‘O DIÁRIO DE Abílio Wolney’ [IV – ELEITO DEPUTADO FEDERAL E DEPURADO
[Em diferentes edições e capítulos, o JORNAL CIDADE publica O DIÁRIO DE Abílio Wolney, livro do articulista Abilio Wolney Aires Neto, lançado pela editora Kelps (Goiânia-GO.), em 2009
IV – ELEITO DEPUTADO FEDERAL E DEPURADO
Chegamos ao ano de 1900, raiando o Sol no dealbar de um novo século.
Há referência histórica de uma das diversas passagens de Abílio Wolney por Anápolis (GO) [48, cidade à qual sugeriu o nome e onde era querido e bem votado. Zoroastro Artiaga relatou a respeito, verbum ad verbum:
Em 1904, num artigo publicado no jornal LAVOURA & COMÉRCIO, de Uberaba, Minas Gerais, o jornalista Moisés Augusto de Santana, usou pela primeira vez, carinhosamente, a palavra Cidade de Ana – ANÁPOLIS – nome que lhe foi sugerido e a outros ANTENSES, inclusive no Plenário da Câmara na cidade de Goyaz, pelo então
Deputado Estadual Abílio Wolney, quando de sua passagem por Santana das Antas, na campanha para Deputado Federal, em 1900. O nome agradou de tal forma que a Lei nº 320, de 31 de julho de 1907, assinada pelo Presidente do Estado de Goiás, Miguel da Rocha Lima, rezou em seu único artigo:
“A Vila de Santana de Antas fica elevada à categoria de cidade, com a denominação de Anápolis, revogadas as disposições em contrário”. (Zoroastro Artiaga, História de Goyaz, Goiânia, 1945).
A ressalva ao texto supra, quando diz que o nome ANÁPOLIS foi sugerido “inclusive no Plenário da Câmara na cidade de Goyaz, pelo então deputado Estadual Abílio Wolney”, diz respeito ao seu primeiro mandato legislativo, iniciado em 1894. Ou seja, antes mesmo de 1900, ele já sustentava a mudança do nome da Vila de Santana das Antas.
Haydée Jayme, no livro Anápolis, Sua Vida, Seu Povo, faz remissão ao artigo citado relatando que “em 1904, em artigo publicado no Lavoura e Comércio, de Uberaba, Moisés Augusto de Santana chamara a vila, carinhosamente, de Anápolis, cidade de Ana”. [49 Deveras, a escritora menciona exatamente a mesma matéria jornalística, mas no momento de citar o Deputado Abílio Wolney, o texto é simplesmente amputado, como se vê do cotejo entre a transcrição de Zoroastro Artiaga e esta última, que se limita a uma referência em três linhas.
Nos Dicionários Biobibliográficos de Goiás [50 e do Tocantins [51, do escritor e acadêmico Mário Ribeiro Martins, consta a mesma referência, e ainda hoje circula em Minas Gerais o Jornal Lavoura & Comércio.
Braz de Pina, em seu livro Goiás, História da Imprensa, Departamento Estadual de Cultura, Goiânia, também fez essa observação.
Ainda sobre Anápolis, historiadores goianos contam que,
[…] no início do século XIX, viajantes percorriam o Vale do Araguaia e o roteiro de Vianópolis/Corumbá de Goiás, entre eles, a cabeceira do Ribeirão das Antas, conhecido também por Campos Ricos, graças à excelência de seu solo e à abundância e variedade de caças existentes no local.
Enfatiza-se a contribuição do Sr. Manoel Rodrigues dos Santos, que fazia realizar em sua fazenda, novenas e orações, aglomerando já em 1859 um total de 15 casas e uma escola.
Conta a tradição que, por essa época D. Ana das Dores, quando trafegava pela região, viajando de Jaraguá para Bonfim, viu se desgarrar da Comitiva, no Sítio das Antas, um de seus animais, o que conduzia, entre outros pertences, uma imagem de Nossa Senhora de Santana.
Efetuadas as buscas e localizada a alimária, deitada com a carga, não conseguiram os camaradas levantar a canastra que transportava a imagem da santa. Interpretando assim a ocorrência como um desejo de Santana de ali permanecer, prometeu Dona Ana então, ofertar a primeira igreja que se erigisse no local. Aos 17 de maio do mesmo ano, foi redigida a licença para a construção de uma capela com a invocação de Santana. Construiu-se, então, a capela sob a orientação do Sr. Gomes de Souza Ramos, filho de dona Ana das Dores, e nela foi entronizada a imagem da Santa. [52
Uma homenagem a Santa Ana, mãe de Nossa Senhora, avó de Nosso Senhor Jesus Cristo e padroeira do lugar e a Ana das Dores, mãe de Gomes de Souza Ramos e devota da santa, que estava na origem histórica da localidade [53 – foi assim que surgiu a ideia de se renomear a vetusta Santana das Antas para Cidade de Ana – Anápolis, que, ao se aproximar dos seus 100 anos de emancipação política, é o segundo maior potencial econômico e tributário do Estado de Goiás e um berço de religiosidade cristã de diversas denominações.
