PAINEL CULTURAL

DR. ABILIO WOLNEY AIRES NETO

DR. ABILIO WOLNEY AIRES NETO é juiz de Direito titular da 9ª Vara Cível de Goiânia-GO.; graduando em Filosofia e em História; e, acadêmico de Jornalismo; autor de 15 livros de história regional, poemas, crônicas e Direito; ocupante de cadeiras no Instituto Histórico e Geográfico de Goiás (IHGG), Instituto Cultural e Educacional Bernardo Élis (ICEBE), na Academia Goiana de Letras (AGL), Academia Goianiense de Letras (AGnL), Academia Dianopolina de Letras (ADL), Academia Aguaslindense de Letras (ALETRAS); e, membro da União Brasileira de Escritores (UBE-GO) – Seção Goiás; e, do Gabinete Literário Goyano. Contatos: @AbiliowolneyYouTube

‘O DIÁRIO DE Abílio Wolney’ [V – O SEGUNDO MANDATO DE DEPUTADO ESTADUAL

[Em diferentes edições e capítulos, o JORNAL CIDADE publica O DIÁRIO DE Abílio Wolney, livro do articulista Abilio Wolney Aires Neto, lançado pela editora Kelps (Goiânia-GO.), em 2009

 

V – O SEGUNDO MANDATO DE DEPUTADO ESTADUAL

 

Em 12 de agosto de 1901, havia sido eleito Presidente do Estado de Goiás o jovem Des. José Xavier de Almeida, graças ao decidido apoio dos Bulhões, por seu líder maior, o Senador de República José Leopoldo de Bulhões, chefe do recém criado Partido Centro-Republicano.

A ascensão política do novo Presidente, com mandato para 1901-1905, foi decorrência da sua habilidade de inteligente articulador nos dois últimos governos anteriores, nos quais foi Secretário do Interior e Justiça e Secretário Geral do Partido Republicano de Goiás, o que despertou a amizade e admiração de Leopoldo de Bulhões, que já o tutelava desde os tempos dos seus estudos universitários, preparando-o para ser um aliado forte e promissor.

O Deputado Abílio Wolney se fizera coligado a Xavier de Almeida, porquanto referendado por Leopoldo de Bulhões, seu amigo e correligionário de sempre.

Acontece que Xavier de Almeida, já no poder, havia ingressado pelo casamento na família Lopes de Moraes, formada por ricos fazendeiros de Morrinhos, que se fizeram aliados de Totó Caiado, que, por sua vez, tinha no grupo o seu pai Torquato Ramos Caiado, os seus três irmãos referidos, Arnulfo Ramos Caiado, Leão di Ramos Caiado e Brasil di Ramos Caiado, netos do Tenente-Coronel e Senador da República, Antônio José Caiado. A esse tronco familiar estavam unificados pelo casamento outros políticos influentes, a exemplo de João Alves de Castro, os irmãos deste, o cunhado Ovídio Abrantes, Deputado Federal, filho do Marechal Braz Abrantes, além de políticos de expressão como Luiz Gonzaga Jayme, S. Fleury Curado, Luiz Guedes de Amorim, Miguel da Rocha Lima e Hermenegildo Lopes de Moraes.

Almejando o controle máximo da política goiana, Xavier de Almeida vai aos poucos se afastando dos Bulhões, que o elegeram, e com eles se rompe definitivamente. Por meio da “política do congraçamento”, Xavier de Almeida coliga-se com os antigos adversários, com os quais cria, em março de 1904, o Partido Republicano Federal de Goiás.

Para uma das Secretaria do Governo, Xavier de Almeida nomeia o então advogado João Alves de Castro, que será cunhado de Totó Caiado. [63

Em maio de 1904, reuniu-se um grupo de chefes políticos em Natividade [64, que queriam fazer oposição ao presidente Xavier de Almeida. Abílio e o seu tio, Cel. Francelino Teles, foram barrados na entrada do cômodo da reunião, havendo o rompimento, pois Abílio apoiava Xavier de Almeida e não era cabível naquela conspiração.

