, a alma –, para que se tenha o homem integral.

É com essa sonoridade que o autor nos mergulha em suas páginas maviosas, no anelo dos que vieram do campo das ideias, porquanto existíamos lá, já dizia Platão, anotando Sócrates. No triclínio da Renascença, os divãs são dispostos em volta da mesa dos poeta, bardos, menestréis, ou da musa, inquieta no carrefour das luzes, como o fora a França no trânsito dos séculos medievais.

O mundo carece do pendor revolucionário na sede do Coração do Brasil, pátria egressa de todas as Europas do velho mundo. O neo-renascimento começa na pena fulgarante do nosso poeta inquieto, no recesso de uma mansarda aconchegante, decorada pela cultura de livros de toda ordem, onde bateia esta pérola, e que não sejam os seus últimos versos na viatura física.

A providência está a conceder-lhe prazo indeterminado, pois sempre o encontrou a serviço do bem, da família e do próximo. Depois, a genialidade lapidar de quase duas dezenas de livros paridos à humanidade do 3º milênio, sem modéstia o permitiria reescrever o verso de “mocidade e morte”, articulando com o poeta da liberdade:

Eu sinto em mim o borbulhar do gênio, vejo além um futuro radiante: Avante! – brada-me o talento n’alma. E o eco ao longe me repete – avante! – O futuro… O futuro… No seu seio… Entre louros e bênçãos dorme a glória! Após – um nome do universo n’alma, um nome escrito no Panteon da história.

Dessas mãos do escritor fluem “deduções de ordem filosófica, transcendental, sem descurar das induções de natureza científica”, nada obstante a sua postura franciscana. Os fatores poéticos, que sofreram influência, ao longo de mais de cinco décadas, assumidamente o fazem medrar no estilo romântico-parnasiano, algo condoreiro, embora desprendido de qualquer escola literária, dado o estilo próprio, inconfundível, como se percebe.

Assumidamente, “o estilo é o homem”, já dizia Buffon, e nesse passo defluem a sua espontaneidade, conteúdo e ritmo, sem prescindir das rimas, a maioria ricas na retórica e no conteúdo. Em versos brancos, belos como os líricos, faz parelha com José de Alencar e Fagundes Varela, cada qual no seu tempo e estilo, assim como o astro, devorado “pelo temporal da noite”, “dormindo no infinito seio do Criador dos seres!”.

Arroubos d’alma, como em Vicente Carvalho, onde “tange o sino no caixão dourado, como em berço de outro”, ou no percutir da poesia em prosa, com o legendário Cruz e Souza, que viaja na direção do empíreo: “Sol, rei astral, deus dos sidéreos Azuis, que fazem cantar de luz os prados verdes […] Lá do alto, zimbório catedralesco de onde refulge e triunfas, ouve esta Oração que te consagro neste branco Missal da excelsa Religião da Arte, esmaltado no marfim ebúrneo das iluminuras do Pensamento…”.

A nossa estrela de 5ª grandeza, que de tão pequena orbita Alcíone, estrela alfa da constelação do Touro, na escumilha das Plêiades, viajando num dossel de sistemas, ambientando-se num universo possível ainda restrito às lentes míopes da Terra, nas objetivas do Monte Palomar ou nos observatórios astronômicos do deserto do Atacama, ampliadas pelo Hublle em órbita da terra há quase 30 anos.

Sol que galopa num sendal de estrelas dentro da Via Láctea, contando aos bilhões no bojo central da galáxia, que não passa de mais uma dentre outras centenas de milhões, quando “apaga-se o dia e acende o firmamento”. Como o diria o poeta da liberdade: “Poeira que dorme no chão do firmamento…”.

Oh, sistema solar! Tu que mergulha todo na camada de fótons de outro sistema, viagem interestelar em périplos de 25.000 anos, ambientando-se no magnetismo da Transição Planetária, título de um dos livros do mesmo autor. Porque a arte dos homens haverá de refletir, forçosamente, com relativa imperfeição, a música dos astros, lembra o autor.

Esse “momento histórico, de revisão energética, holística e quântica” de mudanças sociais e políticas na Pátria do Cruzeiro, com reflexos inevitáveis na poesia e na música, um novo cinzel nas mãos do esteta, um renascer das cinzas da civilização secularizada, vencendo a ambição, a concorrência ilusória num mundo competitivo e não cooperativo, uma mutatio intelectual.