Em 1907, com a intervenção do então deputado Zeca Batista, a Vila de Santana das Antas foi elevada à categoria de cidade e passou a se chamar Anápolis, o nome sugerido por Abílio Wolney.
Em 1999, foi renomeada a Praça do Ancião para Praça Deputado Abílio Wolney. Em expediente que gerou o projeto da lei 2.636/99, sufragado por unanimidade dos edis votantes, o Legislativo local adotou como justificativa condutora da lei a de que:
É sabido, em nossa história, que políticos valorosos só são reconhecidos por seu caráter, por seu dinamismo, por sua coragem e por seus feitos grandiosos postumamente, quando o são. Dessa forma, não podemos deixar de fazer justiça, lembrando e homenageando uma personalidade, o Deputado Estadual Abílio Wolney, que apesar de possuir base política em outro município do Estado de Goiás, levantou sua voz para sugerir-nos o nome de ‘Anápolis’, no Plenário da Câmara dos Deputados na Cidade de Goiás e ainda, quando de sua passagem por Santana das Antas na campanha para Deputado Federal, em 1900. Daí a necessidade de homenagear aquele político, atribuindo à praça do Ancião o nome de Praça Deputado Abílio Wolney, pois que foi o responsável pela denominação da segunda maior cidade do Estado de Goiás. Esse projeto se reveste de grande importância história e política para Anápolis.
Voltando ao ano de 1900, vamos ver que Abílio Wolney, aos 24 anos de idade, foi mesmo eleito Deputado Federal por Goiás, com grande apoio em Arraias, Anápolis e Pirenópolis, cujo resultado foi publicado no dia 08 de abril daquele ano. Imensa alegria invadiu-lhe a alma. Parecia ter chegado a um patamar bastante razoável na sua trajetória política pelo sufrágio universal do voto.
Deixando a esposa Josepha Ayres Wolney prestes a dar à luz, demandou o Rio de Janeiro, antiga capital do País, viajando pelos sertões de Goiás e da Bahia, montado a cavalo e, adiante, tomando barco a vapor.
Ignota ventura luzia-lhe no olhar.
Na viagem, passou por Rio Grande, São Francisco, Juazeiro, Queimadas, Vila Nova, Alagoinhas, e chegaria a Salvador em 29 do mesmo mês, mas, no trajeto, teria “sofrido febres intermitentes que o prostraram vários dias”, conforme escreveu.
Doente, repousou na casa de um amigo em Salvador. Passou alguns dias na “Pensão Mozart”, na mesma cidade e ali mesmo recebeu a notícia de que inimigos políticos ligados a Totó Caiado conspiraram contra ele, valendo-se do instituto parlamentar da depuração, que consistia em excluir um representante congressista, mesmo que eleito pelo voto popular.
Instituído no governo federal de Manoel Ferraz de Campos Sales (1898-1902), a depuração era feita por um Órgão responsável por fiscalizar as eleições – uma espécie de Tribunal Superior Eleitoral da época – chamado de Comissão de Verificação de Poderes, formada por cinco Deputados. Para compô-lo, eram indicados sempre aliados do Governo, o que impedia qualquer oposição de se instalar. Sob a sua égide, as votações eram denominadas “eleições a bico-de-pena”, vez que a Comissão fraudava qualquer resultado favorável à oposição.
Era uma fraude eleitoral institucional, que para a história restou apelidada como ‘degola’ para os adversários.
Para tranquilidade de sua administração, o Presidente da República Campos Sales organizou a chamada “Política dos Governadores”, que consistia no seguinte: os Senadores e Deputados correligionários dos Governadores dos Estados teriam amplo prestígio junto ao Governo Federal. Este receberia, em troca, o apoio dos Governadores estaduais na execução da política geral do País. Diminuía assim, naturalmente, a importância dos partidos, ao mesmo tempo em que se consolidavam as oligarquias locais. Consolida-se a figura do coronel político, dono de gado e gente, pois foi nesse período – a que se referiu antes – que se inaugurou o chamado ‘voto de cabresto’, através dos currais eleitorais.