Dali, Abílio e o tio dirigiram-se incontinenti à capital, Cidade de Goiás, aonde chegaram em julho hospedando-se na casa do Desembargador Gonzaga Jaime, que também havia se aliado ao novo grupo xavierista. No mesmo dia, Abílio foi recebido pelo Presidente Xavier de Almeida. Conversaram e tomaram decisões importantes.

Integrava-se o chamado grupo “Gonzaga Jaime”, cuja influência seria levada ao norte de Goiás.

Nomeado Administrador da Mesa de Rendas do Norte de Goiás, com sede em Santa Maria de Taguatinga, Abílio retornaria trazendo instruções e correspondências para serem distribuídas a todos os chefes políticos do interior.

Formando uma imponente caravana, o Presidente Xavier de Almeida, seu secretariado, desembargadores e amigos influentes, acompanharam o Cel. Abílio Wolney até meia légua fora da capital, dispensando-lhe pompa e solenidade, como se se tratasse de um chefe de Estado.

Algo constrangedor, porém, incomodava Abílio. Dentro da caravana do Presidente, encontrava-se Antônio Ramos Caiado (Totó), que fora oposição na eleição de Xavier, e estava ali integrando o Governo, nomeado pelo próprio Xavier de Almeida, em 1904, como Secretário do Interior, Justiça e Segurança Pública.

Traindo Leopoldo de Bulhões, que o elegera, e amarrando-se à família Caiado, Xavier de Almeida cria novo grupo que vai consolidar o seu mando em Goiás, construindo alianças vantajosas também em âmbito federal, durante o governo de Rodrigues Alves. Com o Executivo em suas mãos e contando com o apoio das principais forças políticas de Goiás – organizadas na nova agremiação partidária – procurou Xavier de Almeida assegurar seu domínio elegendo com a influência da máquina administrativa a maciça maioria dos Deputados Estaduais nas eleições de 1904, cujos parlamentares

seriam outra base de sustentação do grupo pelo menos até 1909.

Em texto avulso, que se traz para o Diário, narra Abílio Wolney:

 

Em 1904, presidia o Estado o Desembargador José Xavier d’Almeida, moço dos seus trinta e pouco anos, eleito pelo Partido Centro-Republicano, chefiado pelo Dr. Leopoldo de Bulhões que protegia esse moço desde sua saída da academia de S. Paulo.

Desinteligências entre o jovem Presidente e Chefes importantes do Partido, e mais que isso, o desejo do supremo mando, da chefia do mesmo Partido, provocaram o rompimento de Xavier com o seu chefe benfeitor. Não demora a convencer-se de sua inferioridade, busca o apoio do Desembargador Jaime, chefe oposicionista de grande prestígio e conceito, e com esse valioso concurso triunfa sobre Bulhões, mesmo como Ministro da Fazenda que era no Governo de Rodrigues Alves. Bulhões continua Ministro e depois Presidente do Banco do Brasil, deixando-se ficar no Rio.

Xavier termina o seu período governamental, é eleito Deputado Federal e vai para o Rio também, ficando no Governo do Estado, como Presidente, o Cel. Miguel da Rocha Lima [65 e na direção do Partido o Desembargador Jaime.

Em 1907, cogitando-se de candidaturas ao Congresso, Rocha Lima levanta a de Jaime para Senador e quase todos os chefes políticos do Estado aceitaram-na, indicando-a ao Diretório Central.

Por meados de 1908, Xavier volta a Goiás, é recebido triunfalmente, recebe de Jaime o Partido arregimentado e forte e julga-se senhor de Goiás. Influi no Diretório do Partido Republicano e este, por sete votos recusa a candidatura Jaime e lança a de Xavier.

 

Vamos adiante.

Para novo Presidente do Estado, no mandato compreendido entre 1905-1909, Xavier de Almeida consegue eleger seu sucessor o Cel. Miguel da Rocha Lima.

Nessa época, o Senador Leopoldo de Bulhões está no Rio de Janeiro como Ministro da Fazenda no governo Rodrigues Alves, por sua força e prestígio federal, onde consegue diversas nomeações para correligionários, que passam a exercer cargos da União.

