Sobre o livro ‘Cuidadoras Lusitanas’, Elaine Furtado diz que o conteúdo poderia representar fragmentos da vida do ser humano, abordando xenofobia, preconceito e solidão. Ao mesmo tempo, empatia, amizade, amor e perdão, em viagem única de sabores, cores, muitas emoções. Goiana fixada na Europa, comenta: “O cenário é a cidade do Porto e o período é antes e durante a pandemia da Covid-19”.
“Eu poderia definir como uma obra de ficção tragicómica, pois tem bastante humor, super bem humorado, mesmo que a narrativa venha tratar de temas difíceis. O cenário é a cidade do Porto [Portugal] e o período é antes e durante a pandemia da Covid-19”, comentou ao JORNAL CIDADE a autora Elaine Furtado, também cabeleireira, cuidadora e residente no Velho Continente desde 2017 e, que especifica sempre ter portado “uma paixão pela escrita. Sim, sempre escrevi! Meu sonho de infância era ser escritora. No entanto, a vida, que nos obriga muitas vezes seguir outros caminhos, me levou em outras direções. O que foi bom, pois acumulei experiências, algo importante para quem gosta de escrever”.
Na sinopse de Cuidadoras Lusitanas, consta que o conteúdo do livro é uma história que poderia representar fragmentos da vida de ser humano, abordando temas como xenofobia, preconceito, solidão. Ao mesmo tempo, a empatia, a amizade, o amor e o perdão estão presentes, em viagem única de sabores, cores e muitas emoções.
No recorte de tempo, o livro engloba períodos interligados: “Foi antes e durante o início da pandemia da Covid 19”, memoriza a escritora, que pontua: “O confinamento não foi fácil para ninguém, mas, para quem, como eu, imigrante e sem família, penso que foi pior! E, foi nesse momento que decidi voltar a escrever. Escrevi uma obra literária baseada na minha experiência pessoal. Meu estilo é tragicómico, meio teatral. Eu gosto de teatro, gosto de ópera e gosto de arte!”.
A obra, em português (Brasil), traz na capa fotos do fotógrafo e artista plástico brasiliense Marco Mota. “É uma sobreposição de imagens da cidade do Porto e do Rio de Janeiro”. Com trezentas e sessenta e duas páginas, lançada pela editora Chiado Books, entre outras opções, pode ser comprada através dos sites www.livrariaatlantico.com, www.amazon.in e www.livrariaatlantico.com.br.
Com embaixador
Durante recente visita ao embaixador de Portugal na Holanda, houve apresentação da obra. “Tratamos do possível apoio do Instituto Camões [sediado em Lisboa, pertencente ao Governo da República Portuguesa] na tradução do livro em holandês, além de outros assuntos. Já tenho agendado visita à Embaixada do Brasil na Holanda”, informou.
“A tradução para o inglês seria feita pela própria editora, assim que alcançar o número de tiragem necessário. Mas, eu gostaria muito de ter essa história traduzida em holandês, porque eu vivo aqui, seria um ponto importante para nós, os goianos que aqui residem”, opina Elaine Furtado, que expõe: “…Sou escritora e, cultura no nosso País [Brasil] infelizmente não dá dinheiro”, incentivando, sobre o livro: “…As mulheres goianas são capazes de realizar coisas significativas. É uma forma de homenagem às mulheres”.
Goiás, Distrito Federal e Europa
Elaine Furtado é uma imigrante brasileira que nasceu em Goiânia. Aos 16 anos, foi viver em Brasília, capital do Brasil, onde construiu carreiras profissional e empresarial. “Sou uma goiana do ‘pé rachado’. Do tipo que adora pequi, gueiroba, jiló… Uma pamonha, rapadura e, tudo mais do nosso amado Estado de Goiás. Fui viver em Brasília ainda bem jovem. Mas, Brasília é um ‘pedacinho’ de Goiás. Então, eu me senti em casa”, revela a filha de Sideni Mendes. “Minha mãe viveu em Uruaçu, faz muito tempo! A minha família – alguns vivem em Inhumas [cidade da Grande Goiânia] – também tem uma ligação forte com Uruaçu”, comunica, emendando ter amizade na localidade nortense da filial do JORNAL CIDADE.
Trabalhou como cabeleireira por mais de 40 anos, o que lhe proporcionou a oportunidade de conhecer muitas pessoas e as suas histórias. “O cabeleireiro é, antes de tudo, um ouvinte. Muitas vezes, as nossas cadeiras tornam-se verdadeiros divãs”, como a autora costuma dizer. Para a mesma, o ambiente do salão de beleza é fecundo e inspirador, lugar ideal para quem, como ela, tem paixão pela escrita.
Com experiência, emprestou tempo para as atividades sindicais, se tornando presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Salão de Beleza, Instituto de Beleza, Clínica de Beleza do Distrito Federal (Sindbeleza-DF), diretora da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Distrito Federal (Fecomércio-DF); e, integrante dos Conselhos do Serviço Social do Comércio (Sesc), do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), participando da elaboração, construção e execução de projetos importantes para o setor do comércio de bens, de serviço e de turismo brasileiro.
