URUAÇU-HISTÓRIA

DA REDAÇÃO, COM COLABORADORES

4. O telegrama

Corria o ano de 1931. Era o mês de julho.

Nós morávamos na Fazenda Conceição, conhecida por Tapera, distante quatro quilômetros ou pouco menos do povoado de Sant’Ana. Para que pudéssemos freqüentar a única escola pública da Vila, meu pai fez um trato com a tia Alice Vieira de Carvalho, viúva de Fidélis Martins Pereira, que para cá, com seu irmão Calimério Fernandes de Carvalho e os filhos, veio do antigo São José, em companhia do Coronel Gaspar.

Papai combinou com ela para que ficássemos em sua casa, durante a semana, de segunda a sexta-feira. Certo dia do mês de março, estava toda família reunida na porta da casa, que ficava na hoje Avenida Tocantins, esquina com a rua Quintino Bocaiúva. Falávamos sobre os planos do professor Leonel Francisco de Brito de, por intermédio dos alunos, construir um campo de futebol. Para isso, todos os alunos, no dia seguinte, deveriam comparecer à escola munidos de uma enxada, foice ou machado, quando ele suspenderia a aula uma hora antes do horário normal. E quem não dispusesse de ferramentas, ajuntaria os ciscos para que o local ficasse bem limpo.

Pois bem, estávamos no calor do debate uns concordando, outros não, quando já escuro, 19 horas mais ou menos, aproximou-se um cavaleiro, montado em um burrão, pêlo de rato, chapéu de aba caída (parecido com o de Tiradentes nas notas de quinhentos cruzeiros), com mala e capa atados na garupa, arreio tipo “socadinho”. Foi chegando e perguntando:

– Cadê Saliça?

Tia Alice, que se encontrava na sala, assomou à porta, e, com aquele seu linguajar um tanto gaguejante, indagou:

– Ô… ô Júlio, como vai? Vamos apear? Está chegando de São José? Como vai essa gente lá? Sr. Zeco, compadre Antônio…?

– Todos bons, mandaram abraços, respondeu. Vim trazer um telegrama para tio Gaspar e uma carta para Sr. Neco, enviados por tio Zeco. Vou entregá-los e depois voltarei. Quero arranchar aqui com a senhora e matar tanta saudade, concluiu.

Era Júlio Antunes da Silva, enviado especial de José Fernandes.

Trinta minutos depois, foguetes de cauda começaram a subir, com ribombeante estrondo, iluminando os céus de Sant’Ana! Um, dois, dezenas desses artifícios subiram ao ar, da porta do tio Neco, do tio Adelino, do tio Aristides, da casa do pai Gaspar, com aquele “chie…é…é pôôô…”, cinco, seis de uma só vez. Foi meia hora de tiroteio!… Todo mundo se entreolhava perplexo. O que houvera? Que teria acontecido? Por que tanto foguete? Devia ter acontecido alguma coisa de bom.

A casa do tio Neco ficava na mesma avenida, lá embaixo. Muita gente para lá se dirigia. Afonso Vila e eu saímos em desabalada carreira para lá. Alguém, então me explicou:

– Veio um telegrama de São José, avisando que foi criado o município de Sant’na. Foi o Júlio que o trouxe, a mandado de Zé Fernandes. A instalação vai ser logo.

Na verdade, pouco entendemos o que se dizia. Nunca tínhamos ouvido falar nesse nome – município! Contávamos, Naquela época, com 10 anos de idade e criados na roça, conhecíamos o cabo da enxada, da foice e do machado. Sabíamos ordenhar vaca e correr a cavalo. O mais era ouvir o canto alegre da saracura, do coriango, à noite toda na promessa: “…manhã eu vou…”; o roncar grosso e rouquenho do guariba, lembrando um engenho de cana-de-açúcar, quando forçado por grosso feixe de cana em suas moendas; as manadas de capivara, os redemoinhos do porco-queixada (javalis), o assobio longo das antas. Todavia, política administrativa e instalação de município eram coisas muito estranhas!

Lembramos-nos do cavaleiro que, pouco antes, passara pela casa da tia Alice, o Júlio, e exclamamos:

– Ah! É isso que o Júlio veio trazer…

Ouvimos tio Neco dizer, em voz alta, ao grupo de pessoas que ali se encontrava, ávidos de melhores informações:

– É, felizmente o Dr. Pedro Ludovico atendeu ao apelo de meu pai. Baixou decreto elevando o nosso distrito a município. Agora não ficaremos mais subordinados a Pilar. O Sr. Zeco escreveu-me informando que, dentro em breve chegarão aqui autoridades para instalar o município de Sant’Ana. O Sr. Chico foi nomeado o primeiro prefeito.

Chico era o seu irmão Francisco Fernandes de Carvalho, filho mais velho do Coronel Gaspar (texto transcrito fielmente do livro A família Fernandes e a fundação de Uruaçu: Reminiscências, páginas 154 a 155. Cristovam Francisco de Ávila. Editora Bandeirante Ltda. Goiânia. 2005). Postagem original no site do JORNAL CIDADE: setembro de 2005.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

error: Conteúdo Protegido!!