‘João Carreiro’ – Raul Torres

O meu nome é João Carreiro conhecido no lugar
Eu vou contar minha história pra vocês não duvidar;
Já tô velho, tô cansado, já não posso carrear,
Mas o galo quando morre deixa as penas por sinal.
No tempo que eu fui carreiro muita figura eu fazia
Com doze juntas de boi, cabeçalho até a guia,
João Carreiro era falado, conhecido em demasia

Quando ele entrava na vila, o povo todo sabia!
Com as dozes juntas de boi caminhava sossegado,
O carro do João Carreiro tinha um cantar apaixonado
Distância de meia légua e quando subia o cerrado
Os dois cocões rangedor fazia um dueto chorado.
Parelha do cabeçalho: Beija-Flor e Munzambinho
Parelha de boi de guia: Fortaleza e caboclinho,
Na subida caminhava, Riachão e Riachinho,
Vamos simbora Sereno, parelha de Passarinho!

No riacho da Graúna quando meu carro parava
Os zóio de uma cabocla meu coração cutucava,
Na volta lá da cidade de novo por lá passava
Os zóio dessa malvada de novo me provocava!
Assim fiquemos um tempão, cinco mês fiquemos assim,
Eu com arreceio dela, e ela com medo de mim.
Mas um dia criei coragem, falei com ela por fim
Essa cabocla chamava Corina Flor do Alecrim!

O alecrim não tem espinho e é danado pra cheirar
E mermo não tendo espinho, alecrim pode magoar,
Corina Flor do Alecrim só soube me judiar,
Me prometeu mir ventura e só me trouxe penar –
Só tive um amor na vida, tristeza veio me dar
Fiquei velho aperreado já não posso carrear.
Já contei a minha história antes de outro contar
Onde meu carro passou ficou rastro por sinar.

Raul Torres (1906-1970), natural de Botucatu-SP, cantor e compositor, parceiro de Serrinha e, posteriormente, de Florêncio, com quem formou dupla por mais de três décadas, tem vasto trabalho musical. Letra de música de sucesso na voz de Rolando Boldrin (que também gravou outras canções de Raul) e que faz parte do disco Longe de casa (1978), lançado pela gravadora Chantecler