Para Villaça, [54 o coronel, muito mais que o médico, bacharel ou padre, era produto do seu meio e de seu tempo, capaz de usar com maestria os recursos da linguagem e os valores próprios da sociedade matuta.
E, então, Abílio estava “degolado”.
Segundo Carone,
[…] um dos maiores atentados daquela época foi a expulsão de Abílio Wolney, eleito e diplomado por Goiás para dar entrada a Ovídio Abrantes. Logrou o Sr. Wolney um voto em separado de Fausto Cardoso, mas nada conseguiu no plenário, que aceitou o parecer do Sr. Manoel Fulgêncio.
Eleito Deputado Federal foi ‘degolado’ porque a oligarquia dominante assim o quis, para proteger a Ovídio Abrantes, filho de um chefe político da Capital e cunhado de Antônio Ramos Caiado. De 1900 em diante em cada eleição Federal, as minorias vêem seus membros serem vetados ou ‘degolados’.
Ovídio Abrantes era casado com Diva Caiado, irmã de Totó Caiado. Adiante Diva fica viúva e casa-se com o Cel. Eugênio Rodrigues Jardim, [55 que, no seio da oligarquia, será muita coisa daqui a pouco.
Além de muito rico por herança, trabalho e facilidades do Poder, Totó Caiado havia sido Vice-Presidente da Província de Goiás de 1892 a 1895. Era formado em Direito e já havia sido Deputado Estadual em 1897 e Prefeito de 1899 a 1902, aprumando-se para muito mais, na esfera federal.
A mais do Deputado Federal Ovídio Abrantes, outros amigos e parentes de Totó exerciam mandatos na esfera estadual e federal, de modo que ele conseguia influenciar diretamente na depuração de Deputados na Assembleia Legislativa do seu Estado ou no Congresso Nacional. [56
No Judiciário, Totó também exercia influência. Além do cunhado Des. João Alves de Castro, teria adiante o primo deste, Des. Ayrosa Alves de Castro, e depois o Des. Xavier de Almeida, a quem adere. Em meados dos anos 20, Totó Caiado vai conseguir compor o Tribunal do Estado com 05 Desembargadores aliados, contra 04 imparciais.
Quanto a Abílio, depurado pelas hostes da oligarquia, só restava anota no Diário: “Voltei da Bahia, partindo dali a 26 de maio de 1900”.
Atormentadas vigílias agoniavam-se-lhe o espírito, traumatizado num pesadelo de revolta por aquilo que reputava traição e medidas contra a sua ascensão. Tinha um nome em Goiás e em sua capital.
Havia batido nas portas do Parlamento no Rio de Janeiro, antiga capital e Distrito Federal.
Contudo, não havia como reagir. Era carregar para sempre um sonho morto. Ademais, estava evidente que a insurreição contra o Poder geraria todas as consequências contrárias, como também era um óbvio suicídio arrostar a situação política dominante no Estado, que dispunha da máquina do erário, “com o cofre das graças e o poder da desgraça”, do nepotismo, da sinecura, da força policial, podendo arrimar o adepto ou eliminar de todas as formas o ousado inimigo, logo tachado de subversivo.
O então governo do Estado não parecia ter participado daquela tramoia na Câmara de Verificação de Poderes do Congresso Nacional, onde espalmara-se a mão canhestra do grupo caiadista, em processo de sublevação política.
Qualquer impertinência de Abílio Wolney só lhe traria desvantagens, pois a época requestava boas relações entre o cidadão e os que detinham o poder. O amigo Leopoldo de Bulhões era então correligionário dos troncos dos Caiado, o que ficava mais difícil. Era somar-se ao centro das influências de poder ou recolher-se silencioso.
Mas já havia despertado as atenções das correntes políticas. Irrompiam-se as impressões sobre o moço nortense.
Afinal, o crescimento vertiginoso de Abílio Wolney gerava rumores de que ele pudesse pretender em breve a Presidência do Estado, pois logo que cumpriu o primeiro mandato de Deputado Estadual, inaugurado aos 18 anos, ali estava aos 24, eleito Deputado Federal, bom de voto e levado numa subida de força dos correligionários que o alavancavam.
Mas foi pisoteado. Restava-lhe recolher-se de volta a São José do Duro, onde trabalharia com desvelo nas terras do pai, montando o primeiro engenho de ferro da região.