Assume o autor os peregrinos atributos da poética, que escondem sensibilidade, sentimento e cadência. Há nele alguma feição machadiana e os pendores de Humberto de Campos, onde se destacam cardeais atributos da Arte, na sinfônica musicalidade dessas irmãs entrelaçadas.

Weimar enfeixa um festival de grandes poetas da língua portuguesa, agregados de lusitanos como Antero de Quental, João de Deus e Fernando Pessoa em cantantes poemas de vates imortais.

Afrontar séculos vindouros com uma literatura de cunho universalista, quando as coletividades humanas vivem, em todas as Nações, a transição do mundo no campo das artes, das concepções do espírito, quando recrudescem o materialismo e o apego às coisas transitórias do mundo, lembra o autor, lembrando as benesses que nos qualificam ou acúleos ferinos e os frutos amargos da semeadura ruim. Pois é no terreno das artes e da beleza da literatura que exsurgem a música e a poesia inspiradoras do panteão grego, na musa de Euterpe.

Desafia-nos a evidente decadência moral no dealbar o 3º milênio. “Como natural reação, num ambiente tão adverso, a literatura, que traduz, no campo da arte, da concepção do espírito, o pensamento e o sentir das coletividades de todas as Nações do orbe, não tem como fugir a tão indesejados efeitos”.

Carecemos de assuntos humanísticos e de musicalidade que encantem. Virgílio, Homero, não usavam rima, embora Virgílio tenha assonância admiráveis, como lembra o autor. Poemas épicos, de lirismo, forma e beleza em belíssimos decassílabos, como em Os Lusíadas.

O autor faz-nos lembrar o visionário da ilha de Patmos: vê no signo do horizonte um mundo em transição global, convulsões geológicas, o parto de uma nova ordem mundial, novos paradigmas em todas as atividades humanos, mormente no campo da arte, literatura, poesia e música – essas irmãs de mãos dadas, uma nova Renascença em todas as atividades humanas.

Verbera o “modernismo na literatura, e nos demais setores da arte como efeito de uma sociedade que terá de mudar de rumo, em adoção à Lei de Progresso, em todo o Universo, a que todos, sem exceção, estamos sujeitos” e nesse parto de ideias forma um arquipélago de poemas, arrojando mar a dentro em correntes significantes no espaço das artes, expungindo a literatura dos travadores dos seus tradicionais e exemplares atributos.

Em Sentimentos do Senhor, o mestre vê em cada rosto macerado um diamante em hibernação e, no vocativo da sua Prece ao Criador agradece pela inteligência, pela temperança e ainda pela crença com que foi contemplado.

“Vestida de Luz” é a mulher do seu amor, par da sua existência, alma gêmea de sua alma, sentida como o frescor da sutil brisa marítima, o perfume das rosas mais rubras, o sabor do néctar mais imponderável da natureza. Em suas “Reflexões” vê de outro lado a perspectiva do além, quando a vida não seria de se querer vivê-la, se não fora a individualidade da alma, em verdadeira “ascensão anímica” como instrumentação do progresso nessa ascese espiritual colimando “a eternidade” que jaz no inconsciente de cada um.

“Fé” robusta não se improvisa. Adquire-se com o tempo e com a experiência. Mais que se perceber segura é sentir-se seguro – afirma o autor que em Confrontos lança o repto de suas indagações: Por que, à medida que o corpo enfraquece a alma se fortalece? E faz uma “Ponderação”: sejam quais sejam as dores, os obstáculos, quais sejam, só se deve agradecer ao mar os que pelejam, pois os “Andrajos” resignados na Terra, constituem, às vezes, luzes brilhantes no céu! Respinga Cruz e Sousa: “Vai! Sonhador das nobres reverências! A alma de fé tem dessas florescências, mesmo da morte ressuscita e brilha!”.

Na poemática do crepúsculo de uma era que transita para a retomada do esteta, fulge na vésper solitária desse entardecer a mesma d’alva do amanhecer em “veros brancos, sem agredir o que se tem conquistado, até hoje, na literatura pátria”. Uma cascata de sonoridade lírica inaugura a quarta parte da obra em versos maviosos:

Oh! Alma branda, “gêmea de minh’alma”,

Que dos que adoro é um ser sem par…

Dos seres todos do Universo

É neste verso que eu a quero amar.

