Relacionamentos pós luto: como reconstruir desejo e vida afetiva após perder um amor

Em uma conversa sensível conduzida pelo Ysos, a sexóloga Bárbara Bastos e a participante de ‘Casamento às Cegas’, Nívia Gälego, refletem sobre como o luto transforma o corpo, desejo e a forma de se relacionar.

“Retomar a sexualidade precisa ser uma consequência natural da cura, não uma tentativa de apressá-la”, comenta Nívia Gälego – Foto: Comunicação

 

Falar sobre luto é falar sobre interrupções. Falar sobre sexo após o luto é falar sobre retomadas, algumas tímidas, outras profundas, todas legítimas. Para compreender como desejo, culpa e intimidade se reorganizam após a morte de um parceiro, o Ysos, aplicativo de encontros casuais, entrevistou a sexóloga e terapeuta sexual Bárbara Bastos e Nívia Gälego, participante do reality Casamento às Cegas, que aceitou compartilhar sua história.

Segundo Bárbara, o luto atravessa todas as dimensões da vida e a sexualidade não escapa disso. “O luto nos coloca num estado de recolhimento. Quando a alma se contrai para lidar com a dor, o corpo acompanha. O desejo diminui porque ele precisa de vitalidade e abertura, exatamente o que o luto suspende por um tempo”, explica.

Para muitas pessoas, essa retração vem acompanhada de culpa. A sexóloga conta que é muito comum imaginar que desejar de novo significa trair a memória de quem se foi. “A culpa nasce da confusão entre seguir em frente e esquecer. Mas reabrir-se para o prazer é um sinal de vitalidade, não de desrespeito”.

Nívia conhece esse dilema de perto. Viúva há quatro anos, ela viveu longo processo até entender que poderia voltar a se conectar com alguém. Não por falta de amor pelo marido que perdeu, mas justamente por causa dele. “Eu percebi que precisava viver por mim e por ele. O amor que tivemos me libertou, não me prendeu à dor. Eu me permiti seguir porque sei que ele gostaria que eu continuasse viva”, diz.

 

Cada pessoa/uma situação

O tempo, no entanto, não é o mesmo para todos. Bárbara explica que não existe relógio para o luto. Existem sinais. A prontidão geralmente aparece quando o pensamento no parceiro falecido deixa de trazer dor constante e se transforma em saudade mais serena. A curiosidade por novas conexões, a sensação de que o toque já não causa desconforto e a ideia de que o prazer surge com ternura são indícios importantes de abertura emocional.

Para Nívia, a participação em Casamento às Cegas foi o movimento que marcou esse processo. Embora não tenha encontrado ali um relacionamento duradouro, afirma que o programa despertou nela algo essencial: a vontade de se mover novamente. “Eu queria voltar a ter alguém ao meu lado. O programa não trouxe exatamente o que imaginei, mas trouxe movimento. E movimento cura”.

O corpo, nesse contexto, reage de formas diferentes. Algumas pessoas experimentam estranhamento. Outras sentem desejo intenso, como se reencontrassem uma parte adormecida de si mesmas. “O desejo reflete o processo interno. Não existe certo ou errado. Existe sentir”, diz a sexóloga. Ela reforça, no entanto, que o sexo não deve ser visto como parte direta do tratamento do luto. “Retomar a sexualidade precisa ser uma consequência natural da cura, não uma tentativa de apressá-la”.

 

Medo de comparação

Outro aspecto sensível é o medo de comparação entre o novo e o antigo parceiro, tanto emocional quanto fisicamente. Para Bárbara, comparar é normal, mas não deve ser reprimido. “Cada relação ocupa um lugar único. O novo não substitui ninguém. Ele chega para viver outra história”, diz. Nívia concorda: “Eu aprendi que viver algo novo não apaga o amor que já existiu. Só mostra que eu continuo viva”.

A opinião alheia, muitas vezes, se torna outro obstáculo. Amigos e familiares costumam projetar prazos, expectativas e julgamentos sobre o momento certo de retomar a vida afetiva. Mas Bárbara é direta: “Não existe tempo certo. A retomada da vida sexual é um gesto íntimo de cura. O olhar externo deve ser de respeito, não de cobrança”.

A experiência de Nívia em um reality também trouxe reflexões sobre vulnerabilidade. Sem o olhar, o toque ou a linguagem corporal, que ela chama de suas “armas da sedução”, ela precisou se apoiar apenas na conversa. Descobriu inseguranças, reaprendeu limites e entendeu que seduzir vai muito além de estética. “É preciso confiar no essencial, no que está dentro. O reality me fez mergulhar nisso”.

Hoje, aos 58 anos, ela defende o direito das mulheres ao prazer, sobretudo das mulheres maduras. Compartilha abertamente sua experiência com reposição hormonal, critica o etarismo e lamenta que tantas mulheres se silenciem por medo do julgamento. “Prazer também é autocuidado. Eu precisei cuidar de mim para voltar a desejar”.

Para Bárbara, reconstruir a intimidade após o luto é um gesto que começa muito antes de envolver outra pessoa. Banhos longos, toque consciente, movimento corporal, música, espelho, descanso, novas rotinas, tudo isso faz parte da retomada do corpo para o mundo. “Antes de redescobrir o outro, é preciso reencontrar a si. Autocuidado é sexualidade”.

Ao final, Nívia resume seu processo em uma frase que carrega força e delicadeza: “Eu tenho o direito de estar viva. E viver é estar em movimento”.

 

(Informações, sob adaptações: Comunicação)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

error: Conteúdo Protegido!!