Adiante seria um dos idealizadores da divisão do Estado do Tocantins, quando, em edição do seu Jornal, O Estado de Goiás, onde também almejou criar o Estado de São Francisco, englobando parte de Goiás e da Bahia e idealizava algo mais. Como anota Luiz Palacin: “Uma finalidade última, sempre presente na atuação política em Goiás, foi a de incorporar Boa Vista [57 ao Maranhão e de conseguir a revisão das monstruosidades existentes na Carta geográfica do Brasil.” [58
Esta mesma era a opinião de Abílio Wolney, em editorial do seu jornal O Estado de Goiás, de 12.06.1913, que, anos mais tarde, via na ação premeditada, primeiro de Leitão, e depois de Leão Leda, uma tentativa de incorporar o norte de Goiás ao Maranhão, tentativa só frustrada pela enérgica resposta de José Dias e do Padre João. [59
Por estarmos nos reportando a 1900, diga-se que foi nesse ano que nasceu a segunda filha de Abílio, Mirêtta Wolney, em 14 de setembro, e que, no dia 30 de outubro, morria de diabete a sua irmã de nome Custodiana, aos 15 anos de idade.
No ano seguinte, Abílio mudou-se para sua nova casa no Duro, onde entalhou prateleiras provisórias e montou, com mais arrojo, a sua farmácia. Dizem que o seu nome já atravessava as fronteiras de Goiás, Bahia e Piauí, ganhando aporte. Correspondia com muita gente importante.
Não parecia colimar um interesse de mando local no então arraial de São José do Duro, onde, por suas qualidades, era respeitado por uns e invejado por outros. Mirava a capital e não barganhava arranjos coronelísticos, o que seria uma ‘carta branca’ para o domínio do esquecido Vilarejo ou que fosse do nordeste goiano. O seu projeto era bem maior.
Fato é que estudos apontam o prestígio que tinha em outras cidades de Goiás, como Anápolis e Pirenópolis, inclusive, fora dos limites do Estado, nas suas ligações com o Piauí e a Bahia.
O primo Sebastião de Brito, na sua desilusão passional por não ter angariado a simpatia de Anna Custódia Wolney, irmã de Abílio, contraiu esponsais com a outra prima de nome Auta Ayres, irmã de Josepha (esposa de Abílio), em 13 de maio de 1902, passando a residir temporariamente na casa da sogra. Dava tréguas no problema sentimental, sem o quitar no coração. Ele mesmo que guardava algum ressentimento de cinco anos atrás, quando Abílio fora o advogado de D. Joaquina Fernandes no inventário do marido Manoel Ayres, sogro de Abílio e dele, Sebastião.
Segundo o historiador e escritor Voltaire Wolney,
[…] concluída a leitura, Sebastião reclamou contrafeito: – Abílio, acho dispensável a inclusão de bagatelas na divisão do inventário do nosso sogro. Arrolar bancos, arreios velhos, bruacas furadas e outras quinquilharias é como se estivéssemos a mendigar vinténs. A mim se algum desses objetos tocar dispenso-os desde já! [60
Morando com a sogra Benedita Fernandes Cavalcante, Sebastião de Brito fará de tudo para gerar intrigas e dividir a família deixada por Manoel Ayres Cavalcante, tio a quem Abílio estimava mais que aos demais. Formará opinião contra Abílio e seu pai Joaquim Ayres Cavalcante, inculcando na viúva de Manoel Ayres a ideia de fatos, que não vêm ao caso aqui. Será uma questão de tempo…
No dia 2 de julho de 1901, Josina Wolney, irmã de Abílio, casava-se com Cândido Nepomuceno de Souza, neto do Major João Nepomuceno de Souza.
Em 22 de agosto de 1902, Abílio proporcionava ao povo durense uma surpresa: fundava uma modesta biblioteca, constituída de 200 livros, os mais variados, os quais doou em sessão registrada na Ata da solenidade onde estavam presentes o Tenente-Coronel Serafim José Leal, Francelino Teles de Farias, Alexandre José Ayres, Cândido Nepomuceno de Sousa, Sebastião de Brito Guimarães, Confúcio Ayres Cavalcante, Justino José Leal, Nicésio Ayres Cavalcante e Manoel Ayres Cavalcante Júnior. [61
Fato é que o eclipse da depuração não o levou ao ostracismo político. Tinha ele suas ligações, porquanto havia, no último mandato de Deputado Estadual, perolado na ribalta de líder do governo na Assembleia, e também tinha vulto a ponto do Presidente da República, Manoel Ferraz de Campos Sales, outorgar-lhe a patente de Tenente-Coronel da Guarda Nacional, por decreto presidencial, também, em 1902, assumindo o comando do 3º Regimento de Cavalaria com sede em São José do Duro, ano em que nasceu a terceira filha Custodiana, homônimo em homenagem à finada irmã.
A patente e o encargo o estimularam a novas andanças. As regiões de Pirenópolis e Formosa conheciam bem Abílio Wolney, um viajante solitário em franca atividade política.