Uma ode às Cataratas do Iguaçu:

Da Nação, no Sul és o estandarte,

Dos rios de suas quedas és realeza;

Da paisagem, o engenho e arte

São todos o orgulho e a nobreza!

[…]

E vós, Tarobá, da palmeira erguida,

Sacudi da torrente brava, a morte

E exibi ao mundo o belo porte!

 

E “Devassando o Interior”, canta, idealista:

Como bravo corcel – em rude arpejo,

Na íngreme subida, de ida e vinda,

É assim que me sinto e antevejo:

Minh’alma iníqua e áspera inda!

Até quando o torvo caminhar,

E, ao lado da lei, pugnar, subir,

Aos paramos sublimes conseguir?

 

Em Pesadelo Planetário, a retórica imprecativa:

E, vós, vulcões, e tectônicas dormentes,

Que viveis pesadelos permanentes,

Quedai-vos ainda sem vos despertar,

Até que possais, juntos – mar e ar,

Dar início à necessária mutação,

Que, na Terra, não será em vão!…

Weimar Muniz lustrou a magistratura goiana com uma carreira completa no primeiro grau. Em sua Oração aos Moços, Rui Barbosa destacava “a mais eminente das profissões, a que um homem se pode entregar neste mundo. Essa elevação o impressionava seriamente […], porque a ninguém importa mais do que à magistratura fugir do medo, esquivar humilhações, e não conhecer covardia. Todo o bom magistrado tem muito de heroico em si mesmo, na pureza imaculada e na plácida rigidez, que a nada se dobre, e de nada se tema, senão da outra justiça, assente, cá embaixo, na consciência das nações, e culminante, lá em cima, no juízo divino.

E obtempera o Águia de Haia:

Nem receeis soberanias da terra: nem a do povo, nem a do poder. O povo é uma torrente, que rara vez se não deixa conter pelas ações magnânimas. A intrepidez do juiz, como a bravura do soldado, o arrebata e fascina. Os governos investem contra a justiça, provocam e desrespeitam a Tribunais; mas, por mais que lhes espumem contra as sentenças, quando justas, não terão, por muito tempo, a cabeça erguida em ameaça ou desobediência diante dos magistrados, que os enfrentem com dignidade e firmeza”.

Entre dois amores, inquietou-se o autor na breve trova, onde explica o escalão da existência, quando terminou a carreira da magistratura e inaugurou o caminho de outra semeadura:

Oh, Bela, como te amei – oh, Diana!

De um doce amor, que sempre dura,

Por ti, oh, Excelsa Magistratura!…

Ao deixar-te, porém, Soberana,

Busquei outra amante, com ardor:

– a Boa Nova – o Consolador!

A renúncia a uma cadeira de desembargador no Tribunal do Estado foi uma espécie de “Preparar para a volta inevitável, que se dará, Deus sabe a hora e o dia, no cântico ‘Corpo e Alma’”. Entesourou do que foi sabedoria, no alforje de bens, que se irradia!

Qual menestrel, em recital de noite alta, volta a encantar a sua amada, qual serenata, despejando “pétalas acetinadas” ao pé da janela:

Tu és a pétala acetinada

Das flores mais sutis do meu jardim!

Os olores rescendem para mim

O mais doce perfume da balada!

Se vem a Primavera, em florada,

Com tufos de arbustos, em cetim,

Que me envolvem, sensíveis, enfim…,

Transfundem-me o teu odor, amada!

 

É como o sentir no diapasão em soneto com Gonçalves Crespo:

Não tardes, flor; a aldeia nos espera,

Chovem aromas dos folhudos ramos:

Suspensas do meu braço, eia! Partamos!

Olha-nos Deus da cristalina esfera.

Nas manhãs da passada primavera

Com que delícia nos amamos!

Iremos ver os nomes quetraçamos

No rude tronco em que se enlaça a hera.

 

O autor é um trabalhador da seara do bem: “Trabalho! Divinal virtude nas tormentas, que tudo se inventa para nas mãos retê-lo, pois é para contê-lo, que se deve expor! Ah! Senhor! Se tu soubesses quanta saudade, desde quando tu partiste, há dois mil anos, quase… Se tu soubesses, Senhor, quantos organismos internacionais se criaram, com o intuito de preservar, em vão, os direitos da humana criatura… Mas, tu sabes de tudo isso, Senhor, eu sei…”.

