URUAÇU-HISTÓRIA

DA REDAÇÃO, COM COLABORADORES

6. A instalação do município

Os filhos e genros do Coronel Gaspar, convidados por ele para um café, às 14 horas do dia 15 de agosto de 1931 – dia santo de guarda consagrado a Nossa Senhora d’Abadia do Muquém -, se reuniram na casa paterna. A conversa sobre os mais variados assuntos era tão animada que, de longe, se percebia haver ali grande quantidade de pessoas.

A certa altura, interrompeu o pai Gaspar:

– Bem, meus filhos, vamos tratar do assunto principal, ou seja, a instalação do município e a posse de Chico, na Prefeitura.

Neco (Manuel Fernandes) arrisca um palpite:

– Na minha opinião, devemos promover as solenidades do modo mais simples possível, para não ficar muito caro. Convidaremos as autoridades de Pilar e da sede da comarca, isto é, de Jaraguá, especialmente o Dr. Moacyr Ribeiro de Freitas, juiz de direito – que presidirá às solenidades e dará posse ao prefeito, inhô Chico -, o Sebastião Gonçalves, alguns outros amigos, o prefeito e o juiz municipal de Pilar. De Jaraguá, além do juiz e do Sebastião, devemos convidar o Dr. Augusto Rios, o Baltazar de Freitas…

Aristides Ribeiro, antes que o tio Neco completasse a relação dos nomes que pretendia dizer, interrompeu-o:

– De Goiás, eu vou convidar meu pai, Benedito Ribeiro, o Jarbas, o Eduardo e mais alguns amigos.

O tio Chico, que fora nomeado prefeito, completou:

– De São José, vamos convidar o senhor Bispo, Dom Florentino, o Compadre Zeco, o Antônio Fernandes, o José Ribeiro com a família, o Olegário Silva Rocha.

Enéias Fernandes, que ouvia atentamente as opiniões dos irmãos e cunhados, acrescentou:

-Não podemos esquecer dos amigos de Amaro Leite e de Descoberto, Benedito Coelho, Aristóteles, Pedro Correia, Sô Delino Américo, Euzébio Martins…

O Coronel Gaspar interferiu:

– Precisamos mandar um ofício convidando o Dr. Pedro Ludovico e o Dr. José de Carvalho dos Santos Azevedo, pelo menos. Chico preparará um banquete para os convidados. Você, Neco, se encarregará dos convites.

Ouvindo a recomendação do pai, Francisco Fernandes acrescentou:

– Além do banquete, eu posso hospedar uma parte dos visitantes, já que aqui ainda não temos hotel.

– A minha gente eu faço questão que fique lá em casa, ou seja, meu pai, meus irmãos, enfim todos que vierem de Goiás, bem como o Dr. Moacyr, que virá de Jaraguá – acrescentou Aristides Ribeiro.

Enéias se propôs:

– Os de Descoberto e os de Amaro Leite poderão ficar lá em casa.

Pondo termo ao assunto da hospedagem, adiantou o Coronel Gaspar:

Quando eles chegarem, faremos a distribuição.

O Professor Domingos Vicente Costa Campos, recém-chegado de Corumbá de Goiás, onde era alto comerciante e falira, pelo excesso de bondade e altruísmo (dizia-se que ele não respondia não a ninguém, ou a quem quer que fosse que o procurasse, ainda que lhe pedissem o impossível), interfere com entusiasmo, com o seu linguajar característico:

– A música, né… na… eu… u… u… Roque que a Balbina, nean, vamos cantar na missa, muito bonito, muito bonito, né… na…

O Professor Domingos era exímio maestro. Executava diversos instrumentos, especialmente o clarinete. Todos os presentes aplaudiram, com alegria, a sua promessa.

Tudo combinado. Francisco Fernandes adiantou mais que, além do banquete, promoveria um animado baile, à noite, e para isso, armaria uma barraca em frente à porta, para comportar todo o povo.

Ficou marcada a data de 3 de setembro de 1931 para a instalação do município e a posse do primeiro prefeito seria exatamente às onze horas.

