Julgamento do mérito entre 8 e 11 de setembro agrupou votos dos ministros, além do exame das penas aplicadas a cada um dos réus.

Primeira STF condenou os oito réus que integram o Núcleo 1 da tentativa de golpe de Estado – Foto: Gustavo Moreno/STF
Na tarde desta quinta 11 de setembro, o colegiado do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu a apresentação dos votos da Ação Penal (AP) 2668. A sessão de julgamento prosseguiu com a discussão da chamada dosimetria, em que são definidas o tamanho das penas a serem aplicadas aos réus.
A Ação tem como réus os oito integrantes do referido Núcleo da tentativa de golpe (Núcleo Crucial), segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), defensora da tese de que houve tentativa de derrubada da democracia e impedir a posse do então presidente eleito Lula entre o fim de 2022 e o início de 2023: o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal; o general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro no comando do Poder Executivo; o próprio Bolsonaro; o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e, o general da reserva Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa.
Dois deles já estão presos preventivamente. Bolsonaro por desobedecerem medidas impostas, e Braga Netto, por obstrução de Justiça.
-Jair Bolsonaro (réu-colaborador), então presidente da República, foi condenado a 27 anos e três meses no julgamento da trama golpista, dos quais 24 anos e nove meses sob reclusão (pena para crimes que preveem regime fechado). Mais dois anos e nove meses de detenção (pena para crimes de regime semiaberto ou aberto). Em função da pena total ser superior a oito anos, ficou determinado: Bolsonaro começar a cumpri-la em regime fechado.
-Anderson Torres: pena de 26 anos.
-Walter Braga Netto: pena de 26 anos.
-Almir Garnier: pena de 24 anos.
-Augusto Heleno: pena de 21 anos.
-Alexandre Ramagem: pena de 16 anos, um mês e 15 dias.
-Paulo Sérgio Nogueira: pena de 19 anos.
-Mauro Cid: pena de dois anos de prisão em regime aberto.
Com o fim da sessão, os advogados dos réus podem apresentar embargos, recursos que precisam ser analisados pelo STF antes do início de cumprimento das penas.
Em linhas gerais, mesmo condenados, os oito não têm prisões imediatas. Cada prisão só passa a valer quando o processo estiver concluído, transitado em julgado, e não houver mais possibilidade de recurso.
Crimes
Sete réus foram condenados pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. No caso de Ramagem, a parte relativa a fatos ocorridos após sua diplomação, em dezembro de 2022, como deputado federal (dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado) foi suspensa, até o término do mandato.
O placar que definiu a condenação foi de quatro a um. A ministra Cármen Lúcia e o ministro Cristiano Zanin, presidente da Turma, foram os dois últimos a votar. Eles acompanharam o relator, ministro Alexandre de Moraes, e o ministro Flávio Dino, que proferiram votos dia 9. A única divergência foi do ministro Luiz Fux, que votou na data 10 pela condenação de dois réus em apenas um dos crimes pelos quais respondiam e pela absolvição dos demais.
Alexandre
O relator Moraes votou pela condenação dos oito réus, quando apresentou sequência de ações que, segundo ele, mostram que a organização criminosa agiu de forma coordenada para atingir seus objetivos.
Para sete réus, a condenação diz respeito aos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado. Esses dois últimos crimes só ficaram de fora da condenação do réu Alexandre Ramagem, em razão da suspensão da tramitação da AP em relação a esses delitos pela Câmara dos Deputados, por envolverem fatos ocorridos após sua diplomação como deputado federal.
O ministro Alexandre de Moraes também rejeitou as preliminares (questões processuais anteriores ao mérito) levantadas pelas defesas.
Preliminares: antes de abordar o mérito, o relator rejeitou todas as preliminares que já tinham sido negadas pela Turma quando a denúncia foi aceita. Entre elas estão as alegações de excesso de documentos no processo, cerceamento de defesa e incompetência do STF e da Turma para julgar o caso.