 

Silêncio… Oh, música, que purifica, que eleva, que enternece, é desde mundo natural? Donde vens, oh, música? Vens, acaso, de um mundo sideral? À velocidade do pensamento, procurando na superfície e nos ares, no seio das montanhas procurei-O. Procurei-O no coração dos mares. Mas, não O encontrando em qualquer momento, nas profundezas da Terra busquei-O. Perseguindo-O e não O vendo ainda, ao satélite terrestre viajei, símbolo poético, de beleza infinda, onde também nada encontrando, ao Sistema Solar eu me lancei, no infinito Universo aprofundado. E, por jamais ter condições de vê-LO, decidi-me afundar nas nebulosas, na ânsia incontida de retê-LO. Mas, devassando universos, afora, em velocidade assaz vertiginosas, repassando o passado e o futuro agora, foi que, em parte alguma O achando, pude descrer da utópica viagem… Onde Ele estaria? Hoje? Ontem? Quando? Da criação imensa em que paragem? E, perscrutando, e já surpreso, assim, foi que descobri Deus dentro de mim!

Silêncio, musa! A exemplo de Alcíone, altiva e bela, a bem de Pólux, seu grande amor, descestes também às brumas em tela deste mundo, um plano de amargor! Agradeço-vos o ato de bravura, a celeste corte, com muito ardor! Agradeço-vos a real ternura que por mim tendes, meu puro amor! Vai até ela, modesta musa, nas amplas asas do Condor, que não nega nem recusa a ela levar as juras de amor!

As duas irmãs: uma, com os seus dois belos olhos verdes! Outra, um pingo d’água na folha do inhame! Das duas, qual a mais bela? A dos dois belos olhos verdes? A do pingo d’água na folha do inhame? Para mim, todas são belas: uma, alourada, reflete a flor! Outras, mais amena, reflete o amor!…

Elegia ao Mar: tu, que encantas, que assustas, que embelezas, pelo poder que ostentas; que incute pavor, ouve, mar, o meu clamor!

Retomando o viés analítico, em “temas correlatos”, o autor reivindica os pressupostos estéticos, éticos e rítmicos, prescindindo das produções dissonantes, que depreciam as tradições culturais do mundo, afora o ponderável em primazia, em prejuízo do que deveria ser primacial: o cultivo do espírito, ressalvando-se um Sócrates em Platão, um René Descartes e um Emmanuel Kant.

Refere-se a Albert Einstein, Stephen Hawking para destacar os físicos quânticos, entre os quais Fritjof Capra, Amit Goswami e Brian Greene, remitindo às suas deduções filosóficas e induções científicas da existência de Deus, onde cuida dialeticamente da decadência da arte em seu conceito universal, trabalhando a ética e a estética na poesia, a excursão pela música e a arte da intuição, nesse inevitável iluminismo dos tempos novos.

É profética, a sua visão. Abre o autor um livro da revelação na solidão do seu gabinete literário, decorado pela cultura de livros que repõem a vasta bibliografia, à busca dessa captação do insondável, intuitivamente superando estetas de caricaturas, no mesmo refrão de que “as artes não sairão do torpor em que jazem senão por meio de uma reação no sentido de ideias espiritualistas”, arrematando com Romanelli: “Homem! Sobrepõe-te, por um instante, às solicitações do teu corpo e detém-te na consideração de teu próprio mistério”. “Em verdade, nada vê, senão aparências da realidade, manifestações fenomênicas do conteúdo íntimo e incógnito das coisas”.

Como um repto, o autor lança indagações: Onde os símiles contemporâneos, na poesia e na música, cujo surto dera-se nos séculos dezoito e dezenove, principalmente? Onde a beleza latina dos poemas que se espalharam no planeta no arquipélago de estrelas como Castro Alves, Machado de Assis, Raimundo Correa, Cruz e Souza ou dos portugueses Luiz de Camões, Antero de Quental, Fernando Pessoa ou ainda do glamour dos germânicos Goethe e Schiller, sem se esquecer dos franceses Victor Hugo, Lamartine, Paul Verlaine e René de Chateaubriand.