Por esse tempo, Abílio Wolney teria empreendido campanha ao lado de Xavier de Almeida pelo Partido Republicano Federal, visando ao pleito eleitoral para Deputado Estadual.

No dia 14 de agosto de 1906, engrossando uma lista de 12 homens importantes de Bela Vista, o prestigioso Antônio Ribeiro da Silva concitava ao sufrágio o nome de Abílio Wolney do seguinte modo:

 

CIRCULAR. Os abaixo-assinados, membros do Diretório do partido Republicano deste município, de acordo com as deliberações tomadas pelo Diretório Central do mesmo Partido na Capital, em reunião efetuada no dia 14 do corrente, resolveram apresentar ao sufrágio do eleitorado na eleição que terá lugar no dia 15 de novembro próximo futuro, para um deputado por este 4º círculo o nome do senhor CORONEL ABÍLIO WOLNEY, fazendeiro, residente na Vila do Duro […] [66

 

Abílio foi reeleito para o segundo mandato, na 5ª Legislatura que iria de 1905 a 1908. Segundo os escritores Itami Campos e Arédio Teixeira Duarte, esta informação foi colhida em Atas do antigo Congresso Estadual da cidade de Goiás, por ocasião de minuciosa pesquisa encomendada há poucos anos, pela Assembleia Legislativa do Estado de Goiás para a redação de uma série de publicações oficiais sob o título O Legislativo em Goiás. No volume 1 – História e Legislaturas, consta, ipsis litteris:

 

5ª Legislatura – 1905 – 1908 (maio de 1905 a agosto de 1908).

Senado Estadual-Mesa Diretora-1905(omissis). Mesa Diretora-1907(omissis). Câmara dos Deputados Mesa Diretora 1905-1906(omissis). Mesa Diretora 1907(omissis). Mesa Diretora-1907(omissis). Mesa Diretora – 1908 – Presidente Olegário Delfino Rodrigues; 1º Secretário José Licícino de Miranda; 2º Secretário Arthur Loyola. Composição 01. Abel Coimbra Ramos – PRF: 02. Abílio Wolney – PRF; 03 Antônio Augusto de Carvalho […] (grifo do autor). [67

 

Já no cumprimento deste mandato, o jornal Folha do Sul, de 08/06/1907, noticiava:

 

CEL. ABÍLIO WOLNEY. Por uma carta da capital, dirigida ao prestimoso cavalheiro Sr. Honestino Guimarães, com que nos honramos de manter a mais estreita solidariedade política, soubemos que, tão logo terminem os trabalhos do Congresso Estadual, virá a esta cidade, a passeio, o Sr. Cel. Abílio Wolney, talentoso Deputado por este círculo. Intimorato propugnador da indústria pastorial e importante criador do norte do Estado, o Cel. Wolney deseja conhecer o excelente gado vacum que enriquece o nosso município… Que se realize tal viagem para que o Cel. A. Wolney conheça de perto as necessidades do círculo que o elevou a cadeira na Câmara Estadual, é o nosso ardente desejo. Bela Vista, 8 de junho de 1907. [68

 

Em 15/06/1907, o mesmo jornal publicava o seguinte:

 

A imprensa transcreveu na íntegra o projeto do ilustre deputado Cel. Abílio Wolney, criando duas fazendas-modelo, sendo uma no norte e outra no sul de Goiás. É trabalhando, por sua forma, produzindo cousas úteis ao povo, é assim que desempenha dignamente o mandato aquele que o voto popular elevou à Câmara. Constitui isso um ato louvabilíssimo e praza aos seus que outros representantes do povo sigam o belíssimo exemplo do Cel. Wolney […] [69

 

Imagina-se em que situação se viu Abílio Wolney: eleito pelo Partido Republicano Federal de Goiás, fundado por Bulhões, que o meteu ali com Xavier de Almeida, que trai Bulhões e se aninha com Caiado, já então adversários de Leopoldo. Abílio, naturalmente, teria ganhado prestígio e conquistado eleitorado ao longo dos anos com o grupo situacionista. Ademais, as eleições de Deputado eram feitas de lutas solitárias, cada qual querendo se eleger, e com certeza nenhum voto lhe teria sido destinado pelos cabos da capital, que timbravam na familiocracia. O PRP, apossado pelos ‘oportunistas’ que se uniram a Xavier teria servido a Abílio tão-somente de legenda partidária.