Sobre a validade da delação premiada de Mauro Cid, Moraes lembrou: a própria defesa negou qualquer coação. Também afastou o argumento de falta de concordância da PGR, uma vez que o STF já decidiu que a colaboração premiada pode ser feita pela Polícia Federal (PF). Quanto a possíveis contradições ou omissões nos depoimentos (oito no total, sobre fatos distintos), afirmou que isso não invalida a delação, mas pode levar à revisão ou à redução dos benefícios. Ainda considerou irrelevantes questões como o vazamento de áudios, o suposto uso de perfil falso no Instagram e outros questionamentos.
Dino
Dino destacou: há “absoluta normalidade” em relação aos critérios técnicos do julgamento. Conforme o ministro, o que torna o caso diferente são fatores externos ao processo, mas que não impactam sua análise. “Há argumentos pessoais, agressões, coações, ameaças até de governos estrangeiros [Estados Unidos]”, afirmou. “Não há julgamento aqui de uma posição política A ou B, até porque há investigações no STF com políticos de todos os partidos, conduzidas de modo igualitário”. Também observou que o STF não está julgando as Forças Armadas. Igualmente, defendeu que os atos apontados na denúncia não foram apenas “atos preparatórios”, mas fizeram parte da execução da tentativa de golpe. Segundo Dino, houve materialmente o início da execução do núcleo dos crimes, que prevê a punição pela tentativa de cometimento.
Outro ponto ressaltado pelo ministro foi a presença de violência e grave ameaça nos atos praticados. Ele citou, entre outros, a invasão violenta da Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes dia 8 de janeiro de 2023, o rompimento de barreiras policiais, o acampamento em frente a quartéis, a ameaça de não cumprir ordens judiciais, o desfile de tanques, o bloqueio de rodovias federais e os ataques à sede da PF.
Fux
O ministro Luiz Fux votou pela absolvição de Almir Garnier, Jair Bolsonaro, Alexandre Ramagem, Paulo Sérgio Nogueira, Augusto Heleno e Anderson Torres das acusações da PGR relativas à tentativa de golpe de Estado.
Ele votou pela condenação de Mauro Cid e Walter Braga Netto apenas pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Leia na submatéria (mais abaixo), resumo geral do voto de Fux.
Cármen
Segundo a ministra, desde 2021, cultivou-se no País “um terreno social e político para semear o grão maligno da antidemocracia”, a fim de romper um ciclo democrático de quase quatro décadas no Brasil. Esse conjunto de acontecimentos, no sentido de insuflar a população, culminou nos atos de 8 de janeiro. “O 8 de janeiro de 2023 não foi um acontecimento banal depois de um almoço de domingo, quando as pessoas saíram a passear”, disse.
Na avaliação dela, a PGR provou a existência de organização criminosa, liderada pelo então presidente Bolsonaro, que implementou plano progressivo e sistemático de ataque às instituições, a fim de prejudicar a alternância de poder e minar o livre exercício dos Poderes constitucionais, especialmente do Judiciário. Para isso, se utilizou de milícia digital que propagou ataques ao sistema eleitoral e às urnas eletrônicas. Ainda de acordo com a ministra, a acusação comprovou conjunto de práticas pensadas e executadas para radicalização social e política, com a finalidade de fabricar uma crise que daria condições para o golpe. “A tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito e a tentativa de golpe de Estado deixam patente que se trata de crime tentado, porque se fosse exaurido não estaríamos aqui a julgar”.
Zanin
Zanin rejeitou todas as preliminares apresentadas pelas defesas. Reafirmou a competência do STF e da Primeira Turma para julgar o caso, destacou que os advogados tiveram acesso às provas e concluiu não haver vícios na colaboração premiada que deu origem às investigações.