Onde, dos poetas castelhanos: Miguel de Cervantes, Manuel Machado e Dâmaso Alonso ou dos ingleses William Wordsworth, Walter Scott, Lord Byron, a par dos americanos Ralph Waldo Emerson, Edgar Allan Poe etc. Enfim, onde a musicalidade que encanta os corações, dos poemas dos mais eminentes vates da literatura mundial? Onde se esconderam o labor planbgente desses astros? Há símiles deles nas escolas contemporâneas? Quais? Fecha o autor com essa problematização do tema, entrecho da sua obra Musa Inquieta, auscultando a beleza melódica e sinfônica dos Beethovens, dos Mozares, dos Händels, dos Vivaldis, dos Bachs, dos Georgs Telemanns, dentre muitos.

Numa erguida, projeta Ralph Waldo, para quem “a poesia é um esforço permanente da alma para exprimir, com beleza, as coisas, ir mais além da pedra bruta e procurar a vida e a causa da existência.

E cogita: não estaríamos, neste final de ciclo planetário (o 5º ciclo do 5º período geológico), de profundas consequências sociais e políticas, vivendo, de fato, uma fase histórica de inegável decadência das artes, em todos os seus seguimentos, em razão das mentes vazias em que nos estagiamos? Não se faria urgente uma reação cultural, admitindo-se a necessidade inadiável de uma nova renascença, como ocorrera com a renascença italiana, com respingos em toda a Europa, e, depois, com o tempo, em todos os continentes do orbe? Num mundo onde o materialismo campeia, fazendo-se acompanhar de todas as mazelas morais, onde evitar-se, oportunamente, o influxo de um novo renascimento?

Em amenidades, o bardo de Florbela Espanca:

Ser poeta é ser mais alto,

É ser maior do que os homens!

Morder como quem beija!

É ser mendigo e dar como quem seja

Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor

E não saber sequer que se deseja!

É ter cá dentro um astro que flameja

É ter garras e asas de condor!

É ter fome, e ter sede de Infinito!

Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim…

É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente…

É seres alma, e sangue, e vida em mim

E dizê-lo cantando a toda a gente!

Porque staccatos e elevações – arremata – sempre se harmonizam na música; montanhas e baixios, sempre em sintonia com Natureza, na excursão pelas paisagens terrestres, também se sintonizam.

Na sua excursão pela música, Weimar Muniz nos lembra que a harmonia se constrói da soma das partes, em variações diversificadas: umas mais vivazes e outras mais lentas, assim também, na excursão pela face da terra, percorrendo paisagens variadas, o conjunto do “tour” se compõe de todos os painéis percorridos, suscitando profundas reflexões ao ser humano. E declama, ele mesmo como um menestrel: a formula perseguida para que se espanque da arte a monotonia. É o sofrimento a edificar a ventura. É a dor a construir nos corações o amor. É a treva, antecâmara da luz. É a diversidade a enriquecer a uniformidade, a harmonia da natureza; ora a paisagem se cobre de intensa verdura, ora de aridez desértica; ora despenca-se aos baixios, para o vale soturno, de sombria e sepulcral comoção; ora se apruma às montanhas altivas, verdejantes umas, outras não; ora se embrenha nas matas, ora se afunda nos rios, lagos e mares; ora perambula pelos pântanos, ora pelos desertos; ora o mistério, ora o medo, ora a alegria, ora a tristeza.

Fundamenta-se em Gioachino Rossini, compositor italiano (1792-1868), inserido em Obras Póstumas pelo Codificador ao assegurar que:

O éter vibra sob a ação da vontade do espírito; a harmonia que este último traz em si, concretiza-se, por assim dizer; evola-se, doce e suave, como o perfume da violeta, ou ruge como a tempestade, ou estala como raio, ou solta queixumes como a brisa. É rápida qual relâmpago, ou lenta como a neblina; é precipitada qual catarata, ou calma como lago; murmura como um regato, ou ronca como uma torrente. Ora apresenta a rudeza agreste das montanhas, ora a frescura de um oásis; é alternativamente triste e melancólica como a noite, leda e jovial como o dia; caprichosa como a criança, consoladora como uma mãe e protetora como um pai; desordenada como a paixão, límpida como o amor e grandiosa como a Natureza. Quando chega a este último terreno, confunde-se com a prece, glorifica a Deus e leva ao arroubamento aquele mesmo que a produz ou concebe”.

Ergue-se, no fecho da excursão, com duas concepções apoteóticas do imo da alma humana, com a musa de decantado simbolista brasileiro, o maior lírico da literatura mundial – Cruz e Souza – no harpejo da sua A Harpa:

Prende, arrebada, enleva, atrai, consola

A harpa tangida por convulsos dedos;

Vivem nela mistérios e segredos,

É berceuse, é balada, é barcarola.