Em 2017, transição significativa e, a goiana foi viver na Holanda. “Vim para a Holanda porque me casei com um cidadão holandês. Eu nunca havia planejado sair do Brasil. Depois de três anos, me divorciei e fui viver por um ano na cidade do Porto”. Em Portugal, também trabalhou como cabeleireira.
“Com o avanço da pandemia e parte dos estabelecimentos comerciais fechando as portas, iniciou trabalho na área dos cuidados domiciliares”, destaca.
Vivendo na Holanda há cinco anos, com dedicação faz o que sempre gostou e desejou: escrever. “Meu seu sonho é escrever roteiros de filmes para plataformas de streaming para o cinema, minha grande paixão”, comenta inspirada.
“Aqui, como em toda a Europa – penso que pelo mundo todo –, moram muitos goianos. Nós, goianos, não saímos muito de Goiás para outros Estados brasileiros. Já observaram isso? Quando temos que sair, vamos logo para longe. Se é para ter desafios, que sejam grandes. Ser imigrante não é fácil, muitas vezes é bem sofrido”, alerta.
Sinopse
Cuidadoras Lusitanas é uma história que poderia ser fragmentos da vida de cada pessoa. Temas difíceis, como xenofobia, preconceito e solidão fazem parte da narrativa. Mas, a empatia, amizade, o amor e perdão se fazem presentes, talvez para cada pessoa ver que o próprio ser humano pode ser moldado à sua melhor maneira, mesmo em situações adversas. Preparem-se para uma viagem única de sabores, cores e muitas emoções.
“É divinal! – confirmou Nina, metendo um dos dedos na Cataplana que expunha aquele peixe suculento, misturado numa variedade de amêijoas e gambas e mergulhado num molho de pimentos, cebolas, tomates e ervas aromáticas que lhe davam um tom alaranjado e uma aparência aveludada. O cheiro perfumado desarmava a dieta mais rigorosa.”.
Trechos da obra
“Pela janela, já conseguia avistar o enorme caudal do rio Douro. Longo e serpentado. Corria em direção ao mar por entre uma vasta planície e planaltos cheios de prédios e casas. Viu as pontes D. Maria II, a de D. Luís I e a ponte da Arrábida. Reconheceu-as de imediato de tantas vezes as ter visto nas suas pesquisas. De repente, as fotografias ganhavam vida perante o seu olhar e não conseguiu deixar de sorrir.”.
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“Rodopiou sobre si, olhou ao seu redor e absorveu toda aquela beleza tão própria e distinta do que já vira na sua vida. Mesmo tendo pesquisado e tendo vista centenas de imagens na internet, aquele lugar, sentido debaixo dos pés, mergulhava na alma. Quanta beleza junta!”.
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“— Amélia, não é? — perguntou-lhe Ana, ao mesmo tempo que a convidava a entrar em casa, olhando-a estática, assim que se apercebeu da sua dificuldade fonológica.
— Desculpe-me o atraso. — continuou Amélia, tentando colmatar a situação desconfortável do olhar julgador que ela lhe dirigia.
— Não faz mal. — interrompeu-a Ana. — Amélia, vou direta ao assunto para não perdermos tempo. A cuidadora anterior teve a infelicidade de mexer em coisas que não lhe pertenciam. A agência indicou-nos a Amélia como alguém responsável, com muita experiência e leal… Só não nos disse que… — tentou escolher as palavras.
— Que era gaga? — concluiu Amélia.
— Sim!… Mas isso não vai atrapalhar o seu desempenho, espero!
Amélia preferiu sorrir em vez de se justificar. Percebeu imediatamente que a observação escrita na ficha da utente que se referia à filha como exigente e de regras específicas era um eufemismo. A experiência dizia-lhe que a paciência seria a sua melhor aliada.
“Enquanto Sissi atravessava o pequeno hall da casa, em direção à sala, Simão estava dominado pela sua presença. Observava hipnotizado a forma como ela caminhava, parecia-lhe que Sissi levitava. O seu movimento era leve e suave. Nunca vira uma pele tão alva e uns cabelos tão lisos e sedosos numa cor de neve como aqueles que balançavam à sua frente.
As suas cores de pele eram o oposto. Simão era cabo-verdiano e, quando lhe tocou para a cumprimentar, pensou que como ele, ela deveria ser apontada por uma sociedade que definia quase tudo pela tonalidade da derme. Curiosamente, a alvura do tom de pele de Sissi deu a sensação a Simão de que ela estaria gelada, mas o toque era quente e afável.”.
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“O apartamento estava vazio. As cortinas fechadas e as persianas meias corridas davam-lhe um ar de caverna solitária e sem vida. Alguns detalhes que pertenciam a Amélia já não ornamentavam os móveis da sala e do corredor. Um cheiro a mofo pairava no ar. Estava há semanas fechado desde que a amiga se tinha mudado para Sevilha.
Sissi abriu as persianas e desviou as cortinas para poder abrir as janelas de par em par. As suas plantas tinham secado e os vasos recolhiam as folhas desvitalizadas por falta de água. Sentia-se o poder da mudança naquele lugar.
— Chegou a hora da partida. — disse Sissi, cruzando cada compartimento para abrir as janelas que faziam do espaço uma prisão. — Não há dúvida de que tudo está pronto para receber as próximas histórias que aqui serão escritas.”.
(Jota Marcelo. Com informações da autora; e, do livro)