O primo e concunhado Sebastião de Brito mudou-se da casa da sogra, passando a morar com a mulher, Auta Ayres, em residência no largo da Vila, nas imediações da igreja, onde nasceria a filha Antonieta, em 1903. Apesar dos pesares, foi Abílio quem intermediou o casamento do primo com a cunhada.
Vamos a 1903. Corria o ano no trivial do Duro. No calendário, 22 de agosto, data do natalício do agora Coronel Abílio Wolney. Era noite. Modesto candelabro à mortiça claridade da vela de cera e um desabafo no Diário:
Completo hoje 27 anos de existência, 6 de casado e emancipado, e 3 de lavrador. Ainda não posso interrogar do passado sobre o que tenho feito. Lanço as vistas para ele e nada vejo que mereça atenção, muito embora se diga que sou inteligente, trabalhador e perseverante. Se essas qualidades tenho não sei o que me há impedido de trilhar numa carreira menos tortuosa, pisando em caminhos menos escabrosos. Dei uns passos na medicina para recuar pouco depois tomando um largo caminho na política, e tão largo foi este que me confundi saindo derrotado, depois de uma vitória pouco vulgar!… Oh! Por maior que fosse meu poder de vontade não deixaria de sentir no fundo d’alma essa derrota, de ver baldadas minhas esperanças, perdidos os meus primeiros passos!
Que fazer? Perguntei a mim mesmo. Prosseguir era a solução natural. Não se haviam fechado as portas da carreira encetada; não se havia extinto em mim a necessária coragem para demandar novas posições, mesmo que em obediência à lei natural, tornasse a começar de degraus inferiores. Se essa profissão não era segura, era como todas as outras: tudo pode fracassar.
Meditei sobre o futuro meu, sobre as dificuldades que porventura eu teria que criar a minha família, dificuldade que às vezes eu não poderia remediar.
Por outro lado, pegou-me o mais que tudo o descontentamento que tal meio de vida causava a minha mãe. Consultando ao dever filial, colocando o bem-estar de meus progenitores acima dos meus, e das vantagens que porventura eu poderia colher, tive que me resignar a recuar nos primeiros passos dados nessa carreira e pensar sobre uma nova, mas qual?
Meditei e muito, pois, primeiro que tudo teria de conciliar a minha nova profissão com a vontade de minha mãe, muito suscetível de contrariar-se. Compromissos de gratidão me privaram do exercício da medicina lucrativamente neste lugar. E mudar-me para outro, ao menos temporariamente, era ingratidão com minha boa mãe, por cuja atenção eu havia desprezado a minha verdadeira vocação – a política.
O comércio, a advocacia e ramos da indústria a que poderia dedicar estavam nas mesmas condições para com ela. Para mineração e empresas de manufaturas em que pudesse manter a posição conquistada me faltava o capital, assim como para a criação de gado vacum. Sobretudo, o meu desastre político me deixou complicado.
Circunstância que muito tem influído em quaisquer planos meus.
Afinal entendi de experimentar a lavoura, profissão única que achei compatível com meu estado de privação e de recursos. Era empresa que poderia ser começada com pequeno capital e exercida aqui mesmo. Iniciei os meus primeiros trabalhos em outubro de 1900. E forçoso é confessar que estou descrente. Buscava um passatempo, e que o dever filial me mandava sepultar no mais íntima d’alma.
Bem difíceis me foram esses dias em que tive que sujeitar meus ideais, meus sonhos, e a humilde posição de pequeno lavrador. Alimentou-me, porém, a ideia de que mesmo por esse caminho eu poderia chegar a grandes coisas para o futuro e, se não me faltasse a inteligência, poderia ser mesmo um grande homem, tanto maior quanto me faria à custa de meus próprios esforços, sem comprometer minha família, nem ter que sobrecarregar o compromisso deixado pela política.
Começou destarte a surgir no escuro horizonte de minha vida uma nova senda de luz, uma estrela que pensei que me conduzisse, como os Magos ao ponto desejado. De então, sem mais vacilar, concentrei toda minha atividade na carreira que abraçara. Voltei minha fraca inteligência para o problema da agricultura e assim fixei o meu ser social, se tal posso dizer.
Julguei-me novamente feliz ao lado da esposa e das queridas filhinhas. Por conselhos de meus pais, resolvi fixar trabalhos na Água Limpa para onde me transportei com 23 homens e denominei então Palmira o local em que assentei meu acampamento.
31 de janeiro de 1904 – Domingo.