Segundo o ministro, a Procuradoria-Geral da República descreveu de forma satisfatória a existência de organização criminosa armada, estruturada hierarquicamente, com divisão de tarefas e voltada a projeto de poder que tinha como objetivo manter Bolsonaro no comando do País, mediante a prática de atos ilícitos. “A responsabilização adequada e nos termos da lei dos agentes que buscam a ruptura institucional é elemento fundamental para a pacificação social e a consolidação do Estado Democrático de Direito”.
Ele destacou ainda que o Núcleo 1 recorria a táticas de intimidação contra autoridades da República, disfarçadas de críticas à sua atuação, mas sustentadas em informações sabidamente falsas. Mencionou também a iminência de recorrer às Forças Armadas para impor sua vontade. “Trata-se de um expediente ameaçador voltado a constranger o livre exercício dos Poderes constituídos”.
Distintos placares
Em informações de veículos de comunicação do grupo Globo, como o ministro Luiz Fux divergiu de colegas em pontos variados e a denúncia contra Ramagem não foi totalmente analisada, o julgamento teve diferentes placares. Confira!:
-Para condenar Jair Bolsonaro, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira – pelos crimes de organização criminosa, golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado, o placar foi de quatro votos (Moraes, Dino, Cármen e Zanin) a um (Fux).
-Para condenar Alexandre Ramagem pelos crimes de organização criminosa, golpe de Estado e tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, o placar também foi quatro votos (Moraes, Dino, Cármen e Zanin) a um (Fux). O processo contra Ramagem, que hoje é congressista, sobre dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado, foi suspenso.
-Para condenar Mauro Cid e Braga Netto, pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, o placar foi de cinco votos a 0. Entretanto, em relação a esses dois réus, o placar foi de quatro votos (Moraes, Dino, Cármen e Zanin) a um (Fux) pela condenação nos crimes de organização criminosa, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado.
[Leia mais na submatéria
Fux absolve seis réus na ação sobre golpe de Estado
O ministro Luiz Fux votando pela absolvição de Almir Garnier, Jair Bolsonaro, Alexandre Ramagem, Paulo Sérgio Nogueira, Augusto Heleno e Anderson Torres das acusações da Procuradoria-Geral da República (PGR) relativas à tentativa de golpe de Estado.
Ele votou pela condenação de Mauro Cid e Walter Braga Netto apenas pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, e divergiu dos ministros Alexandre de Moraes (relator) e Flávio Dino, que haviam votado inicialmente para condenar os réus por todos os delitos de que são acusados: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Preliminares e organização criminosa
Fux abriu a divergência pelas questões preliminares, entendendo que o STF é incompetente para analisar o caso e que o processo deveria ser anulado. Mas, se for reconhecida a competência da Corte, o ministro defendeu que o caso deveria ser julgado pelo Plenário, e não pela Turma. Fux também considerou que houve cerceamento da defesa, em razão do tempo curto para examinar o grande volume de documentos dos autos.
Sobre a colaboração premiada, ele seguiu o relator e validou o acordo firmado pelo tenente-coronel Mauro Cid.
Para Fux, os fatos narrados na acusação não permitem sua classificação como crime de organização criminosa, pois a PGR não comprovou que houve associação permanente de pessoas para a prática de crimes, de forma estruturada e ordenada e com divisão de tarefas. O ministro também afastou o agravante de organização criminosa armada, por falta de prova do efetivo emprego da arma de fogo na atividade criminosa.
Golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito
Em relação ao primeiro crime, Fux considera que ele requer a deposição violenta do governo legitimamente constituído. Mesmo um “autogolpe” para prolongar indevidamente a permanência no poder não se enquadra no crime de golpe de Estado, já que não há deposição de um governo eleito.
Para a configuração do segundo crime, o ministro entende que é necessário que a conduta seja capaz de criar perigo real e que haja intenção de derrubar todos os elementos da democracia, como a liberdade de expressão, o voto, a separação de Poderes e a soberania da Constituição Federal (CF). Acampamentos, faixas e aglomerações são manifestações políticas e não configuram crime.