Nas eleições proporcionais de 1906, Xavier de Almeida é eleito Deputado Federal, enquanto Leopoldo de Bulhões, candidato à reeleição para o Senado, é derrotado, e com ele, os demais candidatos do Partido Centro Republicano.

Crise parecida os Bulhões haviam sofrido, na dissidência de 1897, quando os mesmos Caiado, Alves de Castro e Abrantes afastaram-se do grupo bulhônico, iniciando ferrenha oposição à política de Leopoldo.

Era de lá que vinham os adversários, agora fortalecidos e donos da situação. Voltemos ao Diário do Dep. Abílio Wolney, na simplicidade da sua vida, como era:

 

Duro, 6 de março de 1906.

Acabo de ouvir em casa de minha boa mãe um terço em cumprimento duma promessa que a criada então fez implorando a Nossa Senhora da Conceição para guiar-me durante as empresas políticas em que andei de 1904 até hoje.

Ouvi toda a oração comovido, pois um espírito amigo fez súplica por mim e súplica desinteressada, depois influiu para que em meu beneficiamento mãos se alçassem ao entoar do cântico singelo, mas enternecedor da ladainha.

E que direi eu desse voto que por minha prosperidade fez uma criada? Posso estar iludido, mas persuadido de que ela foi impelida pelo mais leal sentimento de amizade. Devo, pois, consignar nessa pessoa simpatia ou caridade, talvez.

Esta pobre criatura deve a meus pais, e muito, talvez. Serve bem a minha mãe e não fora temer levar uma ligeira nuvem de desgosto a esse ente sagrado, que foi Deus servido dar-me como autora material de meus dias, e eu resgataria o débito dessa criatura que, não podendo fazer ofertas nem oferecer jantares ou bailes, ofereceu-me mais que tudo isso: Pediu a Deus por mim.

 

10 de abril de 1906.

 

Só à 1 hora da tarde, estando na repartição da Mesa de Rendas, tive outro acesso mais forte, o sangue fugiu-me do rosto e das extremidades. Senti um certo desequilíbrio que para não cair debrucei sobre a mesa em que escrevia e passado o acesso voltei a casa. Vomitei um pouco e tomando um vomitório vomitei mais. Hoje dia 11 sinto-me bem, mas a morte implacável já certificou por duas vezes ter me intimado para deixar o invólucro material que me reveste. Tenho me recusado a obedecê-la, mas ela, à sombra, fará a citação com violência e me levará sempre, apesar de não ter desfrutado do mundo em que vivo e estimo e muito especialmente a certas pessoas com quem eu convivo.

Lamento deixar meus bons pais que me estimam tanto, meus queridos irmãos e alguns amigos bons. Estes, por isso, terão de mim saudades, e minhas filhinhas?

Que será delas sem o pai que as sustentava e por cujo bem faria tudo? A mãe moça e inexperiente que fará?…

Creio que ela está grávida. Se o filho for homem quero que se chame Jayme. E quanto a meu pai, que o tome a si e a minha mulher, que se for mulher, deixo a minha mãe o direito de dar-lhe o nome a na mesma idade tomá-la.

Peço aos mesmos e a meus cunhados para não deixarem minha mulher ao desamparo e que auxiliem-na a fazer um casamento bom.

O Sobrado que estou construindo pertencerá ao caçula se for homem e se não for deve pertencer a Alzira, esta que é minha imagem e que d’alguma forma terá gravado alguns sentimentos meus.

Atualmente tenho pequena dívida com a fazenda, se não dá-la peço a meu pai que faça pagando-se com os melhores animais que tenho, à exceção do da sela de Josepha.