Passei a semana na Palmira. Como de costume, tinha ao lado minha mulher e filhinhas que tanto prezo. Gozei boa saúde e trabalhei o quanto pude. Esta semana tive de dar caça às capivaras que procuravam me destruir as culturas. Caça difícil e penosa, que se faz andando nu dentro d’água.
Desenganado que sem eu nada faziam, tomei a frente de 5 homens, que não eram meus amigos, e embrenhei-me com eles em lugares terríveis, poucas vezes pisados pelo homem! Lembrei-me que era mortal e que esses homens não eram meus amigos. Vacilei, mas… tive vergonha de recuar, prossegui. Lembrei-me das filhinhas que ficaram sem meu amparo. Lembrei-me de minha boa mãe que me choraria enquanto vivesse! E meu pai? Disse comigo mesmo: esse não terá mais prazer na vida. Mas, se estes miseráveis me tirarem a existência, ele será o amparo de minhas filhas e me vingará.
Tive saudade de meu pai. Meu amor por ele, parece que se é possível, cresceu. Tive desejo de deixar a caçada e voltar a cavalo, vir abraçá-lo e dizer-lhe o que sentia. Mas o que diriam de mim? Naturalmente, que tive um acesso de loucura e meu próprio pai não me consentiria voltar a meu trabalho. Depois dessas conjecturas, cobrei novo ânimo, evoquei o do meu pai e disse: Eu sou um pedaço dele. Se desagregam-me dele, nem por isso deixará de ser o mesmo.
Meu corpo se abate e o dele encarnará meu espírito, que por sua vez está fundido em Alzira.
Suportei, enfim, dificilmente, a saudade, e só por vê-lo, vim sábado, à noite; não o encontrei! Tive disso muito pesar.
Cheguei a verter uma lágrima. E como não o encontrasse para conversar e receber dele o alento, que sempre me dá todos os finais de semana, alento que já me habituei a receber, passei o dia de Domingo enxabidamente, e não vou hoje vê-lo, para não ser tomado por fraco ou adulador. Diriam que só o fiz porque meu pai é rico. Não o tendo encontrado, como de costume, deixo disso a impressão de meu fundo pesar e volto aos meus trabalhos que ele abençoa.
Oh! Já não existe Manoel Ayres que me compreenderia também!… Uma lágrima de saudade, por ti amigo leal, eu não te esqueço. Por tua memória. Adoro tua filha e amparo teus filhos. Teu espírito seja meu guia.
26 de fevereiro de 1904.
Além dos muitos presentes que meus pais têm me feito, fizeram-me hoje um que apesar de ser inferior em valor foi superior em merecimento. Imploro longa vida e felicidade a meus bons pais, julgando-me muito bem por ter nascido deles. Trabalho para honrar e satisfazer seus desejos. Ainda não tenho religião, o culto que os outros rendem a seus Deuses que não conhecem eu rendo à terra que faz viver tudo e a meus pais de quem procedo.
Rendo culto também à lembrança de Manoel Ayres, meu querido tio e a amizade que consagro ao desembargador Jayme, meu protetor e espírito elevado ao qual me curvo.
Obedeço aos conselhos de meu pai por ver que vem dum coração que me deseja todo bem e as do desembargador Jayme por entender que me estima e deseja ver-me em prosperidade, sendo esses conselhos ditados por um espírito elevado e amigo.
É bem curto o período de uma existência. O homem que teve um cérebro capaz de elaborar grandes ideias, ou cujo corpo revestiu um espírito esclarecido e bem intencionado, raramente chegará a executar uma pequena parte do preconcebido. Quero me explicar e que linguagem devo adaptar? A do positivista? É boa até certo ponto, mas não explica tudo. Devo recorrer ao cristianismo? É melhor, mas não quero tratar somente da moral.
Ao espiritismo? Sim. Ali encontro explicação para tudo.
Encontro a definição do musgo e do carvalho secular; da ostra que se agarra ao rochedo até o grande cetáceo e ao homem atual dominador do universo, do globo em que habitamos até os milhares de mundos que nos cercam. Vejo a razão de ser do acanhamento de uns e desenvolvimento e audácia de outros.
A razão da tibieza e do heroísmo, da apatia, da perseverança e do trabalho. As doutrinas, as mais divergentes se conciliam em alguns pontos e assim o positivismo e o materialismo concordam em que o homem tem a faculdade de agir e criar para si o bem ou o mal estar. Em tese, assim é o mais materialista depois de esquadrinhar clinicamente o cérebro de um Victor Hugo e do seu criado: acabaria por declará-los iguais.
Entretanto, não o eram.