Tudo correu conforme fora previsto. No dia aprazado – 3 de setembro -, Sant’Ana estava preparada para a grande festa. De vez em quando se ouvia o estampido de um foguete. A orquestra, logo cedinho, começou a ensaiar, para tocar durante a missa. Os acordes do clarinete e do violino enchiam os céus do povoado de sons angélicos. A emoção tomava conta de todos. As horas corriam!

Onze horas! A residência do prefeito nomeado, Francisco Fernandes, se encheu de gente. Sala, copa, cozinha, quartos – não havia lugar para mais ninguém. As cozinheiras se apressavam. Num banco improvisado na porta do quintal, Secunda, a “chefa” das empregadas de inhô Chico, ralava grande quantidade de apetitosos queijos, para ser servido com doce de leite, já preparado para sobremesa. Nerosa gritava Mané e Calu, seus enteados, para trazer paus de lenha e atiçar o fogo. Parece que estou ouvindo ela falar, com aquela vozinha suave, cheia de doçura, mansa, suplicante.

– Mane, ô home, traz uns pauzinhos de lenha, senão o almoço atrasa. Vai ajudar ele, Calu! Cadê Vilás?! Ele podia rachar mais lenha!… (Ervilás era um rapaz criado pelo tio Chico).

Enquanto a digníssima esposa do prefeito se preocupava com o almoço, meia dúzia de foguetes de rojão subiu aos céus, anunciando a chegada do senhor Bispo Dom Florentino, que já se encontrava na vila desde o dia anterior.

Assim que entrou na sala de recepção, foi logo anunciando o início da Santa Missa. O vozerio parou de chofre. Silêncio absoluto. Todos se postaram em atitudes de respeito e em pé.

Dom Florentino Símon Garriga, o sucessor de Dom Francisco Ozamis na Prelazia do Alto Tocantins, antes das primeiras orações da Santa Missa, disse algumas palavras, congratulando-se com o povo de Sant’Ana por aquele extraordinário acontecimento, um marco decisivo na arrancada para o progresso daquela nova comunidade, uma obra indiscutível dos Fernandes.

Sob a batuta do Prof. Domingos Vicente, o Sr. Roque Ponce mandou para o ar um primeiro acorde de seu clarinete, suave e forte, ao mesmo tempo, com o que fez abalar os corações dos presentes.

A orquestra era composta de duas clarinetas, o encantador violino executado pela jovem e bela Balbina, três violões sob a maestria do Odilon Ribeiro, Joãozinho e Neviton. Aleluia (Diva Ribeiro de Freitas), Sanica, Colá e dona Joaninha completavam o coro, com voz sã, em duetos, reforçados com as vozes masculina de Bigu (Benedito Ribeiro) e do tio Tone (Antônio Fernandes).

O hino inicial de abertura da celebração da santa missa foi entoado, e a harmonia dos sons era de tal sorte que elevava os assistentes a um nível superior em sublime enlevo. Dom Florentino entoou o Prefácio e depois o Glória. Três rojões subiram ao ar deixando o rastro quase invisível de fumaça, para, alguns instantes depois, abalar os assentos com os estampidos. E a missa cantada prosseguia. Dentro da casa não havia mais lugar. E as portas de entrada e as janelas ficaram apinhadas de curiosos. Algumas matronas idosas receberam, trêmulas, a sagrada hóstia.

Terminada a santa missa, o Dr. Moacyr Ribeiro de Freitas, na qualidade de juiz de direito de Pirenópolis – respondendo, também por Jaraguá, por motivo da doença de que fora acometido o Dr. Augusto Ferreira Rios, o titular -, declarou aberta a sessão solene de instalação do município e de posse de seu primeiro prefeito, Sr. Francisco Fernandes de Carvalho, dizendo, em voz alta, clara e pausada: (…) (texto transcrito fielmente do livro A família Fernandes e a fundação de Uruaçu: Reminiscências, páginas 159 a 161. Cristovam Francisco de Ávila. Editora Bandeirante Ltda. Goiânia. 2005). Postagem original no site do JORNAL CIDADE: setembro de 2005.

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