Para meus pais deixo meus filhos, para meus filhos um nome.

 

Abílio Wolney não imaginava que só morreria muitas décadas adiante.

Retornemos ao cenário político.

Afastado da Cidade de Goiás e do Senado, Leopoldo de Bulhões, entretanto, começa a recobrar na esfera federal o seu prestígio, assumindo, em 1907, a Diretoria do Banco do Brasil no Rio de Janeiro, quando prepara, para 1909, nova candidatura ao Senado Federal.

Em 1907, o Dep. Abílio Wolney se encontrava na Cidade de Goiás, cumprindo ‘esse’ segundo mandato e retoma os contatos com Leopoldo de Bulhões, oferecendo-lhe apoio assim que ele volta ao ambiente político da Cidade de Goiás, de onde se afastara quase que completamente, deixando os amigos entregues à própria sorte. Aos 13 anos de idade, Wolneyzinho, irmão de Abílio, estava a passeio na Cidade de Goiás, onde entregou a Abílio uma carta da mãe, dando-lhe notícia do nascimento de seu filho Jayme, em 6 de junho de 1907. Josina, também, escrevia-lhe comunicando o nascimento de sua primeira filha, Custodiana. Tais notícias trouxeram-lhe alegria, notadamente a primeira.

E foi emocionado que buscou seu Livro de Lembranças [70, escrevendo:

 

É o primeiro filho varão que tenho e peço a Deus que o proteja com inteligência e critério.

Que falta não terá sentido minha boa Josepha de seu marido nessa quadra? Ela que já teve quatro partos assistidos por mim!

Deixei-a arrastado pela execranda política, que premia sempre tão mal seus melhores servidores. Enfim, se continuar com saúde e assim estiverem os meus, volto ao lar coberto de glórias por haver conquistado para o Duro uma porção de territórios igual aos que ora têm a sede do Poder Judiciário da Comarca.

 

No dia 10 de agosto desse ano, Abílio se organiza visando a selar um acontecimento, para o qual articulou no Congresso Estadual – esperava o Dr. Luiz do Couto, que, a seu pedido, foi nomeado Juiz de Direito da comarca de Palmeiras, com sede no município do Duro.

Deixando na Capital sua filha Alzira e seu irmão Wolneyzinho, Abílio Wolney, o Senador Custodinho (seu tio) e o Dr. Luiz Ramos de Oliveira Couto partem a São José do Duro, aonde chegam no dia 8 de setembro e são recebidos a uma légua de distância da Vila por mais de 30 cavaleiros. Neste mesmo dia, às 12 horas, o Magistrado Luiz do Couto instalou a Comarca e deu posse ao Promotor Público, coronel Francelino Teles de Farias.

A 27 de outubro, escreveria Abílio no Diário:

 

Segui para São Miguel e Almas para entender-me com os homens dali, por ocasião da festa de São Miguel que os atrai àquela localidade. Fui bem-sucedido, pois todos os eleitores presentes manifestaram por escrito sua aprovação ao ato do governo,

anexando àquele território ao Duro.

 

Parecia premonição. Foi justamente nessa fase da vida parlamentar que más línguas apontaram o primo Sebastião de Brito como invasor da alcova de Abílio.

Conta-nos o escritor-acadêmico Voltaire Wolney Aires que […]

 

na Vila do Duro, Sebastião de Brito continuava nas lidas da farmácia, tornando-se um competente auxiliar de Abílio. Este chafurdado nos dédalos políticos, a pouco e pouco, esquecia dos compromissos conjugais.

Josepha sofria a fria soledade, seu coração sensível de mulher mal saída da adolescência toldava-se de tristezas e desilusões. A saudade do esposo, quando por vezes era insuportável, impelia-a a exteriorizar seus sentimentos através de longas cartas, em que solicitava-lhe maiores responsabilidades.