Harmonia nervosa que desola,

Vento noturno dentre os arvoredos

A erguer fantasmas e secretos medos

Nas suas cordas um soluço rola…

Tu’alma é como esta harpa peregrina,

Que tem sabor de música divina

E só pelos eleitos é tangida.

Harpa dos céus que pelos céus murmura

E que enche os céus da música mais pura,

Como de uma saudade indefinida.

Porquanto “o artista, de um modo geral, vive quase sempre mais na esfera espiritual que propriamente no plano terrestre…”, fraseologia com a qual inaugura o texto “Arte e intuição”, constante do seu livro “Renascimento da Arte à Luz da 3ª Revelação”. E com Descartes, declara que “a humanidade não tem nenhum caminho para o conhecimento infalível, exceto os da intuição manifesta e da necessária dedução”, porque o mesmo René pontifica: “De sorte que este eu, isto é, a alma, pela qual sou o que sou, é inteiramente distinta do corpo e até mais fácil de conhecer que este; e embora não existisse o corpo, ela não deixaria de ser o que é (Discours de la méthode)”.

Conta Goethe, em Cartas a uma Criança que Beethoven, falando sobre a fonte de onde vinha a concepção de suas obras-primas, dizia a Bettina: “Sinto-me forçada a deixar transbordarem de todos os lados as ondas de harmonia provindas do foco da inspiração. Tento segui-las e as tomo apaixonadamente; novamente elas me escapam e desaparecem por entre a multidão de distrações que me rodeiam. Mas em pouco tempo novamente me apodero da inspiração com ardor; encantado, multiplico todas as modulações, e no último momento triunfo com o primeiro pensamento musical. Devo viver só, comigo mesmo. Sei bem que Deus e os anjos estão mais perto de mim, de minha arte, do que os outros. Comunico-me com eles e sem medo. A música é uma das entradas espirituais às esferas superiores da inteligência”.

Schiller, lembra Weimar Muniz, “declarou que seus mais belos pensamentos não eram de sua própria criação; vinham-lhe tão apressadamente e com tal força que ele sentia dificuldades em agarrá-los bastante rapidamente a fim de transcrevê-los”.

Mozart, por seu lado, em uma de suas cartas a um amigo íntimo em 1845, observa: “Quando estou bem disposto e completamente só, durante meus passeios, os pensamentos musicais vêm a mim em abundância. Não seu de onde vêm esses pensamentos, nem como me chegam. Minha vontade não me governa”.

Então, o autor arremata: “E que fonte cristalina da eterna Beleza do sempiterno Bem tem seu nascedouro em plagas não sujeitas às intempéries e inconstâncias próprias de um mundo transitório, que sempre tem recebido, ao longo dos ciclos planetários, o auxílio e o beneplácito da assistência dos Espíritos Superiores”.

E no final do seu esboço poético, o autor lança o poema Musa Sonora, Inquieta, homônimo da obra, num estilo clássico, lírico e moderno, a um só tempo, com os predicativos da arte renascedora:

Minha dileta Musa Sonora, Inquieta!

Não posso conceber-vos, inerme,

Nos corredores e gabinetes das academias!…

Não posso ver-vos alheia ao “Engenho e Arte”

Que devem persistir na Língua Portuguesa:

“Última flor do Lácio, inculta e bela!…”

Não creio que possais deixar-vos,

Musa Sonora, Inquieta,

Contaminar pelo exagero de movimentos literários que vos desnaturam!…

Não creio que vos deixais levar, Musa Sonora, Inquieta,

Pelo pensamento aristotélico, que admite a exclusividade da estética,

Com exclusão da ética!

Mas, ao contrário, creio

Que tudo haveis de fazer para preservar o conceito platônico,

E assentir que não há Arte destituída de ética!…

Creio que haveis de rechaçar as deturpações que se têm feito na intimidade

Da vera poesia, sob o pálio de concepções de ínvios movimentos modernistas!…

Creio, Musa Sonora, Inquieta, que tudo fareis para que a poética permaneça

Como sempre: o reflexo da música das esferas!…

E por aí viaja em versos que se seguem suaves e majestosos, especiosos e graves nesse diapasão de admoestar e compor na direção das estrelas.

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