Dano qualificado e depredação de patrimônio
Quanto aos crimes de dano qualificado e de dano a bem tombado, Fux considerou que não há prova nos autos de que os réus tenham determinado a destruição de bens que integram o patrimônio da União, incluindo bens tombados de valor inestimável, faltando, ainda, a mínima individualização das condutas e dos danos, descritos de forma demasiadamente genérica pela PGR.
A seguir, o voto de Fux em relação a cada réu:
Mauro Cid
Fux votou para condenar o colaborador pelo delito de abolição do Estado Democrático de Direito.
O ministro entende que a PGR comprovou que Cid concordava com a execução de atos criminosos e de natureza violenta e sabia dos planos “Punhal Verde e Amarelo” e “Copa 2022”, por ter participado de reuniões preparatórias, conseguido financiamento para sua execução e solicitado o monitoramento do ministro Alexandre de Moraes, uma das autoridades a serem eliminadas.
Almir Garnier
O ex-comandante da Marinha foi absolvido de todas as acusações.
Para o ministro, a PGR não apresentou provas de sua adesão a uma tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, e o fato de Garnier ter participado passivamente de reuniões e ter dito que colocaria as tropas à disposição não corresponde a um auxílio material concreto.
Jair Bolsonaro
Fux votou pela absolvição do ex-presidente da república de todas as acusações. Segundo ele, os fatos narrados pela PGR não correspondem ao crime de golpe de Estado, que prevê a deposição do governante, pois o presidente na época era o próprio Bolsonaro.
Para o ministro, também não é possível dizer que os crimes praticados nos atos de 8 de janeiro de 2023 seriam decorrência de discursos e entrevistas do ex-presidente ao longo do mandato.
Alexandre Ramagem
Para Fux, a ação penal em relação ao deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) deveria ser suspensa em relação a todos os crimes atribuídos a ele, e não apenas aos que ocorreram após sua diplomação, como decidiu a Turma. De acordo com o ministro, os crimes são permanentes, ou seja, continuaram a ocorrer mesmo após a diplomação.
Na parte não suspensa (delitos de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito e golpe de Estado), Fux votou pela absolvição de Ramagem.
Walter Braga Netto
Fux votou pela condenação do ex-ministro da Casa Civil e da Defesa por tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. De acordo com o mesmo, ficou comprovado que o general planejou e financiou atos para a execução de Moraes, o que, a seu ver, causaria comoção social, colocaria em risco a separação de Poderes e a alternância de poder e provocaria a erosão da confiança da população nas instituições.
Paulo Sérgio Nogueira
Para Fux, o ex-ministro da Defesa deve ser absolvido de todas as acusações.
Na ótica do ministro, a PGR não comprovou que o general tenha praticado algum ato, ajuste, instigação ou auxílio material para a tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
Augusto Heleno
O ministro votou pela absolvição do ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) por todos os crimes de que foi acusado. Fux afirmou que crítica às instituições não é crime.
Apontou, ainda, que as anotações na agenda do general sobre o processo de votação, demonstrando desconfiança nas urnas eletrônicas, eram rudimentares e de caráter privado, inviabilizando sua utilização como prova.
Anderson Torres
Fux votou para absolver o ex-ministro da Justiça de todas as acusações. Para o ministro, não ficou comprovado que as blitze da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no segundo turno das eleições/2022 tenham sido ordenadas pelo ex-ministro.
Também entende que Torres, que ocupava o cargo de secretário de Segurança do Distrito Federal e estava fora do Brasil em 8 de janeiro de 2023, não pode ser responsabilizado pelos danos decorrentes dos atos antidemocráticos, pois a responsabilidade seria da Polícia Militar (PM).
[Reportagem em atualização
(Informações, sob adaptações: SST / Redação/CR//CF. E, por Fernanda Vivas, Fábio Amato, Reynaldo Turollo Jr, Luiz Felipe Barbiéri, Gustavo Garcia, TV Globo e g1 – Brasília-DF. Mais Redação do JORNAL CIDADE. Com atualizações)