Nada lhe faltava no lar, exceto a presença do marido que chegava a ausentar-se longos meses. Nas noites frias de inverno adormecia na alcova aquecida pelas filhinhas menores, que espantavam-lhe, em parte, o terrível fantasma da solidão. Porquanto na capital, sempre que Abílio planejava retornar a penates, novos compromissos surgiram jungindo-lhe ao cepo político.

O relacionamento afetivo do casal esfriava literalmente.

Josepha, desiludida, passava a maior parte do tempo, ora cuidando dos filhos, ora conversando trivialidades, na farmácia. Entretanto, tais visitas tornaram-se frequentes a ponto de Sebastião começar a espichar os olhos no corpo da cunhada, demorando em desejos inconfessáveis.

Dominado pelos apetites carnais, o auxiliar lançava-lhe flertes furtivos e insinuantes. Nenzinha, abrasada por avassaladora paixão, pouco a pouco, deixava-se aprisionar na redoma magnética do sedutor. Então, certo dia, não lhe resistindo aos assédios, a filha de Manoel Ayres Cavalcante sucumbira aos filtros sedutores do cunhado, sorvendo o cálice capitoso do adultério.

Aflorados seus aleijões morais, Sebastião de Brito repetia o crime perpetrado em Conceição do Norte, donde chegara foragido. Se dantes deflorou a prima Serafina, agora cometia crime maior: desonrava e pejava de vergonha a família que outrora estendera-lhe a mão e o teto protetor.

[…] Quem mais sofria era Nenzinha. Padecia de insônias sucessivas, atarantada, soluçava e desvairava pelos cantos da casa, nos paroxismos do desespero. Era o prelúdio de sua via-crúcis… [71

 

Constrangido, Abílio separa-se da esposa Josepha e segue o seu caminho, cônscio de que a prima era uma vítima na história, passando ela a morar em casa próxima à da mãe e Abílio com os pais, nos intervalos que retornava da Cidade de Goiás.

No flanco norte do largo do Duro estruturava-se um Sobrado em edificação. Estacas de aroeira sublevavam um segundo piso em tablado, com janelões no frontispício. Paredes de adobes, rebocadas e caiadas, rompiam em fachada ousada no conjunto de habitações independentes e dispostas de modo a formarem a praça interior do vilarejo.

 

Josepha Ayres Wolney, esposa de Abílio Wolney (à direita), e sua irmã Auta Ayres de Brito, esposa de Sebastião de Brito Guimarães (à esquerda).

Abílio Wolney fez e cedeu provisoriamente o prédio à administração da Vila, que o destinaria a mercado e cadeia pública. Na reviravolta da história, o Sobrado será o sótão e o subterrâneo dos bastidores de uma chacina que horrorizou o Estado e o País.

 

1908. Segunda-feira, 18 de maio. Alzira batiza-se na capela de Goiás na igreja da Boa-Morte. Celebrante padre Joaquim Confúcio D’Amorim. Padrinho Desembargador João Alves representando o (…) e Joaquim da Silva, Madrinha D. Maria Augusta Jayme. Assistiram o ato o desembargador Jayme e tio Custodinho.

 

Findando o segundo mandato, em aberta campanha política, Abílio Wolney era candidato à reeleição para Deputado Estadual, cujo pleito eleitoral se daria em 1909. O projeto de dividir o Estado de Goiás, acalentado desde o primeiro mandato e propagado nas campanhas, apoiava-se no discurso de vindicar melhora para o nordeste goiano, que era o futuro e promissor Estado do Tocantins, então colonizado por Goiás, cujo norte sempre relegou ao esquecimento. Prosseguiu com a ideia de criar o Estado do São Francisco [73 composto de parte de Goiás e parte da Bahia, como dizia e até faria impresso em jornal o seu projeto, anos depois.

De Goiás Velho a Pirenópolis e daí a Bela Vista, Arraias e ao norte do Estado, trafegava Abílio em montaria, adiante em barco pelo Rio Tocantins, fazendo-se presente em reuniões, visitas, em palanques improvisados nos comícios com a verve do seu discurso de orador nato.

 

[63 Ver o Jornal A Imprensa e o Semanário Official nº 226 de 20/l02/1904 e nº 228 de 7/3/1904, citados por Itami Campos (op. cit).