O espiritismo vem nos dizer que um espírito abalizado veio tomar aquele invólucro para servir de modelo à humanidade. Como se explicariam os primeiros conhecimentos de astronomia e grandes descobertas por humildes pastores? É que as forças que regem o universo e impelem-no para o progresso carecem de um doutrinador e levantam em qualquer parte tirando-o frequentemente das condições mais humildes, porque é justamente onde o vício penetrando menos tem corpos em bons estados (instrumentos) capazes de receberem e reproduzirem vibrações. Os espíritos adiantados e que se apresentam em condições estão inseparáveis, parecem terem acanhamento de se manifestarem. Vencida essa primeira dificuldade, vem a modéstia roubar-lhe mais tempo. Vencidos os primeiros obstáculos, tem que conquistar a confiança do homem com quem convive e se é feliz que chega a consegui-lo já ele resta pouco tempo para desenvolvimento de ideias, grandiosas às vezes. A rivalidade, o amor próprio de outrem ofendido, são, entretanto, obstáculos no caminho da vida progressiva do homem, mesmo vulgar. O coração mais terno, mais brando e leal é tomado por duro e traidor se não condescendessem parar na marcha que lhe está traçada para ceder posição a outro que em preparo, sem serviços julga-se com direito a elas. Oh! Pudesse eu mostrar meu coração aos meus e ao mundo, enfim se convenceriam do bem que desejo aos meus conjuntos e à humanidade. Mereceria confiança e então realizaria ideias […]. Já estarei perto da conclusão da trajetória da vida? É provável. Entre outros pesares que tenho, sobressai o de não ser compreendido e por muitos tido como um interesseiro vulgar, quando só busco um meio de concorrer para o progresso da zona em que nasci. [62
[48 Amador Abdala – ambientalista bem conhecido em Anápolis – foi dos primeiros a informar ao autor a respeito de um diálogo mantido com Abílio Wolney, em Anápolis, onde o mesmo com ele comentou sobre o nome da cidade. O encontro entre ambos foi num modesto auditório local, com direito a discurso do ex-deputado Wolney. O ex-Prefeito Raul Balduíno disse-nos ter atendido Abílio em seu consultório médico em Anápolis, em década mais recente, com quem confabulou a respeito de muitas coisas da comuna.
[49 FERREIRA, Haydée Jayme. Anápolis, Sua Vida, Seu Povo, Brasília, 1981, pág. 30.
[50 O Escritor Mário Ribeiro Martins é Procurador de Justiça aposentado e tem se notabilizado pelas dezenas de livros que escreveu, entre os quais Gilberto Freyre – O Ex-Protestante; História das Ideias Radicais no Brasil; Filosofia da Ciência; Sociologia Geral & Especial; Escritores de Goiás; Letras Anapolinas; Dicionário Biobibliográfico de Goiás, de onde transcrevemos as págs. de 15 a 19 (um verdadeiro comboio de registros sobre quem é quem na história da literatura em Goiás), Estudos Literários de Autores Goianos; Dicionário Biobibliográfico do Tocantins; Coronelismo no Antigo Fundão de Brotas, onde dedica Capítulo à História de São José do Duro (Dianópolis); e, mais recentemente lançou Dicionário Biobibliográfico de Membros da Academia Brasileira de Letras; Dicionário Genealógico da Família Ribeiro Martins. Mário Martins é membro da Academia Evangélica de Letras do Brasil, da Academia Pernambucana de Letras e Artes, da Academia Goiana de Letras e da Academia Tocantinense de Letras (ambas Cadeira 37), estando vinculado a diversas outras Instituições Literárias, inclusive do Exterior. Foi por intermédio de Mário Martins que, pela primeira vez, tivemos notícia do Jornal Lavoura & Comércio, onde Abílio Wolney sugeriu o nome Anápolis.
[51 Dicionário Biobibliográfico do Tocantins, pág. 18-23.
[52 Conforme Joana Maria Rocha e Silva e Editorial do 3º Caderno do Jornal Folha do Estado, de 31.07.01, em Anápolis.
[53 Sant’Ana é hoje padroeira do Estado de Goiás, da cidade de Anápolis, da Diocese e da Primeira Paróquia instalada. Vila Boa de Goiás (Goiás Velho, hoje, Cidade de Goiás), onde Abílio exerceu a vida parlamentar, foi, em tempos remotos, conhecida como arraial de Sant’Ana.
[54 VILLAÇA, Marcus Vinícios; ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcante. Coronel, coronelismo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1965.
[55 Eugênio Rodrigues Jardim era natural da cidade de Goiás. Depois que entrou na família Caiado foi eleito Presidente do Estado para o mandato de 1921 a 1923, sucedendo o concunhado, Des. João Alves de Castro. Por fim foi Senador Federal por Goiás para o mandato de 1924 a 1926. Morreu em 1926, aos 70 anos, num acidente de automóvel no Rio de Janeiro, desfalcando a oligarquia.