[64 Natividade, hoje, pertencente ao estado do Tocantins.

[65 Nota do autor: Miguel da Rocha Lima foi Presidente do Estado em dois mandatos: 1905-1909 e 1923-1924 (Aqui como 2º Vice).

[66 Jornal Folha do Sul, a, 3, n. 90, p. 1, Bela Vista, 15/6/1907. Acervo da Biblioteca L.A.R., da Profª Nancy Ribeiro de Araújo e Silva.

[67 Veja o livro O Legislativo em Goiás, Volume 1 – História e Legislaturas, Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, Mesa Diretora 1995/96, pág. 74 e 78, e o livro O Legislativo em Goiás, Vol 2, Perfil Parlamentar I, Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, pág 31, ambos dos autores Francisco Itami Campos e Arédio Teixeira Duarte. Entretanto, causa-nos espécie o fato do próprio Abílio Wolney referir-se num escrito posterior a apenas dois mandatos parlamentares, que ao que tudo indica, referem-se aos mandatos de 1895-1987 e 1909-1912.

[68 Jornal Folha do Sul, a, 3, nº 90, p. 1, Bela Vista, 15/6/1907. Acervo da Biblioteca L.A.R., da Profª Nancy Ribeiro de Araújo e Silva.

[69 Idem, todas com atualização ortográfica.

[70 O livro manuscrito em forma de Diário está numa capa de couro sob o título Razão e Lembrança.

[71 Josepha Ayres Wolney (Nenzinha), veio para a Terra parece que com o projeto espiritual de resgates. Dizem que era uma criatura de uma humildade ingênua, que parecia fazê-la distraída. Passou pela vida dentro do “Sermão das Bem-Aventuranças”, proclamado pelo Cristo. Depois do ‘Barulho’ de 1919, foi para a Bahia. Morou em Barreiras, de onde retornou décadas depois, já velha e bastante doente, quando passou a ser cuidada mais diretamente pelas filhas e pela ama Tereza Preta. Abílio Wolney chegou a enviar gêneros alimentícios e remédios de Barreiras para a mãe dos seus primeiros filhos, embora os filhos nunca deixassem nada lhe faltar. Filhos que muito honraram pai e mãe e que deram famílias tradicionais. Josepha desencarnou em 1932, morando numa das diversas casinhas de sua propriedade na Vila do Duro (Naquela que ficava no beco ao lado da atual Biblioteca Municipal de Dianópolis – Hoje praça Cel. Wolney). Trafegou pelos caminhos doridos da Terra, nos fazendo lembrar que a dor foi sagrada no Horto das Oliveiras… Sim, ela deu filhos ao mundo, foi vítima do mundo, quase foi esquecida pelo mundo, mas ressuscitou na Vida Maior, galgando mais um degrau na escadaria da nossa evolução. (Nota do autor).

[72 Adiante vamos ter o Des. João Alves de Castro na presidência do Estado e em facção política diversa.

[73 Hoje, quase 90 anos depois, está reaberta no Estado da Bahia a discussão sobre a efetiva criação do Estado do São Francisco, no oeste baiano. Pelo Projeto de Decreto Legislativo nº 631, de 1998, de autoria do Dep. Gonzaga Patriota, haveria um plebiscito nos 35 municípios nele contidos, que fariam o território do novo Estado, cuja área seria delimitada a leste com todo o curso do Rio São Francisco e a oeste com Goiás, Tocantins e o Estado do Piauí. O Projeto tramita pela Câmara dos Deputados e segue a passos largos.

 

Marechal Braz Abrantes, com quem Abílio Wolney correspondeu, nos dias mais difíceis do Barulho, sem êxito. Apesar da amizade, Abrantes era o pai de Ovídio, que como visto era casado com Diva Caiado, irmã de Totó e vai ficar com os parentes da mulher (Foto do acervo do jornalista Marco Antônio Veiga de Almeida).

 

[Continua na próxima postagem quinzenal, com a publicação do Capítulo VI

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