[56 Adiante entrará em cena o Des. João Alves de Castro, casado com uma irmã de Totó Caiado, e que tinha como irmãos Joviano, Agenor e Abílio Alves de Castro, também casados com irmãs de Totó Caiado, como anotamos, os quais iriam estar presentes na representação federal.
[57 Boa Vista denomina-se hoje Tocantinópolis, extremo-norte do Estado do Tocantins.
[58 PALACIN, Luis. Coronelismo no Extremo Norte de Goiás: o Padre João e as três Revoluções de Boa Vista. Goiânia: Ed. UFG, São Paulo: Edições Loyola, 1990, citando a obra A Esfinge do Grajaú, p. 253.
[59 Jornal Estado de Goyas de Abílio Wolney, Editorial de 12.06.1913. Leitão e Leão Leda foram coronéis e chefes políticos maranhenses de grande influência no cenário da época. José Dias e Padre João foram guerrilheiros que aliciaram forças paramilitares e combateram as hordas daqueles caudilhos, que por sua vez também eram teleguiados por poderosos políticos […]. Veja o livro Coronelismo no Extremo Norte de Goiás, de Luiz G. Palacin, pág 48, 1ª ed., Loyola, 1990; e o livro Abílio Wolney, Suas Glórias, Suas Dores, de Voltaire Wolney Aires.
[60 AIRES, Voltaire Wolney. Abílio Wolney, Suas Glórias, Suas Dores. 2ª ed. Palmas, TO: Editora Provisão, 1998 (Adotado em vistibulares da Universidade Federal do Tocantins – UFT – Palmas-TO).
[61 Em Águas Lindas de Goiás existe a Rua Abílio Wolney, onde está o Paço Municipal.
[62 Não fazia muito que o francês Allan Kardec havia recebido o ditado de o O Livro dos Espíritos, na codificação espírita de 1857. Vem dali as considerações de que “O homem tem o pensamento instintivo de que nem tudo se acaba quando cessa a vida. Tem horror ao nada. Ainda que teime e resista inutilmente contra a ideia da vida futura, quando chega o momento supremo são poucos os que não se perguntam o que vai ser deles; a ideia de deixar a vida e não mais retornar é dolorosa. Quem poderia, de fato, encarar com indiferença uma separação absoluta, eterna, de tudo o que amou? Quem poderia, sem medo, ver abrir-se diante de si o imenso abismo do nada onde se dissiparão para sempre todas as nossas capacidades, todas as nossas esperanças, e dizer a si mesmo: “Qual o quê! Depois de mim, nada, nada mais além do vazio; tudo acabou; daqui a alguns dias minhas lembranças serão apagadas da memória dos que me sobreviverem; daqui a pouco não restará nenhum traço de minha passagem pela Terra; o próprio bem que fiz será esquecido pelos ingratos a quem servi; e nada pode compensar tudo isso, nenhuma outra perspectiva além do meu corpo roído pelos vermes!” Esse quadro não tem alguma coisa de apavorante, glacial? A religião nos ensina que não pode ser assim, e a razão o confirma. Mas essa existência futura, vaga e indefinida não nos dá nenhuma esperança, sendo para muitos a origem da dúvida. Temos uma alma, sim, mas o que é nossa alma?
Ela tem uma forma, uma aparência qualquer? É um ser limitado indefinido? Uns dizem que é um sopro de Deus; outros, uma centelha; outros, uma parte do grande Todo, o princípio da vida e da inteligência, mas o que tudo isso nos oferece? O que nos importa ter uma alma se depois da morte ela se confunde na imensidade como as gotas d’água no oceano? A perda de nossa individualidade não é para nós o mesmo que o nada? Diz-se, ainda, que é imaterial; mas uma coisa imaterial não poderá ter proporções definidas e para nós equivale ao nada. A religião ainda nos ensina que seremos felizes ou infelizes, conforme o bem ou o mal que tivermos feito. Mas em que consiste essa felicidade que nos espera no seio de Deus? É uma beatitude, uma contemplação eterna, sem outra ocupação a não ser a de cantar louvores ao Criador? As chamas do inferno são uma realidade ou símbolo? A própria Igreja as entende nesta última significação, mas quais são aqueles sofrimentos? Onde está esse lugar de suplício? Numa palavra, o que se faz, o que se vê, nesse mundo que nos espera a todos?”. (O Livro dos Espíritos, pág 87).
[Continua na próxima postagem quinzenal, com a publicação do Capítulo V
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